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Olimpíadas de Paris: atletas brasileiros são verdadeiros heróis e precisam de mais investimento

O Brasil destinou para o ciclo olímpico do Rio 2016 cerca de R$ 4 bilhões aos esportes de alto rendimento. Já para Tóquio 2000, as verbas foram reduzidas para R$ 2 bilhões, uma queda de 47%

Rebeca Andrade: maior medalhista brasileira. (Gabriel BOUYS /AFP)

Rebeca Andrade: maior medalhista brasileira. (Gabriel BOUYS /AFP)

Taiza Krueder
Taiza Krueder

CEO do Grupo Clara Resorts

Publicado em 31 de agosto de 2024 às 09h54.

Torcer pelo Brasil em Olimpíadas não é nada fácil – haja coração! Somos um país que investe pouco e valoriza menos ainda outros esportes senão o futebol masculino. Se não bastassem a desigualdade de aportes em outras modalidades esportivas, a falta de infraestrutura adequada para treinamento, a dependência de legislações de incentivo como a Lei das Loterias e a Lei de Incentivo ao Esporte, desde as Olimpíadas Rio 2016 há uma contínua redução de verbas voltadas à preparação dos atletas.

O Brasil destinou para o ciclo olímpico do Rio 2016 cerca de R$ 4 bilhões aos esportes de alto rendimento. Já para Tóquio 2000, as verbas foram reduzidas para R$ 2 bilhões, uma queda de 47% ante ao ciclo anterior. E – pasme! – para o ciclo olímpico de Paris 2024, o Bolsa Atleta, programa que é uma das principais fontes de apoio financeiro aos competidores, recebeu aproximadamente R$ 426 milhões, menos de ¼ das verbas dos jogos anteriores e pouco mais de 10% em relação à edição de oito anos atrás.

Para se ter uma ideia, o Japão – que terminou em terceiro no ranking de medalhas nos jogos da capital francesa, com 20 ouros – investiu US$ 716 milhões no mesmo período que o Brasil (2022-2024). Com isso, o país oriental se manteve em terceiro lugar na classificação geral que conquistou nos jogos em sua própria capital, há três anos (por conta da pandemia de Covid-19, as Olimpíadas em Tóquio ocorreram em 2021). Já o Brasil, caiu do 12º posto na capital japonesa para 20º em Paris, com 4 ouros a menos e 1 medalha a menos no cômputo geral.

Esses pontos mostram como a falta de investimentos e valorização de diversas modalidades esportivas no Brasil torna a jornada dos atletas olímpicos ainda mais desafiadora. E não foi por falta de torcida! Esta que vos escreve esteve com a família toda em Paris, e não poupou pernas para deslocamentos mil entre as arenas, sob sol ou debaixo de chuva, com calor saariano ou frio inesperado, gritando e aplaudindo, tudo isso em incentivo aos nossos atletas. Não por acaso, a torcida brasileira foi amplamente reconhecida como a mais animada e vibrante, encantando torcedores de outras nacionalidades e também os anfitriões franceses.

Paris já é uma festa, mas para brasileiros que foram às Olimpíadas, tudo era motivo de animação. Ganhando ou perdendo, lá em Paris ou aqui em qualquer rincão do nosso país, a emoção com que os brasileiros celebram seus atletas ganhou a atenção de muitos influenciadores estrangeiros que residem no Brasil. Em seus vídeos, no Tik Tok ou Instagram, eles – também emocionados – explicavam ao mundo que há uma empatia entre a jornada de obstáculos dos atletas brasileiros com as próprias dificuldades vividas no cotidiano pelo cidadão comum.

Os influencers gringos constataram o que é “óbvio” para nós, brasileiros: celebrar o esforço de um atleta conterrâneo é tão legítimo quanto comemorar o pódio, seja ele de ouro, prata ou bronze. Esta é uma verdadeira lição brasileira para o mundo todo! Qualquer atleta da comitiva brasileira, que teve pela primeira vez a maioria de mulheres (55% do total de 276 competidores), para nós é um herói – e todos valem ouro!

Mesmo aqueles que não ganharam medalhas em Paris, merecem nossos aplausos e agradecimentos. O Brasil ficou em 4º lugar na maratona aquática, com Ana Marcela Cunha, que já tinha sido campeã olímpica em Tóquio 2020. Também terminou em 4º na competição de duplas mistas com as tenistas Luisa Stefani e Rafael Matos. Mais conhecido como Cachorrão, o nadador Guilherme Costa ficou em 5º na final dos 400 metros livre e fez o melhor tempo de sua carreira, com 3min42s76, quebrando nada mais nada menos que o recorde das Américas. Esses atletas são perdedores? Claro que não. Esses feitos não são para qualquer um, gente. Eles estão entre os melhores do mundo!

Há sempre uma excessiva expectativa quando você treina muito e se prepara para vencer, e se depara com a derrota. Porém, tanto no mundo esportivo como no corporativo, só tem um lugar mais alto no pódio, somente um CEO. Independentemente do lugar no pódio, é preciso ter o respeito e admiração pela jornada. E essa jornada é feita de percalços. Afinal, não há destino sem caminho e tampouco inexiste caminho sem dificuldades. Isso me faz lembrar o célebre poema de Carlos Drummond de Andrade: "nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas retinas tão fatigadas / nunca me esquecerei que no meio do caminho / tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho".

E essas pedras são inerentes à jornada, sem elas não há heróis, olímpicos ou não! Joseph Campbell nos ensina, em "O Poder do Mito", que mitos de diferentes culturas compartilham uma estrutura comum, que pode ser dividida em três etapas principais. A primeira delas é a partida, quando o herói deixa o mundo cotidiano após receber um chamado para a aventura. A seguir, a iniciação, quando – ao longo da jornada – ele enfrenta desafios e provações, muitas vezes encontrando mentores e aliados. E finalmente, o retorno, quando o herói, após superar uma crise, volta transformado, trazendo novos conhecimentos ou poderes que beneficiam sua comunidade.

E isso tem tudo a ver com a jornada de nossos competidores. Na antiga Grécia, os Jogos Olímpicos eram realizados em honra aos deuses, e os vencedores eram celebrados quase como semideuses. Hoje, os atletas olímpicos são reconhecidos e admirados globalmente, refletindo essa tradição de glorificação.

Por isso, podemos considerar os atletas olímpicos como heróis, em especial os brasileiros, pela dedicação, sacrifício e superação de grandes desafios que levam a uma significativa transformação pessoal, servindo de modelo inspirador a todos nós. Esses elementos mostram como eles encarnam muitos dos mesmos valores e características dos heróis mitológicos, tornando-os figuras heroicas em nossa sociedade contemporânea cada vez mais “líquida”, como nos lembra o filósofo Zygmunt Bauman, na qual as pessoas – atletas ou não – lutam para encontrar estabilidade em um mundo em constante mudança.

Considerar todos os competidores – sejam atletas, empreendedores, líderes empresariais ou o mais comum de todos nós mortais – como vencedores, é uma forma de valorizar o esforço e a coragem envolvidos em qualquer jornada. Pois todos, no dia a dia, enfrentamos incertezas e riscos, desafios e fracassos. Reconhecermo-nos como vencedores é uma maneira de celebrar o processo e a jornada, não apenas o resultado. Pois o simples ato de se colocar à prova, já é uma vitória.

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