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Ouvidor, 63: uma fábrica de ideias no coração de São Paulo

Edifício, ocupado por diversos artistas no Centro de São Paulo, só aceita moradores criativos

Edifício de 13 andares estava desabitado quando, há três anos, um grupo de artistas o ocupou para convertê-lo em um centro cultural (Nelson Almeida/AFP)

Edifício de 13 andares estava desabitado quando, há três anos, um grupo de artistas o ocupou para convertê-lo em um centro cultural (Nelson Almeida/AFP)

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AFP

Publicado em 11 de agosto de 2017 às 14h19.

Última atualização em 11 de agosto de 2017 às 15h00.

Um malabarista equilibra suas maças no sexto andar, uma banda toca rock no terceiro e um pintor finaliza sua obra no sétimo andar da rua Ouvidor, 63. Este edifício, ocupado por diversos artistas no Centro de São Paulo, só aceita moradores criativos.

Alguns surgem das paredes coloridas deste imóvel em ruínas, que com seus grafites e ilustrações quebram o cinza desta grande cidade.

Propriedade do estado de São Paulo, este edifício de 13 andares estava desabitado quando, há três anos, um grupo de artistas o ocupou para convertê-lo em um centro cultural e de moradias artísticas.

Grafiteiros, músicos, artistas de circo e desenhistas convivem em uma comunidade que soma agora cerca de 100 pessoas e funciona de forma horizontal. Não há líderes no Ouvidor, onde tudo é decidido nas reuniões semanais de cada andar e que é submetido, posteriormente, ao voto da assembleia.

Incluindo a admissão de novos membros, que devem chegar apoiados por outro morador e levar um projeto criativo.

"A princípio você tem que ser hospedado por alguém aqui no prédio. Se você se adaptar, tiver ideias legais, um projeto bacana, você trabalha no prédio, pelo coletivo [...]. Você vai entrar para uma lista de espera e quando surgir um quarto, vai entrar", explica o pintor D'Julia Gangary, enquanto dá os últimos retoques em um quadro.

Inclinado sobre a mesa de seu estúdio-dormitório, este artista de 41 anos conta como a sua chegada ao prédio mudou os seus planos.

Ele voltava de uma viagem quando o convidaram para criar um ateliê de gravuras. Ficaria apenas por alguns meses, mas já está ali há um ano e meio.

"Nossos projetos na maioria são gratuitos, ou a gente arrecada verba para a manutenção do prédio [...] A gente faz permuta sempre", assegura.

Embora viver em comunidade não seja sempre tão tranquilo - ainda se lembra de sua tensão enquanto a assembleia votava se poderia ficar -, agora se sente parte de algo maior.

Disciplina

Em um andar abaixo, Giuseppe Gordillo mantém o equilíbrio sobre uma alta estrutura de três rodas.

Desde que começou a trabalhar com malabarismo viajando pela América do Sul, este colombiano com uma rosa dos ventos tatuada no pescoço se apaixonou pelo circo. Por isso, decidiu voltar ao Brasil com sua companheira e com sua filha de três anos para fazer de sua paixão um estilo de vida.

"Quando chegamos a La Paz, alguns amigos chilenos nos falaram da ocupação e decidimos vir para São Paulo", relembra sobre sua viagem pela estrada.

Já se passou um ano desde então e agora trabalha fazendo malabarismo nos sinais, dá aulas no Ouvidor e é um dos moradores do sexto andar, onde vivem os artistas de circo que preparam um show de variedades quinzenal.

"Este é o único lugar do edifício onde são proibidas bebidas alcoólicas ou qualquer substância. É um espaço para fazer arte, não para festa nem descontrole", afirma.

Este bogotano de 26 anos fica com os olhos brilhando quando explica como esta sala colorida de teto alto também é um valioso refúgio para muitos artistas nômades que, como ele, desembarcam nesta megalópole.

"São Paulo é uma cidade enorme, aqui é muito fácil se estressar e perder o controle", assegura.

Atualmente moram no prédio cerca de 30 estrangeiros, a maior parte artistas latino-americanos, embora já sejam muitos os que deixaram a sua marca nessa comunidade que se renova constantemente.

Ameaça

Há alguns dias nasceu um bebê no mesmo andar, aumentando o número de crianças do Ouvidor, onde agora moram sete filhos de artistas.

Cada morador procura o seu espaço em meio à confusão deste edifício. Como Vanessa, uma artista de 23 anos que interrompeu a sua viagem pelo Brasil em um antigo Fusca junto com a sua cadela para passar um tempo na ocupação, e viu que faltava algo.

"Quando eu cheguei aqui em novembro não havia um espaço determinado somente para as mulheres. Lancei essa ideia, consegui hospedar duas moças que estão dentro do movimento feminista, e agora a gente tem um andar inteiro que é direcionado só às mulheres", conta. O novo projeto ocupa o nono andar.

Apesar da constante ameaça de desalojamento, a lista de espera para conseguir abrigo na comunidade continua sendo longa.

Dono do imóvel, o estado já o levou a leilão em duas ocasiões, mas não recebeu nenhuma oferta, declaram os moradores. Questionado sobre isso, o governo afirmou à AFP que o Conselho de Patrimônio está elaborando uma "proposta de concurso público para vendê-lo".

Mas essa perspectiva não afeta o projeto criativo.

"Não tenho medo porque a gente tem essa ideia de fortalecer o coletivo sempre, fortalecer e unir para a gente ser não só um espaço físico", assinala Gangary.

A comunidade do Ouvidor está unida por laços mais fortes do que o cimento.

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