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Por que se produzir sem ter aonde ir?

As paralisações por conta do novo coronavírus transformaram muitas rotinas diárias, incluindo aquelas relacionadas à beleza

Produtos de beleza: como fica a rotina na quarentena? (Taylor Johnson/The New York Times)

Produtos de beleza: como fica a rotina na quarentena? (Taylor Johnson/The New York Times)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 31 de maio de 2020 às 07h00.

Amie Wohrer chegou ao seu limite com três semanas de quarentena.

Seu cabelo tinha crescido bastante, perdendo o corte. Pior, os fios grisalhos que ela meticulosamente escondia nas idas ao cabeleireiro em poucas semanas estavam se tornando cada vez mais visíveis. Então, desesperada, Wohrer, de 40 anos, mãe de cinco filhos e moradora de Lancaster, em Ohio, realizou algo que não fazia havia 20 anos: pintou o próprio cabelo. Em seguida, resolveu dar um passo adiante e, com a ajuda de alguns vídeos do YouTube, presenteou-se com um "corte de quarentena".

"Minhas filhas estavam um pouco desconfiadas. Mas depois todas realmente se impressionaram", disse ela.

As paralisações por conta do novo coronavírus transformaram muitas rotinas diárias, incluindo aquelas relacionadas à beleza: cuidados com a pele e com o cabelo. Algumas pessoas, como Wohrer, estão se resolvendo sozinhas, fazendo disparar, nas últimas semanas, as vendas de kits de coloração, cortadores de cabelo e esmaltes em varejistas como Walmart e Hy-Vee, uma cadeia de supermercados do centro-oeste americano.

Outras pessoas simplesmente interromperam o hábito de fazer maquiagem pela manhã. Para as empresas de beleza e varejistas, a combinação do fechamento de lojas e das consumidoras que veem pouca necessidade de usar blush ou rímel quando estão presas em casa é um problema sério.

No fim de março, a empresa E.L.F. Beauty apresentou um "declínio significativo" nas vendas no varejo nas últimas duas semanas daquele mês. As ações caíram 40% desde meados de fevereiro.

Já as vendas da Estée Lauder Companies recuaram 11% em seu terceiro trimestre fiscal, encerrado em 31 de março. De fevereiro para cá, as ações diminuíram 20%.

As varejistas Ulta Beauty e Sephora, de propriedade da LVMH, fecharam lojas e afastaram dezenas de milhares de funcionários, embora a Sephora continue pagando aos funcionários de período integral até o fim de maio. A LVMH informou que seu grupo empresarial, que inclui a Sephora, registrou queda de 26% no primeiro trimestre após o fechamento de lojas na China, depois na Europa e nos Estados Unidos.

As vendas de produtos de beleza mais sofisticados por meio de lojas de departamento e varejistas como Ulta Beauty e Sephora caíram cerca de 14% no primeiro trimestre, explicou Larissa Jensen, vice-presidente do grupo NPD, uma empresa de pesquisa. Por outro lado, as vendas de itens de beleza mais populares nas farmácias, que permaneceram abertas, tiveram queda de 4%, segundo estimativas de analistas.

De certa forma, a tendência já era de se afastar da maquiagem antes mesmo da pandemia.

Durante anos, as empresas de cosméticos viveram momentos de expansão, quando as pessoas compravam estojos de paletas de contorno e sombras multicores e assistiam a horas de vídeos no YouTube, que mostravam como conquistar um rosto perfeito para uma foto no Instagram.

Mas desde o pico, em 2017, as vendas de maquiagem têm diminuído. Muitas mulheres adotaram uma aparência mais natural, com maior ênfase no cuidado da pele. "As vendas de produtos ligados aos cuidados com a pele estiveram em alta nos últimos três anos. Mas, nas últimas semanas, elas superaram as vendas de maquiagem pela primeira vez", comentou Jensen.

A empresa francesa L'Oréal, por exemplo, informou que as vendas de grifes focadas em cuidados com a pele, como a Kiehl's ou a CeraVe, ajudaram a equilibrar o declínio das marcas de maquiagem Maybelline New York e NYX Professional Makeup.

Algumas dessas vendas vêm de consumidoras como Adriana Salazar. Ela disse que desistiu da rotina de beleza quando passou a ficar o dia inteiro na cama depois de ter sido demitida de um restaurante em Houston – e não demorou a ter problemas de pele. Por causa disso, Salazar voltou a comprar os produtos regulares e adicionou um clareador à base de vitamina C, por US$ 25.

"Fiquei presa à rotina. Toda a motivação para fazer qualquer coisa desapareceu. É muito fácil se entregar por não se sentir produtiva e não achar alguma coisa nova para aprender. Portanto, o mínimo que posso fazer é cuidar da minha pele", afirmou Salazar.

Outras adotaram alegremente sua nova aparência natural ou se tornaram adeptas do uso de filtros de maquiagem no aplicativo Zoom. No entanto, há também aquelas que se cansaram da "aparência de pijama" e dizem que, ocasionalmente, fazem uma maquiagem em um esforço para se sentirem normais nestes tempos anormais.

"Fiz maquiagem pela primeira vez ontem. Eu estava me sentindo meio deprimida e horrível durante a última semana. Decidi me arrumar e fazer maquiagem, mesmo que não tivesse aonde ir", disse Valerie Ayala, de 20 anos, estudante de teatro e de ciência política na Universidade Atlântica da Flórida.

As marcas de beleza, reconhecendo que seus produtos não são essenciais, também precisam desenvolver novos produtos e passar uma imagem que não pareça insensível à crise econômica e de saúde que está ocorrendo.

A Revlon, por exemplo, iniciou a campanha de mídia social #butithelps, incentivando suas seguidoras a usar seu batom favorito, mesmo que vistam apenas calças de moletom em casa. A E.L.F. iniciou um desafio de dança no TikTok entre suas seguidoras, com uma música que promove a lavagem das mãos e o distanciamento social.

Também há o caso da MAC Cosmetics, de propriedade da Estée Lauder. Durante um ano, a empresa anunciou uma nova coleção de maquiagem em homenagem à cantora texana Selena. Quando o novo coronavírus chegou, a marca avaliou se deveria prosseguir.

"Conversamos sobre não fazer o projeto, mas finalmente decidimos que os fãs de Selena ficariam desapontados", contou John Demsey, presidente do grupo Estée Lauder, que supervisiona a MAC e outras marcas. Uma edição limitada da coleção de Selena, oferecida no Instagram, se esgotou em um minuto.

Para Estée Lauder e outras empresas de beleza, o que acontecerá depois que as quarentenas acabarem permanece incerto.

Se as pessoas continuarem usando máscaras, por exemplo, as vendas de produtos para os olhos podem disparar, enquanto as de batons podem cair, dizem os analistas. Caso as pessoas trabalhem em casa com mais frequência nos próximos meses, as vendas de maquiagem provavelmente permanecerão fracas.

Alguns analistas veem potencial para um "efeito batom", no qual as pessoas, incapazes de comprar itens caros, desfrutam de luxos considerados menores, como um batom melhor.

Mas outros dizem que as pessoas que utilizavam cosméticos e produtos de ponta para cuidados com a pele podem trocá-los por produtos mais populares, como muitos fizeram após a crise financeira de 2008.

Para algumas pessoas, a interrupção da rotina melhorou a qualidade da pele e do cabelo, a tal ponto que elas não se veem voltando ao regime pré-pandêmico.

Ayala comentou que sua rotina matinal antes da pandemia demorava uma hora. Isso incluía secar e alisar o cabelo e aplicar uma maquiagem "natural": corretivo, rímel, sombra e gel para sobrancelha.

Mas, quando as quarentenas começaram, ela passou a deixar o cabelo secar ao natural. O resultado disso foram fios mais saudáveis. Ayala acredita que, mesmo com o fim das quarentenas, não voltará a alisar o cabelo de novo.
Mas há uma compra que ela planeja fazer em breve: mais batom vermelho. "Costumo evitar cores vivas e brilhantes assim. Mas depois que isso acabar, honestamente, tudo que quero são lábios vermelhos. Algo para me sentir melhor", afirmou ela.

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