O chef Felipe Bronze. (Tomas Rangel/Divulgação)
Daniel Salles
Publicado em 21 de outubro de 2020 às 16h15.
Última atualização em 21 de outubro de 2020 às 17h25.
Fechado desde o início da quarentena, o restaurante Oro, que completa uma década neste mês e acaba de ser premiado, novamente, com duas estrelas Michelin, volta a receber clientes no próximo dia 28. “Ainda preciso entender o papel dele nesse mundo ainda sem uma vacina para o novo coronavírus”, disse o chef do empreendimento, o carioca Felipe Bronze, em entrevista à EXAME. Um dos mais conhecidos cozinheiros do país graças aos programas que comanda na GNT, além do Top Chef Brasil, da Record, ele ganhou ainda mais fama durante a pandemia — virou garoto-propaganda da Sadia. Além dessa marca, Bronze virou embaixador de mais duas, Rappi e Stella Artois. “Sou a favor da alimentação saudável, mas sou mais a favor da liberdade de escolha”, afirmou, defendendo as parcerias. Confira a entrevista com o chef, também dono do Pipo, em São Paulo.
Ser premiado com duas estrelas pelo Michelin em 2020 tem um sabor diferente?
Tem um lado positivo e um negativo. O positivo tem a ver com alívio. Porque perder uma estrela depois de um ano como esse ia ser muito ruim. Mesmo. Por outro lado tem um sabor diferente porque você relativiza um pouco a história do Michelin. É um ano tão atípico, e só o fato de o Oro não estar sequer aberto para podermos aproveitar o Michelin relativiza um pouco sua importância. É claro que quando as coisas voltarem ao normal e a vida seguir adiante a gente vai valorizar o Michelin como sempre valorizou. Não sei explicar. A gente está vivendo um pós-guerra ainda dentro da guerra. Se eu disser que estou comemorando qualquer coisa neste ano em relação a restaurantes é mentira. Estamos sobrevivendo, não celebrando.
Foi então um Michelin café com leite?
Não posso dizer isso. Só estou pontuando que não é um ambiente normal. Ganhar uma distinção incrível como essa sem sequer poder receber os clientes mais assíduos, para comemorar, é bem diferente. A premiação do Michelin sempre é uma confraternização do setor e dessa vez foi uma live, à distância. Assisti de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte. Quando descobri que mantive a segunda estrela fiquei muito aliviado. A palavra é aliviado.
Temia perder uma estrela?
Não, de forma nenhuma. Mas não tinha baliza, porque o Oro ficou fechado quase o ano todo. Sei que o Michelin está sempre premiando o que fizemos no ano anterior, eu sei disso, mas de repente... Foi um ano atípico para todos os setores e para o nosso, extra atípico. Ainda preciso entender o papel do Oro nesse mundo ainda sem uma vacina para o novo coronavírus.
Também duplamente estrelado no Michelin de 2019, o chef Ivan Ralston, do Tuju, preferiu fechar o restaurante e montar outro no lugar, com nova proposta. Cogitou fazer o mesmo com o Oro?
Em nenhum momento isso passou pela minha cabeça. Era fechar ou voltar. Reformular não é exatamente o que acaba acontecendo. O que o Ivan Ralston fez foi fechar o Tuju e abrir outro. E para aproveitar o trabalho lindo que fez esse tempo todo criou um nome parecido. O Tujuína, que estou louco para conhecer, é um derivado do Tuju, que era o melhor restaurante de alta gastronomia do Brasil. Mas não passou pela minha cabeça transformar o Oro não. Passou sim a ideia de não ter mais o restaurante. Estava, porém, preparado para ficar fechado por bastante tempo. Só vamos reabrir agora, aliás, porque concluímos que o cenário carioca sente falta do Oro. As pessoas pedem a volta dele. Na semana que o site voltou a aceitar reservas, sem qualquer anúncio, tivemos 50 pedidos. Sinal de que tomamos a decisão certa.
Quanto seus restaurantes faturaram na quarentena?
O Oro foi zero. Mesmo. Bancamos a operação fechada. Pipo se rendeu ao delivery e foi espetacular. Conseguiu atingir 50% do que vendíamos antes. Com a reabertura da casa o delivery caiu um pouco e, somando tudo, a receita está em torno de 65% do registrado antes da pandemia. É um cenário ainda bem desafiador, mas esperado. São muitas restrições, que envolvem do horário de funcionamento ao número de mesas. Fica mais difícil. Já o panorama do Oro, engraçado, é diferente. Raciocínio de maneira diferente que o Ivan, meu amigo, pois acho que o Oro vai sentir menos impacto que o Pipo. Casas que dependem de maior número de clientes, como o Pipo, são as que vão sofrer mais. O Oro é pequeno, com distanciamento entre as mesas desde o nascimento. Temos 45 lugares. Se diminuirmos para 30 e poucos está tudo certo. A dúvida era se as pessoas iam querer voltar a frequentá-lo. Mas as reservas sugerem que elas querem, e muito.
O Lilu, do chef André Mifano, seu ex-colega de GNT, irá fechar porque o imóvel dará lugar a um prédio. Uma das justificativas para a não reabertura da casa em outro ponto, porém, é que pratos para compartilhar, nos quais tanto o Lilu como o Pipo apostam, não têm vez no “novo normal”. Concorda?
O André, em primeiro lugar, é muito meu amigo. Mas a declaração dele funciona para o restaurante dele. O Lilu é radicalmente diferente do Pipo. O primeiro cabe na varanda do segundo. É muito pequeno. Pratos para compartilhar não fazem sentido naquele ambiente. Se ele fosse reabrir o Lilu na pandemia precisaria atender, talvez, só oito pessoas por vez, para respeitar o distanciamento entre as mesas. O que está inviabilizado é o modelo de negócios do Lilu, mais intimista. O Pipo ocupa um enorme imóvel aberto dentro do MIS-SP. O salão é completamente integrado com a varanda e há muita circulação de ar. Sem falar que tem bem menos lugares do que poderia ter. São 74 lugares. Se eu tivesse optado por mesas pequenas a ocupação, provavelmente, iria para 150. Não fiz isso porque gosto de restaurante com espaço para circulação. A principal transformação imposta aos restaurantes tem a ver com o desconforto de trabalhar com máscara. E haverá mudanças de gestão. No Pipo chegamos a ter 68 funcionários, agora são 35. Essa é a parte triste, diretamente ligada ao número de pessoas que você pode atender, aos novos horários de funcionamento etc. Não tem mágica. A parte boa é que voltamos a poder celebrar a vida com segurança. Em relação à parte sanitária praticamente não muda nada, pois sempre fui absolutamente psicótico com esse quesito. Deve ser por isso que não peguei covid-19.
Na pandemia, você virou embaixador da Stella Artois, da Rappi e da Sadia. Relutava em firmar parcerias com grandes marcas?
De forma nenhuma. Nunca relutei em me associar com marcas. Só nego aquelas nas quais não acredito, as que não têm papel nenhum na sociedade. Não faria nada apenas por dinheiro. Tenho uma curiosidade muito grande e adoro mergulhar no universo das grandes marcas, no mercado mainstream. Confio 100% no que as marcas com as quais me associei estão fazendo. Com a Rappi tenho aprendido muito sobre o futuro dos restaurantes. As conversas com todas essas marcas foram iniciadas antes da pandemia.
Seus pares te olham torto por você ter se associado a uma marca de alimentos industrializados?
Para ser honesto, não, pelo contrário. Mas levo em conta o que chega até mim diretamente. De mais a mais, o que eu sinto, quando noto algo do tipo, é um pouco de ingenuidade. Porque acho que a indústria tem um papel fundamental, gigantesco, num pais como o Brasil. Há uma massa de pessoas que tem um estilo de vida completamente diferente do nosso. É muito fácil defender alimentos orgânicos estando em uma posição privilegiada, tendo acesso aos produtos que eu tenho, dispondo do tempo que eu tenho. Com tempo de sobra cozinhar é delicioso. E para uma pessoa com menos recursos, com menos tempo, que passa o dia trabalhando e horas no transporte público? Quando ela chega em casa tem, talvez, 3 horas livres para ficar com os filhos. Vai gastar essas 3 horas na cozinha para dormir em seguida e começar tudo de novo no dia seguinte? Ou servir um alimento pronto, feito com todos os procedimentos de higiene possíveis? A Sadia, realmente, adota processos de qualidade impressionantes em se tratando de comida industrializada. Estudei muito a companhia, senão não teria me associado. Foi uma surpresa descobrir como são boas as comidas dela, sem conservantes, sem aditivos. Achar que todo mundo tem tempo sobrando é uma lógica meio hipster. A vida vai ficar mais puxada depois da pandemia. Haverá menos trabalho. Eu sou a favor da alimentação saudável, mas sou mais a favor da liberdade de escolha. Você que escolhe o que quer fazer do seu tempo livre. Que cozinhar? Ótimo. Prefere comer uma comida gostosa que está pronta, feita de forma correta? Ótimo também. Temos de olhar os outros com um pouco mais de generosidade.
Uma provocação: com tantas atribuições na televisão e com as marcas o ofício de chef virou um hobby?
Hobby não, esse é meu trabalho, pô. Sou embaixador de marcas porque sou um chef. Não comecei na TV e fui parar em restaurantes. Tem gente que fez esse percurso. Tenho 20 anos de carreira. Fui parar na televisão pelo meu trabalho nos restaurantes. Veja, acredito em times. A época da tarefa de um homem só já foi. Aquela na qual o chef era um superstar e os comandados eram peças robóticas acabou. Não acredito em “sim, chef“, “não, chef”. Minhas cozinhas sempre tiveram profissionais inteligentes, preparados, colaborativos. Valorizo muito os demais chefs de meus restaurantes. Não estou no dia a dia para picar cebola não porque faço TV e trabalho com marcas. É porque depois de 20 anos eu realmente não aguentaria isso. A profissão de cozinheiro também é fisicamente desgastante. E eu tive filho. Quando tinha 25 anos eu trabalhava 16 horas, 17 horas, com tranquilidade, todos os dias. Hoje isso é impensável. Seria melhor não ter tido filho, não ter casado. Não é meu objetivo e já dei minha contribuição naquele formato por muito anos. Mas, absolutamente, sou o chef dos meus restaurantes. Tudo passa por mim, as definições dos menus são minhas e dou a linha do que quero que seja feito. Mas também estou aberto ao que os outros chefs propõem. E muitas vezes acato o caminho proposto por eles. Não tem essa de eu e eles. Somos um só.
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