Surfistas em Byron Bay, Austrália. Nos últimos anos, a outrora pacata cidade litorânea se tornou um destino mundialmente conhecido. (Matthew Abbott/The New York Times)
Julia Storch
Publicado em 13 de maio de 2021 às 09h20.
Última atualização em 13 de maio de 2021 às 09h23.
Os dilemas morais como influenciador do Instagram na idílica cidade de Byron Bay são grandes conhecidos de Ruby Tuesday Matthews, de 27 anos, que vende mais do que hidratantes veganos, misturas probióticas e diamantes de minas sem conflitos para seus 228 mil seguidores – ele vende também um estilo de vida invejável, tendo como pano de fundo as enseadas cristalinas de sua cidade natal australiana.
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Isso faz parte da criação de imagem que ajudou a transformar Byron Bay – para o bem ou para o mal – de uma cidade de praia sonolenta que atraía surfistas e hippies em um destino mundialmente famoso para os ricos e os especialistas digitais.
"Meio que tenho momentos em que penso: 'Estou explorando esta cidade em que vivo?', mas, ao mesmo tempo, é meu trabalho. Ele coloca comida na mesa para meus filhos", disse Matthews recentemente na The Farm, empresa agroturística que incorpora o espírito de bem-estar da cidade.
As tensões entre aproveitar e proteger a reputação de Byron Bay, sempre fervilhando nesta era de mídias sociais empreendedoras, explodiram em abril, quando a Netflix anunciou planos para um reality show, "Byron Baes", que seguirá "belos instagrammers vivendo o melhor da vida".
Os habitantes locais alegaram que o show seria uma deturpação da cidade e exigiram que a Netflix cancelasse o projeto. Uma moradora iniciou uma petição que reuniu mais de nove mil assinaturas e, em protesto, organizou um "paddle out" – memorial de surfistas geralmente reservado para casos de morte.
Vários proprietários de loja, muitos dos quais têm presença substancial no Instagram, recusaram autorizações que permitiriam que a Netflix gravasse em suas instalações. Muitos influenciadores que foram abordados pelo programa também decidiram não participar. Entre eles estava Matthews, que passou pelo processo inicial de filmagem e entrevista, mas depois desistiu. "Byron não é uma piada. Eles estão basicamente transformando nossa cidade em uma marca", observou, usando o jeans lavado e uma malha de tricô volumosa azul gelo que ele havia anunciado no Instagram naquela manhã.
A reação levantou questões sobre quem tem o direito de controlar e capitalizar o culto de Byron Bay, lugar agora conhecido por seu estilo de vida lento e escapista, onde a boêmia assumiu a estética jungalow, com guarda-chuvas com penduricalhos, lanternas feitas à mão, roupas de linho e plantas exóticas.
Alguns argumentaram que o reality show se concentraria no segmento de influenciadores cuja presença perfeita no Instagram não representa a Byron Bay "real". Com isso, segundo eles, o programa exporia a cidade a estranhos indesejáveis. "Que direito eles têm de explorar Byron?", disse Tess Hall, cineasta que se mudou para Byron Bay em 2015 e organizou a petição e o "paddle out". Ela acrescentou que temia que o show pudesse atrair "o tipo errado de pessoa" para a região e compartilhasse os pontos secretos da praia da cidade com o resto do mundo. "Não somos Venice Beach. É uma vibe diferente."
Outros disseram recear que um mero retrato de Byron Bay como cidade festiva fizesse isso se tornar realidade. "Pessoalmente, não tenho nada contra influenciadores", afirmou Ben Gordon, que dirige a Byron Bay General Store, ponto de brunch "baseado principalmente em plantas" e com muitas fotos no Instagram, que estava originalmente envolvido no show, mas que acabou desistindo. "É a ideia de uma cidade sendo vista de uma maneira completamente falsa. Meu maior medo é que o show se torne verdade", acrescentou ele, que tem mais de 80 mil seguidores no Instagram entre seu feed pessoal e o do estabelecimento.
Para alguns, porém, a atitude contrária ao reality show lembra elitismo e hipocrisia, e é, em última análise, fútil e até mesmo contraproducente, pois os protestos e a resultante cobertura da mídia lhe deram publicidade gratuita. "É absurdo e ridículo pensar que as pessoas podem controlar como Byron é, ou não, representada. Ela não pertence mais a certa panelinha", disse Michael Murray, corretor de imóveis que vive há mais de três décadas na região.
A Netflix rebateu as críticas, informando que vai continuar com a produção do programa, que será "autêntico e honesto". Que Minh Luu, diretor de conteúdo da Netflix Austrália e Nova Zelândia, declarou em comunicado enviado por e-mail que "nosso objetivo é revelar a cultura dos influenciadores para entender a motivação, o desejo e a dor por trás dessa necessidade humana de ser amado".
Antes que a cidade fosse agraciada com sua primeira leva de seguidores apaixonados, antes do boom das décadas de 1970 e 1980 ou do fluxo anterior de surfistas e daqueles que buscavam um estilo de vida alternativo, Byron Bay era uma pacata cidade baleeira na costa leste da Austrália, 160 quilômetros ao sul de Brisbane.
Wategos Beach – onde as casas podem chegar a valer mais de US$ 17 milhões – era uma colina íngreme com apenas algumas famílias, incluindo os Watego, clã das ilhas do Mar do Sul da China que cultivava banana e que, mais tarde, começou a administrar um quiosque de praia vendendo shakes e hambúrgueres. "Era o céu. Ninguém realmente queria morar aqui, porque ficava muito longe", disse Susie Beckers, de 60 anos, descendente da família, sentada à beira-mar enquanto assistia a uma competição local de surfe, com seu neto brincando na areia. Desde então, o quiosque foi transformado em um restaurante e hotel de luxo, o Raes on Wategos, no qual a diária de uma suíte na cobertura pode custar mais de US$ 2.500.
O preço médio de uma casa em Byron Bay é de US$ 1,8 milhão, fazendo deste o lugar mais caro da Austrália e quase tão caro quanto Hollywood Hills, na Califórnia. Chris Hemsworth e Zac Efron se mudaram para a cidade.
Segundo alguns moradores, o rápido crescimento de Byron Bay é uma ameaça aos valores que lhe são caros. A cidade, de acordo com a escritora local Mandy Nolan, tornou-se um estudo de caso do que acontece quando uma cultura localista é comercializada em escala global. "Nossos valores de sustentabilidade impulsionaram um mercado de insustentabilidade. Byron se tornou vítima da própria característica."
A desigualdade é gritante. Trabalhadores da hospitalidade, professores e enfermeiros foram empurrados para fora da cidade ou, pior, para a falta de moradia. Com uma população permanente de menos de dez mil habitantes, tem a maior taxa de desabrigados do país depois de Sydney, indicam dados recentes do governo.
Ao longo da costa, algumas pessoas dormem em aglomerados de barracas nas dunas, enquanto outras – muitas delas com emprego estável – vivem entre acomodações de curto prazo, sofás de amigos e seu carro. John Stephenson, massagista de 67 anos, passou vários anos morando em seu carro. "É embaraçoso. Não pareço um vadio, mas me sinto assim", comentou, enquanto recolhia pertences de um depósito antes de se mudar para uma acomodação temporária.
Em outras partes da cidade, porém, a ilusão permanece intacta. Em uma noite abafada no Cape Byron Lighthouse, um homem com um fedora emplumado, gravata de cordão e vestindo jeans da cabeça aos pés fotografava dois de seus filhos colhendo flores. Estava tão consumido pela captura do momento que nem percebeu que seu terceiro filho, sentado atrás dele, corria o risco de rolar colina abaixo. Uma mulher carregando um tapete de ioga gritou para avisá-lo. A mulher, Lucia Wang, tinha acabado de se mudar para Byron Bay na noite anterior. Viera por causa da de beleza da cidade e de suas propriedades de cura. "A primeira coisa que você precisa fazer é ir nadar no mar. Tudo vai ficar bem", garantiu ela.
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