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Para produtores de vinho americanos, medo, incerteza e esperança

Em todo o setor vinícola americano, o medo e a incerteza reinam diante da quarentena e da pandemia

Chris Brockway, do Broc Cellars em Berkeley, Califórnia (Jim Wilson/The New York Times)

Chris Brockway, do Broc Cellars em Berkeley, Califórnia (Jim Wilson/The New York Times)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 2 de maio de 2020 às 06h00.

Última atualização em 2 de maio de 2020 às 06h00.

A Lioco Wine Co. está em modo de sobrevivência.

Em circunstâncias normais, esse pequeno produtor de vinho da Califórnia compra uvas de vinhedos nos condados de Sonoma e Mendocino e nas Montanhas Santa Cruz para fazer vinhos expressivos e cheios de nuances.

Seu produto é vendido para restaurantes, distribuidores ao redor dos EUA e diretamente de sua sala de degustação em Healdsburg, na Califórnia. Mas a pandemia da Covid-19 forçou o fechamento abrupto dos restaurantes e da sala de degustação. Restaurantes que estão abertos para entrega e que podem vender vinho legalmente usam seu estoque existente, em vez de comprar mais.

Diante de uma queda acentuada na renda, os donos da Lioco, Matt e Sara Licklider, tiveram de ser rápidos para permanecer no negócio. Eles deram uma licença à sua equipe de nove pessoas e a si mesmos, disse Licklider, já que não podem mais pagar salários e contas. Solicitaram um empréstimo para pequenas empresas e torcem por melhores dias.

"Estamos em um momento maluco. O único canal que podemos abastecer agora é o transporte direto, por isso temos trabalhado nesse ângulo da melhor maneira possível. Talvez tenhamos alguns pedidos por atacado quando todas as prateleiras das lojas se esvaziarem. As pessoas estão definitivamente bebendo – eu estou", disse Sara Licklider, acrescentando: "Estamos parados, mas não tenho certeza de como ficará nosso negócio depois de tudo isso."

Em todo o setor vinícola americano, o medo e a incerteza reinam. Os produtores, que operam com um cronograma previsível, ditado pelas estações, feriados e pelo ciclo agrícola, de repente enfrentam grandes incógnitas.

Sua forte conexão com a indústria da hospitalidade – restaurantes, bares, hotéis, clubes, salas de degustação, até mesmo companhias aéreas e navios de cruzeiro – não existe mais, forçando dolorosas revisões de funcionários, orçamentos e planos de negócios, com pouca noção de quanto tempo a interrupção vai durar ou do que os espera quando ela acabar.

Todo o negócio do vinho está sendo afetado. Grandes empresas e vinícolas corporativas têm muito mais recursos para enfrentar dificuldades, mas, para pequenas empresas familiares, é potencialmente uma crise existencial.

Para alguns, a ansiedade é atenuada por uma conexão direta com a terra. Os vinhedos no Hemisfério Norte estão em um momento delicado.

Por volta desta época, algumas semanas a mais ou a menos, dependendo do clima, da temperatura e da variedade de uvas, brotos e folhas de videira começam a surgir.

Jason Haas de Tablas Creek Vineyard, em Paso Robles, Califórnia

Jason Haas de Tablas Creek Vineyard, em Paso Robles, Califórnia (Jim Wilson)

É um momento tenso, pois o potencial de geadas mortais – uma noite fria pode literalmente arruinar uma colheita – permanece por semanas. Os agricultores devem estar preparados para às vezes trabalhar durante a noite para proteger suas frágeis videiras.

Ao mesmo tempo, essas ansiedades comuns fornecem uma distração na pandemia.

"Durante este tempo confuso e desordenado, encontramos algum alívio no trabalho com o vinhedo aqui em casa. O curso da Mãe Natureza continua, e o surgimento dos brotos ainda requer nossa atenção", escreveu Andrew Mariani, proprietário da Scribe Winery, em Sonoma, na Califórnia, em um e-mail.

Até agora, a Scribe não teve de demitir ou dispensar ninguém de sua equipe. Mariani disse que era difícil saber o que esperar, mas que a vinícola estava tentando não tomar grandes decisões em meio a tanta incerteza.

"A situação continua a mudar tão rapidamente que é difícil dizer quais obstáculos estamos realmente enfrentando. Mas agora não dá para imaginar que alguém esteja em uma posição sustentável em longo prazo."

A reação inicial de Philippe Langner à Covid-19 foi de pânico. Ele produz vinho no Vale do Napa, vendendo pequenas quantidades de um caro cabernet sauvignon, sob o rótulo Hesperian, e maiores quantidades de um cabernet com preço mais modesto, o Anatomy.

A pandemia chega depois de alguns anos difíceis para Langner. Ele perdeu sua casa em Atlas Peak nos incêndios de 2017. As obras de uma nova casa estão em andamento, e a construção de uma área para a vinicultura estava programada para começar.

"Eu esperava que as vendas caíssem por meses, mas, na verdade, isso não aconteceu. Esperava ser completamente impedido de trabalhar, mas, na verdade, ainda posso. Esperava que a reconstrução da minha casa fosse adiada de novo, mas, na verdade, estará pronta na semana que vem. Esperava que os distribuidores não fossem nos pagar por meses, mas, na verdade, eles nos pagaram."

O fato de ter dado bons descontos em seus vinhos, cortando o preço de seu cabernet de US$ 150 pela metade, foi uma grande ajuda, porque manteve o fluxo de caixa. "Posso pagar minhas contas este mês. A ideia é sobreviver a este evento."

Langner trabalha em grande parte por conta própria, com um empregado de meio período encarregado das mídias sociais e um funcionário nos vinhedos. Para empresas maiores, o distanciamento social representa um desafio.

Nesta época do ano, Jason Lett, proprietário das Eyrie Vineyards, no Vale do Willamette, no Oregon, geralmente engarrafa vinhos e os embala para enviar aos membros do clube de vinhos de Eyrie. Mas não em 2020. "Vou enfiar oito pessoas em uma sala para engarrafar? Claro que não. Portanto, o engarrafamento de primavera foi suspenso."

Jason Haas, da Tablas Creek Vineyard, em Paso Robles, na Califórnia, inicialmente temia o pior. Ele contou que, com uma redução acentuada da receita, começou a cancelar investimentos que não eram necessários e se perguntou como poderia manter sua equipe intacta.

Hass se sentiu um pouco mais aliviado depois que o Congresso dos EUA aprovou a lei de auxílio ao coronavírus no fim de março, a qual, segundo ele, incluía disposições para ajudar pequenas empresas como a Tablas Creek. Estas, acrescentou, foram capazes de vender mais vinho diretamente aos clientes do que esperavam.

"O vinhedo está em boa forma, estamos trabalhando na mistura esta semana, e os brancos de 2019 estão excelentes. Portanto, isso já é alguma coisa."

Quando as vinícolas estão sofrendo, o tecido que compõe o comércio de vinho e de alimentos também sofre. Doug Polaner, que, com sua esposa, Tina, dirige a Polaner Selections, uma importadora e distribuidora em Mount Kisco, Nova York, disse que a empresa estava fazendo cerca de 60 por cento de seus negócios habituais, mas esperava que esse número caísse à medida que a crise se prolongasse.

Metade da base de clientes se foi, afirmou Polaner, e os protocolos de distanciamento social não permitem negócios como de costume.

Vender vinho é uma questão pessoal, que depende da abertura de garrafas, degustação e discussão presencial.

"É um dos toques essenciais em nossa indústria, e não é compatível com o distanciamento social", observou Polaner.

Na região dos Finger Lakes, em Nova York, Michael Schnelle e Nancy Irelan, marido e mulher, operam a Red Tail Ridge Winery em Penn Yan. Eles dependem de restaurantes e de sua própria sala de degustação para sua renda, que basicamente escasseou. Agora, estão vendendo vinho apenas on-line ou para ser retirado na vinícola.

"Como resultado de tudo isso, tivemos de demitir toda a nossa equipe de degustação e meu enólogo assistente. Ainda temos nossa equipe sazonal nos ajudando no vinhedo, mas, fora isso, Michael e eu estamos cuidando de tudo", disse Irelan.

Como tantos outros no ramo de vinhos, eles conhecem outras pessoas que perderam muito mais, e dizem que são gratos pelo que ainda têm.

"As coisas estão desafiadoras, mas estamos perseverando e adiantando o acabamento dos vinhos, esvaziando tanques e nos preparando para a safra 2020. A Mãe Natureza não espera por ninguém, nem pela pandemia."

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