Torre Eiffel: nos Jogos de 2024, monumento será a o cenário da maratona e do triatlo (Getty Images)
EXAME Hoje
Publicado em 29 de setembro de 2017 às 17h23.
Última atualização em 29 de setembro de 2017 às 18h06.
PARIS — Depois de ver três candidaturas serem rejeitadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), conseguir o título de cidade-sede dos Jogos Olímpicos se tornou quase que uma questão de orgulho para os parisienses. Até mesmo a prefeita Anne Hidalgo, que durante toda a sua campanha eleitoral se posicionou contra o evento, foi convencida e liderou o grupo responsável pela candidatura de Paris, com o apoio do presidente Emmanuel Macron. O esforço coletivo deu certo e, no último dia 14, o COI anunciou a capital francesa como sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos 2024.
Um dos compromissos assumidos pela equipe de Anne Hidalgo foi de organizar o evento da maneira mais econômica e inteligente possível, utilizando toda a infraestrutura que já existe na cidade. E charme não faltará: a ideia é que a Torre Eiffel seja o cenário da maratona e do triatlo e que a Champs Elysées seja percorrida pelas bikes nas provas de ciclismo. Os pátios do Palácio de Versalhes devem vir a calhar para a competição de equitação, e o prédio luxuoso do Grand Palais pode emprestar seu requinte para os jogos de esgrima.
Segundo os organizadores, das 36 instalações que serão utilizadas durante o evento, 26 já existem. Das dez que faltam, oito serão estruturas temporárias, para esportes como o vôlei de praia (que deve acontecer no Campo de Marte), e só duas precisarão ser construídas.Uma delas é uma quadra com até 8.000 lugares próxima da estação de trem Gare de Lyon e que deve receber os jogos de handebol e basquete, e a outra, um centro aquático com duas piscinas e dois fossos para mergulho na comuna de Seine-Saint-Denis, ao norte de Paris. A três minutos dali será construída a vila olímpica, com 17 mil leitos, que depois será convertida em alojamentos universitários e escritórios.
Como de costume, o evento também está obrigando os políticos de Paris e da região de Île-de-France a acelerar projetos que andavam a passos lentos. Um deles é o CDG Express, linha ferroviária que ligará diretamente o aeroporto internacional Charles de Gaulle ao centro da cidade, prevista agora para 2023. Outro exemplo é o projeto urbano Grand Paris, iniciado em 2007, que prevê a construção 205 quilômetros de túneis subterrâneos, com quatro novas linhas de metrô e 68 novas estações. Mas talvez a iniciativa mais ambiciosa anunciada pela prefeita seja a limpeza do Rio Sena, algo prometido por ela durante a campanha olímpica. O plano é tratar as águas do rio para que as provas de nado livre e triatlo possam ser realizadas ali. Depois, como um legado do evento, turistas e parisienses poderão se banhar também — algo proibido desde 1923.
A notícia, porém, foi recebida pelo público com desconfiança. Afinal essa mesma promessa é feita desde 1988, quando o prefeito de Paris era Jacques Chirac, depois presidente do país entre 1995 e 2007. Mas a equipe responsável pela tarefa, chamada de Comitê Sena, reconhece que o trabalho é ambicioso, porém possível. “Conseguimos melhorar em muito a qualidade da água nos últimos 50 anos: é só ver que nos anos 1970 existiam duas espécies de peixe ali, e hoje já há 35”, disse a EXAME Frédéric Muller, chefe de serviço da Agência de Água francesa para a região de Paris. Ele explica que as propriedades físico-químicas — como densidade, cor e tensão superficial — da água Sena já é satisfatória, e que agora eles trabalharão para melhorar a qualidade sanitária e extinguir as bactérias E. coli e outras do gênero Enterococcus — todas causadoras de graves intoxicações intestinais — presentes ali até 2024. Quando questionado se a operação só havia se tornado uma prioridade devido aos Jogos Olímpicos, Muller responde: “Para nós, o evento é um acelerador para tomar as medidas que já sabíamos serem necessárias. Mas não precisamos de Olimpíadas para melhorar a qualidade da água, sempre o fizemos”.
Com um número reduzido de construções a serem feitas, o orçamento anunciado pelo comitê organizador foi de 6,8 bilhões de euros. Desse total, 3,8 bilhões são do Comitê de Organização dos Jogos Olímpicos (COJO), que receberá a ajuda de 1,15 bilhão dada pelo Comitê Olímpico Internacional à cidade-sede. 3 bilhões serão destinados à construção de novas infraestruturas, com metade do financiamento vindo de fundos públicos, metade de parceiros privados. Segundo os organizadores, só em Seine-Saint-Denis, os jogos vão criar 1.100 postos de trabalhos na região e vão atrair 160 milhões de euros para as empresas locais.
No entanto, é muito difícil que Paris consiga se ater a esse orçamento inicial. Ao menos essa é a opinião de dois economistas ouvidos por EXAME. Segundo eles, a maior evidência disso está na história dos jogos. Em média, as cidades-sede dos últimos 50 anos ultrapassaram o orçamento em 200%. Algumas se excederam em muito, como Montreal, que teve um custo oito vezes maior do que o esperado. O orçamento inicial da Rio 2016 era de era de R$ 14,6 bilhões, mas a conta final ficou em R$ 41 bilhões. “É claro que vamos gastar mais que 6,8 bilhões. É só lembrar que há um ano, o orçamento era de 2 bilhões”, disse o francês Jean-Pascal Gayant, professor de ciências econômicas da Universidade de Mans e especialista em economia do esporte. “Com certeza chegaremos a 8 bilhões de euros. A verdade é que, se não ultrapassarmos 10 bilhões, já temos motivo para ficarmos contentes”.
Mas qual é o desafio para criar um orçamento realista? Primeiro, o fato de que muitas vezes o comitê organizador prefere adotar cenários positivos para apresentar um valor baixo e ter mais chance de ser escolhido para cidade-sede. Mas mesmo que isso não ocorra, há ainda o desafio de planejar um evento enorme com uma antecedência de sete anos. “Muita coisa pode mudar em nesse período: as tecnologias, os requerimentos para instalações atléticas, o nível de segurança necessário e até a situação econômica de um país”, diz o economista Alexandre Delaigue, professor da Universidade Lille 1, fazendo referência à candidatura do Rio de Janeiro para os jogos de 2016. “Adicione a isso o prazo de entrega das obras, que não pode ser estendido em um dia sequer, não importa o que aconteça”.
A capital francesa, que não recebia os Jogos Olímpicos desde 1924, candidatou-se para abrigar o evento de 1992, que foi celebrado em Barcelona. Depois se voluntariou para receber a edição de 2008, que no fim foi para Pequim. Mas nada doeu mais do que perder os jogos de 2012 para os seus rivais históricos, os ingleses. Os franceses tinham certeza da superioridade técnica de sua candidatura, e os britânicos tinham acabado de chegar à corrida — eles não se candidatavam desde 1948.
Não é tão surpreendente então que Anne Hidalgo tenha se posicionado contra o evento no início. Mesmo depois de eleita, ela chegou a dizer que “nada nem ninguém” a faria mudar de ideia porque ela sabia o que acontece “quando o sonho fracassa”. Mas depois de o presidente recém-eleito François Hollande dizer publicamente ser a favor dos jogos, e de um estudo detalhado de viabilidade, a candidatura oficial da capital francesa foi divulgada em junho de 2015 pelo canoísta Tony Estanguet, hoje presidente do comitê de organização do evento.
De lá para cá, três das cinco cidades que também haviam oficializado a sua candidatura desistiram da disputa. Hamburgo pulou fora após um referendo que mostrou que 51,7% da população era contra os jogos. Em seguida, a nova prefeita de Roma, Virginia Raggi, também tirou a cidade do páreo por considerar a candidatura “irresponsável”. Em fevereiro de 2017, Budapeste foi a última renunciar, cedendo à oposição local que elaborou uma petição contra o evento com mais de 300 mil assinaturas.
A disputa já estava entre Paris e Los Angeles quando o jornal Le Monde publicou em março um artigo revelando suspeitas de corrupção na nomeação do Rio como cidade-sede dos Jogos 2016. Segundo o jornal, três dias antes da atribuição dos jogos à cidade, um empresário brasileiro (que hoje sabe-se ser Arthur César de Menezes Soares Filho) depositou 1,5 milhão de dólares para Papa Diack, filho de Lamine Diack, que então era presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF) e membro do Comitê Olímpico Internacional. A reportagem desencadeou uma investigação conduzida pelas autoridades brasileiras e francesas que ganhou o nome “Unfair Play” (Jogo Sujo, em português). Eles descobriram evidências de que o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, também teria participado do esquema intermediando a compra de votos que garantiu a vitória do Rio como cidade-sede.
Em meio à polêmica que escancarou a corrupção no COI, Thomas Bach, presidente do comitê, propôs que as candidaturas de Paris e Los Angeles fossem mantidas, porque ambas eram “excelentes”. Ele sugeriu que uma das cidades ficasse com a edição de 2024 do evento, e a outra, com a de 2028. Frente à inflexibilidade do presidente francês Emmanuel Macron, a equipe de Los Angeles acabou cedendo e ficou com a edição seguinte. Em Lima, quando houve o anúncio das duas cidades-sede, os membros do COI foram questionados pelos jornalistas sobre a corrupção no órgão. “Agora nós temos mais tempo para ver como podemos mudar o processo (de escolha da cidade-sede)”, disse aos jornalistas o ex-atleta ucraniano Serguei Bubka, membro do comitê executivo do COI e vice-presidente da IAAF.
O problema é que ele também pode estar envolvido: o jornal francês Le Monde mostrou no dia 20 que Bubka transferiu 45.000 dólares a sociedade offshore New Mills Investments Ltd. Mas o diretor da empresa não é ninguém menos que Valentin Balakhnichev, antigo diretor da Federação Russa de Atletismo e ex-tesoureiro da IAAF, de onde foi suspenso por suspeita de esconder casos de dopagem. No meio de tanta confusão, Thomas Bach ainda nomeou Ban Ki-moon, ex-secretário-geral da ONU, como o novo diretor do comitê de ética do COI. Ao que tudo indica, ele terá muito trabalho pela frente.
Os jogos acontecem entre os dias 2 e 18 de agosto de 2024 — 28 modalidades esportivas estarão presentes, e há outras que postulam uma vaga, como o bilhar e a petanque, jogo francês similar à bocha.