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Por que tantos vencedores do Nobel de Literatura não têm livros no Brasil?

Premiação do tanzaniano Abdulrazak Gurnah trouxe de volta uma velha frustração dos leitores brasileiros

O escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah ganhou o Nobel de Literatura de 2021 (Simone Padovani/Awakening / Colaborador/Getty Images)

O escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah ganhou o Nobel de Literatura de 2021 (Simone Padovani/Awakening / Colaborador/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 7 de outubro de 2021 às 11h41.

O anúncio do tanzaniano Abdulrazak Gurnah como o Nobel de Literatura de 2021 trouxe de volta uma velha frustração, que vem se tornando quase anual. Quatro dos últimos 10 laureados não tinham obras publicadas no Brasil.

Foi o caso da poeta americana Louise Glück no ano passado, e também da bielorrussa Svetlana Alexiévitch (2015), o chinês Mo Yan (2012) e o sueco Tomas Tranströmer
(2011). Muitos dos outros vencedores deste período também não eram fáceis de achar.

Embora conhecido no Brasil, o austríaco Peter Handke estava fora de moda, com apenas dois livros em catálogo. E a autora anunciada junto com ele, a polonesa Olga Tokarczuk, tinha só um: “Os vagantes”, publicado por aqui em 2015 pela Tinta Negra.

O Nobel esquentou o mercado - e o mesmo deve acontecer com a obra de Gurnah. Um mês depois, a Todavia publicou “Sobre os ossos dos mortos” , de Tokarczuk, e a Estação Liberdade lançou “Ensaio sobre a jukebox” e “Ensaio sobre os cogumelos”, de Handke.

Às vezes, os leitores precisam esperar mais para ler um Nobel em português. Em 2012 e 2014, poucos brasileiros conheciam o poeta chinês Mo Yan e a escritora e jornalista bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, ambos publicados posteriormente pela Companhia das Letras. Quando levou o prêmio, em 2013, a contista canadense Alice Munro já tinha um punhado de títulos no Brasil, tanto pela Companhia das Letras quanto pela Biblioteca Azul (Globo Livros), mas ainda estava longe de ser um sucesso comercial. A maioria dos livros do francês Patrick Modiano já tinha sido editada no Brasil, mas estava esgotada quando ele foi laureado, em 2014.

— Os nomes mais óbvios, que acabam sendo os que já têm livros publicados aqui, têm sido preteridos pelo prêmio — argumenta Livia Vianna, editora executiva da Record. — Neste ano mesmo, uma de nossas autoras, Maryse Condé, cujo livro "Eu, Tituba" já tem grande público no Brasil, estava em bolões de todo o mundo e não foi o caso. Assim como Margaret Atwood e Murakami, ambos com imenso público leitor no Brasil, estão sempre entre os prováveis, mas nunca entre os vencedores, que têm sido, basicamente, surpresas.

Livia cita como exemplos das escolhas imprevisíveis a vitória do cantor-compositor Bob Dylan, em 2016, e a dupla premiação do ano passado:

— Os nomes escolhidos têm sido tão peculiares que se tratam de autores de público quase sempre restrito. Se é restrito até no estrangeiro, quer dizer que aqui dificilmente o autor já é publicado.

A escassez tem a ver também com algumas características do mercado editorial brasileiro. Uma delas é a preferência por publicar autores que escrevem em inglês ou fazem sucesso em mercados de língua inglesa, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Mesmo autores já lançados por editoras inglesas e americanas enfrentam dificuldades para conquistar o mercado brasileiro se escrevem em línguas para as quais não há tantos tradutores qualificados por aqui, como o polonês e o chinês. Mo Yan, por exemplo, só foi ser publicado no país pela Companhia das Letras após o prêmio. Em 2018, o sueco Tranströmer foi editado pela Âyiné.

— No caso de muitos idiomas, como o próprio polonês, o russo etc., acaba sendo inevitável você só conhecer determinado autor depois que ele passa pelo filtro da indústria editorial de língua inglesa. Ou mesmo quando o autor “acontece” em culturas hegemônicas, como nos EUA, na Alemanha ou na França — explica Leandro Sarmatz, editor da Todavia, citando as escolhas pouco óbvias da Academia Sueca. — Ela muitas vezes confere o prêmio justamente a autores importantes que julga merecedores de uma maior audiência, seja por motivos literários ou não. Assim, nomes que não estavam tanto no radar ganham uma dimensão mundial. O que é bom em muitos casos, basta pensar no que aconteceu, nos últimos anos, com Svetlana e Olga.

'Nem tão terrível assim'

Para Otavio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, o tamanho relativamente pequeno do público leitor brasileiro ajuda a explicar por que alguns escritores ainda não têm livros em português quando recebem o Nobel. No entanto, ele contemporiza: a escassez de Nobéis recentes por aqui não é maior do que em outros países.

— O Brasil não está numa posição tão terrível assim. Os mercados de língua inglesa se interessam menos por tradução de ficção e poesia do que a Alemanha ou a Itália, por exemplo — afirma.

O fato de a Academia Sueca, nos últimos anos, não ter premiado autores que estavam bem colocados nas listas de apostas, também impede que editores garantam aos leitores os livros dos recém-nobelizados. Talvez numa tentativa de reafirmar sua independência, a Academia Sueca, apesar dos apelos do público, tem evitado premiar nomes ligados a pautas identitárias e às vezes até privilegiado escritores elogiados pela crítica mas já quase esquecidos.

— Handke, por exemplo, é um autor que foi muito publicado no Brasil em seu auge, nos anos 1980, mas não estava na crista da onda, nem aqui nem alhures — diz Marques da Costa.

Ao contrário. A premiação do austríaco, cujo talento literário é unanimidade, foi alvo de muitas críticas por ele ter sido um notório defensor do ditador sérvio Slobodan Milosevic, acusado de crimes contra a Humanidade.

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