Ator Mads Mikkelsen em cena do filme A Caça, do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 21 de março de 2013 às 13h29.
São Paulo - Um dos fundadores do movimento de renovação do cinema Dogma 95, ao lado de Lars Von Trier, o diretor dinamarquês Thomas Vinterberg alcançou sucesso internacional com seu segundo longa, "Festa de Família" (Prêmio do Júri em Cannes 1998).
Deixando para trás a aura de menino-prodígio e o despojamento às vezes um tanto marqueteiro do Dogma, Vinterberg passou um período de incertezas, em que realizou filmes menos bem-acabados, como "Dogma do Amor" (2003) e "Querida Wendy" (2004). O cineasta pareceu reencontrar um rumo no bom drama familiar "Submarino" (2010) e volta ao seu melhor no recente "A Caça", que concorreu à Palma de Ouro em Cannes 2012, obtendo ali três prêmios, o principal deles o de melhor ator para o já veterano Mads Mikkelsen.
Como em "Festa de Família", Vinterberg sustenta muito bem uma situação em que uma atmosfera de mal-estar, de veneno lento de suspeita passa a contaminar sentimentos, valores, relações, levando a um abismo profundo em que a racionalidade cada vez encontra menos oxigênio para respirar.
O título "A Caça" é perfeito, já que o roteiro, de Vinterberg e Tobias Lindholm, desenvolve o cerco implacável a um professor de maternal, Lucas (Mads Mikkelsen) que se torna suspeito de abuso sexual contra uma garotinha, Klara (Annika Wedderkopp), aluna da escola em que trabalha e também sua vizinha, filha de um velho casal de amigos.
A base da acusação é incerta, a partir de um comentário da menina. A investigação escolar, conduzida pela diretora e psicólogo, vai no sentido de induzir a menina, muito pequena, a afirmar coisas, sem que nenhum dos envolvidos consiga separar o que é fantasia infantil, o que pode ser realidade. Instala-se, assim, o inferno a vida de um pai de família conhecido há anos por todos na comunidade.
Algumas circunstâncias na vida de Lucas o tornam mais vulnerável à suspeita e a uma progressiva caça às bruxas. Ele está divorciado da mulher, lutando na Justiça pela guarda de um filho pré-adolescente. Essa aparente solidão e liberdade de sua condição somente reforçam a desconfiança. Todos, menos um, dos amigos de Lucas mostram-se incapazes de ouvi-lo. E fica evidente que mesmo sociedades em tese modernas não encontraram meios de lidar com a pedofilia, que certamente não é nenhuma ilusão.
A interpretação precisa e contida do veterano ator Mikkelsen, visto como vilão em "007 -Cassino Royale" (2006) e no drama de época indicado ao Oscar "O Amante da Rainha" (2012), é um fator fundamental para a força do filme. Em nenhum momento, ele se permite um transbordamento a mais, apenas as explosões cabíveis para um homem que se vê cerceado e injustiçado.
É na sua via-crúcis de homem comum que ele se mostra capaz de provocar empatia, já que o filme deixa pouca, se é que alguma dúvida sobre a responsabilidade dele no caso. A opção clara dos roteiristas e do diretor foi enveredar pela exploração dos rumos que a histeria coletiva pode tomar -e não raro toma, como vimos no Brasil, em casos tristemente famosos, como a Escola Base.