Rebeca Andrade celebra ao lado do técnico Francisco Porath: ginasta de Guarulhos foi a segunda colocada no individual geral (Loic VENANCE/AFP)
Carolina Riveira
Publicado em 29 de julho de 2021 às 12h30.
Última atualização em 29 de julho de 2021 às 12h55.
Ao conquistar a medalha de prata no individual geral da ginástica artística, Rebeca Andrade fez história. Aos 22 anos, levou a primeira medalha da ginástica feminina do Brasil, mas não só: seu feito é cercado de recordes e de conquistas marcantes para o esporte brasileiro.
A ginasta de Guarulhos (SP) conseguiu o segundo lugar na prova desta quinta-feira, 29, com nota total de 57.298. O ouro ficou com a americana Sunisa Lee e o bronze, com a russa Angelina Melnikova. Nas classificatórias no fim de semana, Rebeca já havia se classificado em segundo, atrás somente da também americana Simone Biles.
A primeira medalha olímpica da ginástica brasileira havia sido em Londres 2012, com Arthur Zanetti nas argolas. Mas a prata de Rebeca é a primeira vez em que a ginástica feminina conquista também uma medalha em Jogos Olímpicos.
A ginástica artística feminina brasileira tem uma trajetória recente se comparada à de outras potências. Em todo o mundo, a modalidade feminina começou em disputas internacionais somente nos anos 1950 (décadas depois da ginástica masculina). Mas o Brasil, em particular, só se classificou para as Olimpíadas pela primeira vez 30 anos depois, com Claudia Magalhães em Moscou 1980.
Desde então, o país consegue levar ginastas para todas as edições, e o esporte tem evoluído. No Mundial de 2001, Daniele Hypolito conquistou a primeira medalha do Brasil em uma competição mundial, uma prata no solo.
No Mundial de 2003, um ano antes das Olimpíadas, Daiane dos Santos também levou o ouro no solo, o primeiro da história da ginástica brasileira (feminina e masculina). Nas Olimpíadas de Atenas, no ano seguinte, Daiane bateu na trave e não conseguiu a medalha, mas sua performance ao som de "Brasileirinho" é até hoje inspiração para novas gerações.
A ginástica do Brasil tinha outras quatro premiações em Jogos Olímpicos, todas na ginástica masculina. Com a prata de Rebeca no individual geral, o Brasil passa a ter cinco medalhistas olímpicos.
Além de primeira medalha da história da ginástica feminina brasileira, Rebeca Andrade conquistou a primeira medalha do Brasil e da América do Sul em uma prova de individual geral, incluindo no masculino.
A prova é considerada uma das mais "nobres" da ginástica. Os atletas competem em todos os aparelhos (trave, salto, solo e barras assimétricas, nas provas femininas, e argolas, na masculina). O vencedor é considerado um ginasta completo, que consegue competir em alto nível em todos os aparelhos.
No próximo fim de semana, serão realizadas ainda as provas específicas de cada aparelho. Rebeca está na final do solo e do salto, e a também brasileira Flavia Saraiva está na final da trave.
Até hoje, o quadro de medalhas do individual geral na ginástica feminina havia sido dominado por algumas potências específicas. Desde que a prova feminina começou a ser disputada, nos Jogos de Helsinque 1952, houve um domínio primeiro das nações soviéticas.
Nadia Comaneci, atleta da Romênia e lenda da ginástica, foi ouro em Montreal 1976 e prata em Moscou 1980. Nos anos 1980, os EUA começaram a aparecer na prova e ganharam duas medalhas. Mas foi sobretudo a partir de Atenas 2004 que as americanas controlaram a modalidade de vez, com medalhas também de China e da Rússia, herdeira soviética.
Em 2016, no Rio, o ouro foi para a americana Simone Biles, considerada uma das maiores ginastas de todos os tempos (e que desistiu da prova hoje por problemas de saúde mental). A prata ficou com Aly Raisman, também dos EUA, e o bronze com Aliya Mustafina, da Rússia. Naquela edição, Rebeca Andrade também se classificou para a final, em terceiro, mas terminou em 11º.
Aos 22 anos, Rebeca poderia ser considerada jovem para quase qualquer profissão no mundo, mas não necessariamente para a ginástica. Sua conquista em uma prova tão desafiadora quanto a do individual geral é outro feito da atleta paulista.
A campeã Sunisa Lee tem 18 anos, completados em março deste ano. A russa Angelina Melnikova, que levou o bronze, é um ano mais nova que Rebeca (tem 21 anos recém-completados em julho).
Simone Biles, que hoje tem 24 anos, tinha 19 quando venceu a mesma prova em 2016. Gabby Douglas, campeã em Londres 2012, tinha somente 16 anos. A segunda colocada naquele ano, a russa Viktoria Komova, tinha 17.
Para chegar a Tóquio, Rebeca sofreu ainda três cirurgias no joelho nos últimos anos, duas só neste ciclo olímpico. A última lesão aconteceu pouco antes da Olimpíada de Tóquio, e quase a fez perder a vaga se não fosse o adiamento dos Jogos. Em 2015, após a primeira lesão, Rebeca também pensou em desistir da ginástica, mas diz que contou com apoio da mãe (que a criou sozinha, sem presença do pai) e de psicólogos.
Em entrevista após a medalha de hoje, Rebeca disse à TV Globo que "teria feito história mesmo sem medalha". E teria. Sua própria chegada até Tóquio, após todas as dificuldades, já é um marco e uma inspiração para o esporte.