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Peça de teatro em Buenos Aires é feita inteiramente no escuro

São dez atores na sala de espetáculo, mas a plateia não os enxerga. A peça, que faz sucesso há uma década em Buenos Aires, se passa no breu

O espetáculo se vale de inúmeros efeitos sonoros, táteis e olfativos, muito bem executados (Divulgação)

O espetáculo se vale de inúmeros efeitos sonoros, táteis e olfativos, muito bem executados (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 6 de janeiro de 2012 às 17h10.

São Paulo - Em vão, abro e fecho os olhos. Mexo a cabeça buscando alguma fonte de luz. Mas só vejo preto. Conforme as pessoas adentram a sala, escuto risadas de quem, como eu, está se adaptando à cegueira. No entanto, ninguém reclama da escuridão, pois a falta de luz é condição essencial para a peça La Isla Desierta (A Ilha Deserta), montada num dos espaços mais badalados de Buenos Aires, a Ciudad Cultural Konex.

Os murmúrios do público finalmente se acalmam e os atores entram em cena, um a um, martelando máquinas de escrever. Os sons vêm de todas as partes – sinto um ator perto, na minha frente, enquanto outro parece estar uns metros atrás.

Em cada nova intervenção, tento descobrir a posição das cadeiras e os limites da sala, mas é tarefa difícil, já que o grupo Ojcuro tira proveito do breu e ocupa todos os cantos do ambiente, fugindo do palco convencional.

La Isla Desierta, do argentino Roberto Arlt, chegou aos palcos em 1937. Décadas mais tarde, em 2001, foi adaptada pelo diretor José Menchaca, que a levou para o chamado “teatro cego” – termo usado não só porque a peça acontece na escuridão, mas porque a maioria dos dez atores é cega ou tem algum tipo de deficiência visual.

A montagem de Menchaca alcançou tamanho sucesso que já completou 10 anos em cartaz.

Os personagens trabalham num escritório de Buenos Aires. Cansados da rotina, eles reclamam do confinamento a que julgam estar submetidos.

Por isso, quando o zelador do prédio começa a lembrar suas viagens, os inconformados funcionários – e o público – se deixam levar pela sensação de liberdade que os relatos provocam.

O espetáculo se vale de inúmeros efeitos sonoros, táteis e olfativos, muito bem executados, que invadem a sala e enriquecem as aventuras contadas pelo zelador. Num momento, sinto o vento e a chuva de uma tormenta ameaçadora no meio do mar.

Em outro, já estou dentro de um mercado popular no Oriente. Com luz, essas rápidas mudanças de cena seriam impossíveis e perderiam todo o impacto. É nisto que reside a grandeza de La Isla Desierta: mergulhada em incontáveis sensações e seduzida pela narrativa, a plateia usa a imaginação para preencher o escuro e acaba esquecendo que está temporariamente cega.

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