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"Queria entender melhor as letras de Milton Nascimento”, diz Esperanza Spalding

A contrabaixista norte-americana – que dividiu o palco com o cantor no Rock in Rio – conta como se tornou fã da música brasileira

Esperanza Spalding no Town Hall, em Nova York. “O que mudou na minha vida depois do Grammy? Nada!” (Divulgação)

Esperanza Spalding no Town Hall, em Nova York. “O que mudou na minha vida depois do Grammy? Nada!” (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 9 de novembro de 2011 às 17h18.

São Paulo - No último dia 21 de maio, mal as luzes se apagaram, a plateia que lotava o Town Hall, em Nova York, começou a ovacionar. A contrabaixista e cantora norte-americana Esperanza Spalding deixou o camarim e adentrou o palco sozinha, à frente das cortinas ainda fechadas.

Sem olhar para o público, dirigiu-se à poltrona de veludo que dividia a cena com uma mesinha e um abajur aceso, tirou os sapatos, se sentou, encheu de vinho uma taça de cristal e fingiu adormecer.

Ouviram-se burburinhos e alguns esboços de aplausos até que a cortina se abriu ferozmente. Saiu puxando, impiedosa, o que havia no caminho – mesa, abajur, taça. Esperanza despertou, então, do sono cenográfico e segurou os objetos, impedindo que caíssem no chão.

Aos 26 anos, o mais recente fenômeno do jazz parece ter consciência de que é tão singular quanto a mise-en-scène de seus espetáculos. Ela nasceu numa área pobre de Portland e cresceu apenas sob os cuidados da mãe – o pai a abandonou.

Criança, apaixonou-se pelo gênero que a consagrou após ver o violoncelista Yo-Yo Ma em um programa de TV. Logo passou a frequentar um conservatório local, a Chamber Music Society, que dá nome a seu terceiro e novo álbum solo. Aprendeu violino, oboé, clarinete e violão. Descobriu o contrabaixo acústico somente no ensino médio.

Embora miúdas, suas mãos acabaram por levá-la a estudar música com bolsa integral no conceituadíssimo Berklee College, em Boston. Também a fizeram conhecer o presidente Barack Obama, para quem se apresentou em pelo menos quatro ocasiões.

No início de 2011, a jovem instrumentista negra ganhou um dos mais importantes prêmios da indústria fonográfica, o Grammy de artista revelação, honraria nunca antes concedida a uma jazzista. 

Elogiada por gênios do ritmo, como o pianista McCoy Tyner, Esperanza não abdica de flertar com os sons do Caribe e da África, o rock, o hip-hop e a música brasileira (ela até arranha o português). Neste mês, faz dois shows por aqui, um deles no Rock in Rio, ao lado do ídolo e amigo Milton Nascimento.


BRAVO!: De que modo você se aproximou da música brasileira?

Esperanza Spalding: Foi na época da faculdade, quando costumava tocar de improviso com meus colegas – alguns eram do Brasil. Primeiro, descobri Dorival Caymmi, Hermeto Pascoal e Tom Jobim. Depois, meus amigos disseram: “Agora você tem que conhecer Egberto Gismonti e Caetano Veloso”. Eles começaram a me mostrar um número cada vez maior de artistas. A música mais pop que eu escutava até então era a de Stevie Wonder, com aquelas estruturas melódicas e harmônicas extremamente convidativas, mas ao mesmo tempo desafiadoras, uma característica que também identifico nas canções brasileiras.

Você e Milton Nascimento já se exibiram juntos algumas vezes. Entre as composições dele, quais as suas preferidas?

Esperanza Spalding: Adoro Saudade dos Aviões da Panair. Não entendo como Milton escreveu aquilo! Gosto igualmente de Cravo e Canela e Ponta de Areia. Ele é um compositor excepcional! Recordo que, certa ocasião, logo pela manhã, decidi escutar em casa os álbuns do Clube da Esquina. Pretendia fazer outras coisas enquanto os discos tocassem. No entanto, assim que cheguei à cozinha, me vi embasbacada. Voltava à sala e colocava o som para repetir cada música umas 15 vezes! Claro que não fiz mais nada naquele dia.

Você compreende as letras?

Esperanza Spalding: Perco muito porque não domino o português. Mas o pouco que consigo pescar me soa fenomenal. Há algo no Milton que remete à cantora e compositora Abbey Lincoln. Ambos criam uma coisa inteiramente nova usando palavras e frases que nem sempre se relacionam entre si. Não tentam impressionar com um punhado de expressões bonitas. Recorrem apenas à linguagem coloquial e, mesmo assim, alcançam um significado profundo. Isso é arte! Vou estudar mais português e espero avançar no idioma para entender cada vez melhor as letras do Milton.

Você desbancou estrelas pop, como Justin Bieber ,ao ganhar um Grammy na categoria revelação. O que mudou depois do prêmio?

Esperanza Spalding: A resposta mais honesta e simples é: nada! Tirando, claro, o fato de agora eu atingir um público maior. Outro dia, quando levava minha roupa à lavanderia, um cara correu atrás de mim pela rua, aos gritos: “Ei, ei, posso falar com você?” Tomei um susto imenso, mas aceitei conversar. “Amo sua música e sou neto do Paul Chambers”, contou o rapaz. Do Paul Chambers?! O Paul Chambers [baixista norte-americano, morto em 1969] é simplesmente o meu herói! Entre os jazzistas, mesmo os que não gostam de mim se mostram felizes ao perceber que alcanço um número considerável de pessoas. O jazz é um gênero maravilhoso, mas um pouco difícil para quem não está familiarizado com ele. Por isso, quanto mais exposição esse tipo de música tiver, melhor.

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