Casual

Por que a China quer colocar elevadores em 3 milhões de prédios?

Conforme a população chinesa envelhece, um problema antigo fica ainda mais patente: prédios de dezenas de andares não têm elevadores

China: milhões de prédios construídos às pressas durante a abertura econômica não têm elevador.  (NYT/The New York Times)

China: milhões de prédios construídos às pressas durante a abertura econômica não têm elevador. (NYT/The New York Times)

MD

Matheus Doliveira

Publicado em 13 de outubro de 2020 às 11h07.

Última atualização em 13 de outubro de 2020 às 23h01.

Guangzhou, China – Quando a China enfrentou desacelerações econômicas anteriores, favoreceu projetos de construção faraônicos e multibilionários para rapidamente liberar dinheiro para a economia: uma rede de trens-bala que agora conecta 700 cidades, vias expressas ultramodernas mais longas que as rodovias interestaduais americanas e 81 das cem pontes mais altas do mundo.

Agora, uma das maiores autoridades chinesas tem uma nova ideia para acelerar o crescimento durante a pandemia do coronavírus: elevadores.

O primeiro-ministro da China, Li Keqiang, e seus aliados no governo querem readequar até três milhões de prédios de apartamentos mais antigos, projetos que geralmente custam menos de US$ 100 mil.

As ambições reduzidas refletem a evolução da China de um país jovem, mas pobre, para um de meia-idade, mas cada vez mais de classe média.

Embora a China ainda goste de projetos grandiosos de infraestrutura, eles não têm mais o mesmo efeito econômico. Linhas ferroviárias de alta velocidade e super-rodovias já ligam todas as grandes cidades, e as novas conectariam comunidades cada vez menores no interior montanhoso da China – a um custo exorbitante. E a dívida do país cresceu tanto que se tornou um sério empecilho ao crescimento.

Embora os elevadores possam ter um impacto econômico menor, eles fornecem um benefício social para uma população que envelhece rapidamente. Uma sociedade chinesa mais rica está também exigindo mais de seus líderes.

Kong Ting suportou nove meses de gravidez em um apartamento no décimo andar em Guangzhou, no sudeste da China. Várias vezes por dia, ela subia e descia os 162 degraus do prédio. "A parte mais difícil era carregar comida e água", disse ela.

Todos os dias, ela se sentava no pátio do terceiro andar e reclamava com os vizinhos, muitos deles mais velhos. No ano passado, a maioria dos proprietários de apartamentos no prédio contribuiu com US$ 4.300 cada, pegou um grande subsídio municipal e adicionou um pequeno elevador na lateral do edifício.

Prédios por toda a China precisam de uma atualização semelhante.

Quando a economia chinesa começou a se abrir depois da morte de Mao Tsé-Tung em 1976, jovens migrantes se mudaram em massa das fazendas para fábricas recém-construídas, que surgiam em todos os lugares. Nos 25 anos seguintes, as cidades chinesas aumentaram, recebendo quase tantas pessoas quanto toda a população dos Estados Unidos.

Para abrigar os novos moradores da cidade, governos municipais e empresas estatais construíram às pressas prédios de apartamento simples, de sete a dez andares, em todo o país. Os imensos complexos de estilo soviético logo dominaram a paisagem, particularmente em centros fabris como Guangzhou.

Quase nenhum deles tinha elevador. A China ainda era um país pobre e contava com poucas fábricas para produzi-los. Além disso, as importações eram caras.

A falta de elevadores é agora um grande problema em uma sociedade que envelhece rapidamente.

Durante a década de 1960, Mao encorajou as famílias a ter muitos filhos. O slogan era "quanto mais pessoas, mais fortes somos".

A partir deste ano, os bebês nascidos na década de 1960 estão completando 60 anos, idade na qual muitos chineses se aposentam. Eles têm poucos filhos ou netos para ajudá-los, pois a China passou a impor sua rigorosa política de "um filho" na década de 1970.

"Se não nos prepararmos com antecedência, podemos ter um desafio maior do que o esperado à medida que o número de idosos na China aumenta vertiginosamente", disse Lu Jiehua, professor de Estudos Demográficos da Universidade de Pequim.

Sem elevadores, muitos inquilinos antigos ficam presos em casa, dependendo de entregas de comida e com dificuldade de encontrar amigos ou passear.

Recentemente, Jiang Weixing, uma senhora de cabelos brancos na casa dos 90 anos, sentou-se sob o sol em uma cadeira de rodas à porta de uma clínica em Guangzhou. Ela esperava com dois membros mais jovens da família por um táxi especial acessível para cadeirantes, que a levaria para casa depois de um tratamento médico.

Até a recente adição de um elevador ao seu prédio, Jiang quase nunca saía de seu apartamento, porque eram necessárias duas ou três pessoas para carregá-la por muitos lances de escada.

Os elevadores, ou a falta deles, se tornaram outra causa do aumento da desigualdade econômica na China.

Guangzhou, uma cidade bastante rica e socialmente progressista, pode se dar ao luxo de subsidiar os projetos e já adicionou cerca de seis mil elevadores a edifícios mais antigos – quase tantos quanto todo o resto da China. Em Pequim, o próspero governo municipal paga quase todo o custo das instalações, oferecendo um subsídio de US$ 93.000 para prédios dentro dos limites da cidade.

Muitas cidades menos abastadas não têm programas para instalação de elevadores. No extremo sul da China, Zhanjiang oferece um mísero subsídio de US$ 3 mil para cada prédio de apartamentos.

Os projetos também não são universalmente apreciados, particularmente pelos moradores dos andares inferiores. Os elevadores geralmente bloqueiam uma ou mais de suas janelas e praticamente não os beneficiam.

Chen Xin, de 52 anos, dona de um apartamento no térreo em Guangzhou, inicialmente resistiu a um projeto de elevador em seu prédio, que envolvia a perda de sua porta da frente, forçando-a a usar uma porta lateral para um pátio. Chen concordou depois que moradores de andares mais altos lhe pagaram US$ 3.500.

Para evitar discussões e processos judiciais, Guangzhou impôs regras aos projetos. Se os proprietários de dois terços das unidades e dois terços do espaço no prédio votarem a favor do elevador, o projeto deve ser instalado.

A abordagem de Guangzhou está se espalhando. Hefei, uma metrópole de oito milhões de pessoas na China central, anunciou em primeiro de setembro que estava adotando uma regra semelhante.

Do ponto de vista econômico, uma política nacional de elevadores, que Li propôs em maio em seu discurso anual ao Legislativo do país, poderia ajudar a mitigar os efeitos econômicos da pandemia sobre os operários da China.

Construir torres de elevador de concreto ou de vidro e aço nas laterais dos edifícios de apartamentos é trabalhoso. Isso poderia garantir empregos para algumas das dezenas de milhões de migrantes chineses ainda desempregados.

Os partidários do plano, no entanto, podem não ter força política para torná-lo verdadeiramente nacional.

Construir um fosso de elevador na lateral dos edifícios é uma tarefa dominada por pequenos empreiteiros privados na China. Estes compram elevadores de uma multinacional – geralmente, Otis Elevator, Schindler, Kone, Mitsubishi Electric ou Hitachi – ou de um dos vários fabricantes chineses menores, como a IFE Elevators, em Guangzhou.

Embora o principal líder da China, Xi Jinping, tenha pedido uma maior dependência da demanda doméstica para estimular o crescimento, além de, separadamente, ter defendido o enfrentamento da pobreza e a melhoria da habitação para os idosos, ele não apoiou especificamente uma agenda nacional de elevadores.

Seus principais círculos eleitorais – militares, agências de segurança e grandes empresas estatais – têm pouco a ganhar com esse tipo de projeto. Eles se concentram na construção de linhas ferroviárias e autoestradas que permitem à China levar tropas para pontos remotos importantes, como a fronteira com a Índia.

Especialistas em habitação na China insistem que o país resolverá sua escassez de elevadores. "Todos investem juntos e depois resolvem o problema", disse Huo Jinhai, engenheiro sênior do Ministério da Habitação e Construção.

E o plano tem um poderoso financiador: o Ministério das Finanças.

Esse apoio é raro. O ministério tem mantido os gastos do governo central com rédea curta, mesmo com a maioria dos governos locais e provinciais mergulhada profundamente em dívidas.

Um dos mais famosos guardiões do orçamento do ministério é Jia Kang, seu diretor de pesquisa de longa data. Quando ele finalmente se aposentou, o ministério criou um influente grupo consultivo para que ele coordenasse, a Academia Chinesa de Nova Economia de Oferta.

Em seu novo papel, Jia surgiu como defensor declarado do gasto de dinheiro – em elevadores. Seu apoio nasce da experiência pessoal.

Jia, de 66 anos, e sua esposa, Jiang Xiaoling, de 63, compraram um pequeno apartamento no térreo anos atrás e, em seguida, à medida que suas economias cresciam, compraram outro um pouco maior no terceiro andar nas proximidades. Eles caminham entre os dois apartamentos muitas vezes todos os dias, e querem um elevador instalado para que não precisem subir as escadas. "Nos últimos anos, minha esposa não parou de reclamar: 'Por que toleramos essas condições?'", confessou ele.

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Acompanhe tudo sobre:ChinaCidadesMetrópoles globais

Mais de Casual

A aposta do momento do grupo LVMH: o segmento de relojoaria de luxo

O que acontece com as cápsuals de café após o uso?

9 hotéis para aproveitar o último feriado prolongado de 2024

Concurso elege o melhor croissant do Brasil; veja ranking