Trabalho remoto: estimativas de quantos trabalhadores de escritório projetavam trabalhar permanentemente em casa, pós-pandemia, variam de 20% a 30%. (James Steinberg/The New York Times)
Matheus Doliveira
Publicado em 27 de janeiro de 2021 às 06h06.
Última atualização em 27 de janeiro de 2021 às 11h11.
Fazia nove meses que Therese Nauwelaertz trabalhava em tecnologia da informação em uma grande organização de saúde em Seattle quando foi contratado um novo gerente de projeto. Ela ainda tinha o mesmo supervisor, mas essa nova pessoa estava entre eles na hierarquia. Até que esta começasse a trabalhar, "tudo permaneceu muito tranquilo por muito tempo", disse Nauwelaertz, de 48 anos. Mas, apenas alguns dias depois que o novo gerente começou, "foi quando houve a quebra de feedback".
Nauwelaertz foi deixada de fora de uma sessão de estratégia via Zoom, e só ficou sabendo disso por intermédio de seus colegas que haviam sido incluídos. Em seguida, os e-mails e chats de seus colegas de trabalho quase desapareceram. Ela ficou sabendo que um deles havia sido demitido. "Foi quando fiquei bem desconfiada, e a paranoia começou a se instalar", contou ela.
O número de pessoas trabalhando remotamente disparou desde janeiro de 2020, com aproximadamente metade da força de trabalho dos EUA trabalhando de casa nos primeiros dias da pandemia, de acordo com um documento de trabalho do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica. Esses trabalhadores tendem a ter mais formação e mais dinheiro que os trabalhadores cujo cargo não pode ser preenchido remotamente, e os trabalhadores de baixa remuneração têm tido muito mais propensão a perder o emprego durante a pandemia.
Embora alguns tenham retornado ao escritório desde meados do ano passado, um número significativo ainda não o fez. Muitas estimativas de quantos trabalhadores de escritório projetavam trabalhar permanentemente em casa, pós-pandemia, variam de 20 por cento a 30 por cento, contra menos de dez por cento antes do coronavírus.
Mas o fato de milhões de americanos se comunicarem virtualmente com seus colegas de trabalho não significa que nossa dinâmica emocional de escritório já tenha se equiparado a nosso novo mundo da videoconferência. Muitos estão sentindo um espectro de novas ansiedades em relação às interações com os colegas.
Os funcionários se perguntam coisas como: essa mensagem do Slack não recebeu resposta porque estou sendo demitido ou porque meu chefe está às voltas com a educação remota do filho? Ninguém riu daquela piada na chamada de vídeo porque ela era muito ruim ou porque já não me querem lá?
Pequenos momentos estão sendo amplificados para Shireen Ali-Khan, de 37 anos, consultora em Londres. Breves interações que ela normalmente deixaria passar se tornaram motivo de obsessão, "porque essencialmente você está em casa olhando para a parede", observou Ali-Khan. Ela mencionou um colega sênior que lhe pediu que gerenciasse uma caixa de correio virtual, tarefa que, de acordo com Ali-Khan, está muito abaixo de sua habilidade e de seu salário.
Ali-Khan educadamente recusou, mas recebeu a tarefa de qualquer maneira e se sentiu desrespeitada. Embora isso pudesse ter sido uma pequena irritação em tempos normais, "você simplesmente perde muito desse toque pessoal, então vê outras coisas, você se detém em uma única informação", disse ela – em vez de contar com uma relação interpessoal totalmente formada.
Pesquisas anteriores sobre o tema da paranoia organizacional e social mostram que trabalhar de casa pode exacerbar a incerteza sobre seu status, o que talvez acabe levando ao excesso de processamento de informações e de obsessão, de acordo com Roderick Kramer, professor de Comportamento Organizacional da Escola de Administração de Stanford: "O trabalho remoto pode contribuir para que o funcionário se sinta fora do circuito, porque está perdendo o tipo de conversa ad hoc que tende a nos garantir que estamos em uma situação boa."
A chamada paranoia organizacional nem sempre é irracional. Há até um termo para esse tipo de hipervigilância sensata: paranoia prudente. "Parte da paranoia tem a ver com questões de apresentação", afirmou Kramer. E não é só na nossa cabeça que estamos sendo julgados por nossa aparência e a da nossa casa, em bate-papos por vídeo.
Há uma conta no Twitter chamada Room Rater que classifica os locais de bate-papo de vídeo das pessoas, e, até este momento, tem mais de 374 mil seguidores. Um tuíte típico da conta é: "Planta bonita. Sofá. Almofada. Linda luz matinal. Precisa de muito mais. Arte. 6/10." É razoável acreditar que nossos colegas fazem o mesmo tipo de julgamento.
"Percebo coisas estranhas", disse Mike Jordan, de 44 anos, que faz pesquisa de mercado para uma empresa imobiliária em Chicago. Ele contou que se sente estranho porque seus olhos vão de um lugar para outro durante as reuniões de vídeo.
Jordan também mencionou que sua empresa está passando por mudanças de liderança e que, se isso estivesse sendo feito em um escritório real, ele seria capaz de sentir a vibração dos outros, como eles se sentem em relação à mudança de pessoal, mas agora isso acontece em um vácuo digital. Segundo ele, "sem essa fofoca que conecta, você não sabe como aceitar a mudança quando ela é realizada".
Liz Drews, de 35 anos, começou um novo trabalho como gerente de uma equipe de operações comerciais em Omaha, no Nebraska, durante a pandemia, e se preocupa muito com seu desempenho em videochamadas, já que tem uma filha de dois anos em casa. "Minha casa não está organizada nem limpa agora. Especialmente em um novo cargo, quando ninguém conhece sua história, é um pouco embaraçoso que haja essa cômoda atrás de mim com um copo de plástico com canudinho em cima."
Kramer comentou que, "quando as pessoas sentem que representam alguma coisa, a única mulher em um grupo, ou a única pessoa negra", isso pode levar a mais ansiedade. De acordo com Minda Harts, autora de "The Memo: What Women of Color Need to Know to Secure a Seat at the Table" (O memorando: do que as mulheres de cor precisam saber para garantir um assento à mesa, em tradução livre) e consultora de carreira para mulheres de cor, muitas delas, inclusive ela própria, estão conscientes de ser as únicas, e esse sentimento se agrava em casa.
Ela acrescentou ter ouvido de algumas de suas clientes que estas trocam de roupa mais de uma vez por dia porque se preocupam com sua imagem em chats de vídeo; outras receberam comentários insultantes sobre seu penteado afro natural.
A obrigação de preencher as lacunas de comunicação criadas por nossa nova realidade é dos empregadores, disse Harts. Ela sugeriu reuniões de vídeo mais estruturadas, para que todos possam ser ouvidos sem interrupções ansiosas; nas grandes reuniões, ter alguém encarregado de tomar notas e garantir contribuições equitativas pode ajudar.
Essa pessoa pode observar que, por exemplo, "quando a Sonia cortou seu microfone, ninguém lhe deu espaço para falar". Harts também recomendou que os escritórios tentem configurar momentos de pausa para o café para seus funcionários – e abrir uma videoconferência ou um canal do Slack para conversar. "Crie oportunidades para que as pessoas possam ter conversas orgânicas e ainda desenvolver capital social", recomendou ela.
Jordan está gerenciando uma nova funcionária na pandemia, recém-saída da faculdade, e contou que tem tentado optar pela comunicação em excesso com ela. "Ela é nova no cargo em tempo integral, e há muitas coisas que sinto que seria possível descobrir por osmose no escritório, mas que preciso explicar", afirmou, acrescentando que disse a ela que poderia mandar mensagens de texto ou ligar para ele sempre que tivesse uma pergunta ou que precisasse de uma resposta, porque sabe que ela está fazendo malabarismos e não quer deixá-la perdida.
Nauwelaertz teria gostado desse tipo de gerente; afinal, ela estava correta ao ser paranoica. Numa quinta-feira de manhã, uma semana depois do início do novo gerente do projeto, houve silêncio em todos os canais de seus colegas. Sem aviso, ela foi excluída de uma reunião, que foi deletada de sua agenda.
Quando finalmente recebeu um e-mail de seu supervisor na sexta-feira pedindo uma reunião ao meio-dia daquele dia, ela sabia que estava sendo demitida como parte de uma reestruturação: "Eu me senti paranoica, e todos com quem falei disseram que eu provavelmente era paranoia, mas eu estava certa. De fato, tudo aconteceu exatamente como eu imaginava."