Colagem com diversas obras sobre Trump (Jessica White/The New York Times)
Daniel Salles
Publicado em 29 de setembro de 2020 às 09h49.
Desde que foi lançado em maio, o livro mais recente da série "Jogos Vorazes", "The Ballad of Songbirds and Snakes" (A Balada de Aves e Serpentes, em tradução livre), vendeu 1,3 milhão de cópias, um sucesso absoluto para qualquer editora.
O livro de memórias de Mary Trump sobre o tio, "Too Much and Never Enough" (Demais e Nunca o Bastante, em tradução literal), esgotou-se na primeira semana.
Livros sobre políticos e governos não são sucessos comerciais garantidos. Mas, desde que o presidente Donald Trump subiu ao poder, livros sobre sua campanha, seu governo, sua família, seus negócios, suas políticas e até mesmo suas partidas de golfe foram publicados por todos os tipos de editoras, das grandes às pequenas. E muitos desses títulos venderam incrivelmente bem.
"Não importa qual seja o posicionamento político, não há dúvida de que os sentimentos fortes em relação ao governo Trump alavancaram a venda de livros de uma maneira inédita na arena política. A quantidade de novos bestsellers é impressionante", comentou Kristen McLean, diretora executiva de desenvolvimento comercial da NPD Books, uma empresa de pesquisa de mercado.
Logo no início do governo Trump, surgiram os primeiros livros de grande impacto jornalístico, a começar por "Fogo e Fúria: Por Dentro da Casa Branca de Trump", de Michael Wolff, e "Medo: Trump na Casa Branca", de Bob Woodward, que venderam mais de dois milhões de cópias nos EUA. Em seguida, vieram relatos sobre os tumultos na Casa Branca, escritos pelos muitos funcionários que pediram para sair ou que foram demitidos e quiseram recuperar sua reputação com livros de memórias intensos, que muitas vezes foram manchete nos jornais americanos. Entre eles estão obras de Anthony Scaramucci, que foi diretor de comunicação da Casa Branca por 11 dias; Cliff Sims, outro assessor de comunicação da Casa Branca; Omarosa Manigault Newman, ex-assistente do presidente; James Comey, ex-diretor do FBI; John Bolton, ex-conselheiro de segurança nacional; e Anônimo, um integrante do alto escalão do governo Trump.
Se existia alguma preocupação de que os leitores se cansassem de tantas revelações, os números de cópias vendidas são um alívio. A venda de livros sobre Trump continua a crescer: este semestre, o livro de Bolton vendeu mais de um milhão de cópias, enquanto o de Mary Trump já está na vigésima reimpressão.
"Os livros políticos têm funcionado mais ou menos na mesma proporção da polarização causada pelas figuras sobre as quais foram escritos, e é difícil ser mais polarizador que Donald J. Trump. Seja qual for sua opinião sobre o que o presidente pode fazer, no âmbito político ou no existencial, ele é um ótimo tema de livro. Apesar de ser um líder extremamente polêmico, Trump é uma figura que une os leitores", comentou Eamon Dolan, editor executivo da Simon & Schuster, que publicou o livro de Mary Trump.
De fato, tem havido muitos sucessos de autores conservadores que apoiam o presidente, incluindo "All Out War: The Plot to Destroy Trump" (Guerra Declarada: A Trama para Destruir Trump, em tradução livre), de Edward Klein; "The Permanent Coup" (O Golpe Permanente), de Lee Smith; "The Russia Hoax: The Illicit Scheme to Clear Hillary Clinton and Frame Donald Trump" (Embuste Russo: O Esquema Ilícito para Livrar Hillary Clinton e Culpar Donald Trump), de Gregg Jarrett; e o recém-publicado "BLITZ: Trump Will Smash the Left and Win" (Blitz: Trump Esmagará a Esquerda e Vencerá), de David Horowitz. Recentemente, Donald Trump tuitou em apoio a um livro que ainda está sendo escrito pelo apresentador do canal Fox Business, Lou Dobbs, intitulado "The Trump Century: How Our President Changed the Course of History Forever" (O Século Trump: Como Nosso Presidente Mudou os Rumos da História para Sempre).
Thomas Spence, presidente da Regnery Publishing, que publica livros conservadores, comentou que os livros políticos geralmente vendem melhor quando fazem oposição a quem está no poder. Contudo, os anos Trump foram bons para a Regnery. "Tivemos muitos títulos de sucesso", disse Spence.
Os tempos de bonança não se limitam aos livros de memórias cheios de críticas ou às defesas mais aguerridas. Até a Constituição dos Estados Unidos tem vendido mais que o normal. As vendas do documento aumentaram 40 por cento em relação ao mesmo período do segundo mandato do presidente Barack Obama. Além disso, o relatório Mueller, que está em domínio público e pode ser baixado gratuitamente, vendeu centenas de milhares de cópias quando as editoras começaram a lançar edições próprias.
"Negativo, positivo, esquerda, direita – esses últimos três anos agitaram todo mundo", observou Robert B. Barnett, advogado de Washington responsável por importantes contratos de publicação com pessoas de ambos os lados do espectro político.
Os livros políticos lançados no calor da hora, detalhando o funcionamento interno do governo, são um gênero popular há muitas décadas, desde o governo Eisenhower. Entretanto, a quantidade de novos títulos e o público disposto a comprá-los cresceram muito nos últimos anos. Com a ascensão de canais partidários na TV fechada e a polarização da imprensa e do público desde os anos 1990, quando escândalos em torno da família Clinton causaram fúria na direita e levaram a táticas defensivas na esquerda, as editoras começaram a lançar mais livros partidários, com o objetivo de alcançar mais leitores em todo o espectro político.
Os subgêneros que surgiram desde então – livros que elogiam o presidente, livros que o criticam, memórias sobre a Casa Branca, narrativas jornalísticas – chegaram a um nível inédito durante o governo Trump, de acordo com Jon Meacham, biógrafo e autor de livros sobre os presidentes Thomas Jefferson, Andrew Jackson, Franklin Roosevelt e George H.W. Bush. "Trump aumentou o interesse do público por política, para o bem e para o mal. Vivemos um momento dramático, urgente e com tribalismos exacerbados. Por isso existe esse enorme apetite por coisas políticas", disse.
Nos últimos quatro anos, mais de 1.200 livros sobre Trump foram lançados, em comparação com cerca de 500 livros sobre Obama e seu governo durante o primeiro mandato, de acordo com uma análise realizada pela NPD BookScan. Tantos livros relevantes sobre a era Trump foram publicados que existe até mesmo um livro sobre todos os que foram escritos sobre Trump, que ainda está no prelo e se chama "What Were We Thinking" (O que Estávamos Pensando), escrito pelo crítico literário do jornal "The Washington Post", Carlos Lozada, que levou em consideração 150 livros para tentar explicar como Trump venceu e governou, e o que seu mandato diz a respeito do país que o elegeu.
Outra razão para o grande volume de vendas de livros sobre Trump é o número de pessoas que são despedidas da Casa Branca, o que acelera o processo normal para a publicação de relatos internos, que geralmente só surgem depois que o presidente deixa o cargo. Trump demonstrou quanto ficou enfurecido com alguns dos livros, reagindo com tuítes raivosos e processos que levam a uma cobertura ainda mais intensa da imprensa e ao aumento das vendas.
Algumas pessoas no setor creditam o crescimento na venda de livros políticos à força renovada do setor nos últimos meses, apesar da pandemia e da crise econômica. Houve um crescimento de cinco por cento nas vendas de livros impressos nos EUA, em comparação com o mesmo período de 2019, de acordo com a NPD BookScan.
Faltando apenas dois meses para as eleições, uma nova leva de livros sobre Trump acaba de chegar ao mercado. A editora independente Skyhorse está correndo para publicar "Disloyal" (Desleal, em tradução literal), um livro de memórias escrito por Michael Cohen, ex-advogado e braço direito do presidente, que fez afirmações explosivas sobre o comportamento de Trump em um prefácio divulgado em seu site. A Skyhorse prevê que o livro será um grande sucesso, com uma primeira impressão de 600 mil exemplares.
Outros livros relevantes sobre Trump que ainda estão no prelo incluem "Rage" (Raiva, em tradução literal), de Woodward, um trabalho investigativo que detalha como Trump lidou com a Coreia do Norte e com a pandemia do coronavírus; um livro de memórias escrito por Rick Gates, assistente do alto escalão durante a campanha eleitoral de 2016 e testemunha na investigação sobre o papel da Rússia no processo eleitoral; um livro escrito por Andrew Weissmann, principal promotor do escritório especial de advocacia dos EUA, responsável pelo combate ao peculato no governo americano; um livro sobre a investigação do FBI a respeito da interferência russa nas eleições escrito por Peter Strzok, ex-vice-diretor assistente de contrainteligência do FBI, e "Donald Trump v. The United States: Inside the Struggle to Stop a President" (Donald Trump contra os Estados Unidos: Por Dentro da Luta para Parar um Presidente, em tradução literal), de Michael S. Schmidt, repórter investigativo do "The New York Times".
Outra publicação é "Melania and Me: The Rise and Fall of My Friendship with the First Lady" (Melania e Eu: Ascensão e Queda da Minha Amizade com a Primeira-Dama, em tradução literal), escrito por Stephanie Winston Wolkoff, ex-amiga e conselheira da primeira-dama, que declarou ter sido forçada a abandonar o governo e "jogada aos leões" depois de relatos de gastos excessivos na cerimônia de posse, em que esteve intimamente envolvida.
Embora Trump forneça o material para esses livros, ele não parece ter a capacidade de aumentar as vendas dos livros que lhe agradam. No início deste ano, ele postou para seus 86 milhões de seguidores no Twitter um livro chamado "Trump and Churchill: Defenders of Western Civilization" (Trump e Churchill: Defensores da Civilização Ocidental, em tradução livre), de Nick Adams. De acordo com a NPD BookScan, o livro vendeu apenas 2.810 cópias desde maio. A Post Hill Press, que publicou o livro, anunciou que o próximo volume da série "Trump and Reagan" será lançado no ano que vem.
"Quando Donald Trump recomenda um livro, isso não gera um impacto relevante nas vendas, mas, quando Trump detesta um livro, ele chega ao primeiro lugar entre os mais vendidos. Esperamos que Trump deteste nosso livro e rezamos para que ele publique a respeito", observou Latimer, o agente literário de Washington.