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Pará vive a sua própria Belle Époque

Paraense cultua uma nostalgia do ciclo da borracha.Mas vive-se hoje uma efervescência cultural bem mais interessante do que na época do colonialismo francês

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Da Redação

Publicado em 6 de janeiro de 2012 às 16h53.

São Paulo - O passado não pode matar o presente. Nem tornar o presente o passado de um passado. O que passou mantido como símbolo de valor que ultrapasse o presente. O passado deve ser respeitado, garantido em sua integridade, resguardado como exemplo de um contexto cultural, mas não em superposição de superioridade ao presente.

No Pará perdura ainda a ideia de ter havido uma Belle Époque (expressão marcada do apogeu parisiense no fin du siècle) correspondente ao período final do ciclo da borracha, que teria elevado a cultura local a uma altura jamais alcançada depois dela. A partir de então viver-se-ia a história de uma queda, prostrados em um estado comatoso e letárgico. Instalou-se pela cultura dominante a ideia de uma via-sacra às avessas: a ressurreição anterior à agonia. Teria havido a Belle Époque e, depois... o resto! O não-lugar do novo. Mas não é propriamente assim.

A celebrada Belle Époque de Belém, como se diz, na verdade foi o fausto colonialista da Belle Époque francesa beneficiando-se do mercado consumidor do Pará amazônico, ainda com os bolsos cheios do dinheiro da borracha. A consagração de um colonialismo elegante que se tornou modelo para o gosto e motivo inibidor do reconhecimento de uma produção local com as características de um “ethos” amazônico, considerado, nessa óptica, em descompasso com as artes modeladas na Europa.

Houve na Região Norte um longo período de relativo isolamento até fins da década de 1950 e durante a fase de emparedamento político cultural via ditadura militar (que considerou a Amazônia uma terra sem homens para a vinda de homens sem terra, sacramentando a invisibilização do homem na região).

A partir de meados da década de 1990, a arte no Pará vem assumindo gradualmente sua fisionomia de expressão simbólica da cultura intercorrente com as técnicas e procedimentos da arte moderna, sobretudo desde a pop art. Saindo da condição de espaço fértil para o extrativismo científico, cultural e artístico, o Pará vem assumindo sua fala como produtor de conhecimento, detentor de valores próprios, criador de formas artísticas: o “Pássaro Junino” como invenção de um gênero de teatro musical popular; o “Boi Tinga” como um caso de dança-teatro na época junina; o Carimbó” e o “Lundu” como ritmos de possibilidades jazzísticas e eletro; as “guitarradas” e o “tecnobrega” como incorporações do pop caribenho; a dança de pesquisa local intercorrente com linguagens contemporâneas do movimento; a literatura de pensamento universal a partir do local; a fotografia, o cinema, a história em quadrinhos, o grafitismo, a pintura corporal indígena, o design de joias, o ecumenismo do Círio de Nazaré e a culinária.


Operam-se originais hibridizações próprias das paisagens etnoculturais configuradas pela civilização internética. Percebe-se uma cadeia produtiva no campo das artes envolvendo pesquisa, realização, circulação e consumo desconfinado.

Estamos assistindo a uma época na qual “Belém se mexe”. Reverbera essa forma de efervescência da produção artística local. Isso não significa fechamento ou circunscrição no círculo do silêncio regional. Trata-se de uma expressão a partir do local, plurissignificativa, assimiladora e hibridizante, superpondo a paisagem cultural nativista moderna à paisagem da geografia eletrônica da comunicação, o imaginário local dialogando com o imaginário cósmico. Entre o rio e a floresta vê-se o infinito. No confronto com a modernidade pós-moderna há uma dionisíaca poética do imaginário.

Esse desentortar a antiga história da enviesada Belle Époque parisiense em Belém para a atual “bela época” de um nativismo moderno e transacional emerge da criatividade dos artistas. E traz em sua estrutura a incorporação frontal das relações estéticas complexas da contemporaneidade, o fascínio pelas poéticas da individualidade, as transgressões de modelos hegemônicos, a substituição da imitação pela iniciativa de propor novas formas e possibilidades criativas, legitimação de materiais locais na mesma dimensão dos já consagrados historicamente em outras culturas.

Há, para quem possa observar atentamente, uma visível anomia na expressão cultural da arte no Pará. Uma mudança de qualidade e quantidade acumulada por décadas e que, no contexto de sua realidade possível, se revela na diversificada produção artística e passa a ter um público crescente que reconhece o valor contido nessas poéticas.

A arte é uma encantaria da cultura. As encantarias são olimpos submersos nos rios da Amazônia habitados pelos encantados, que são signos e deuses desse relicário que é o imaginário amazônico. Expressam a poética dos rios de água doce e da floresta. Assim, também, as artes no Pará mostram-se como um jorro de poética nativista moderna, no oceano universal da cultura. Um crescente diálogo transacional com a contemporaneidade do mundo. Esta sim pode ser considerada a emergência de uma “bela época” artística de Belém e do Pará.

João de Jesus Paes Loureiro é escritor, poeta, autor dos livros Café Central – O Tempo Submerso nos Espelhos, Água da Fonte, Romance das Três Flautas, entre outros.

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