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O novo eldorado do vinho

Mariana Prado Zanon, de Montpellier A região do Languedoc-Roussillon, no sul da França, recebe anualmente 15 milhões de turistas, a maioria da própria Europa. Entre seus vários atrativos culturais – e são muitos, como o Canal do Mid, que liga o Mediterrâneo ao Atlântico, e os castelos e os aquedutos da época romana – , […]

DOMAINE DU CHAPITRE: localizado na região do Languedoc-Roussillon, propriedade tem 35 hectares de vinhas do tipo grenache e syrah / Mariana Prado Zanon

DOMAINE DU CHAPITRE: localizado na região do Languedoc-Roussillon, propriedade tem 35 hectares de vinhas do tipo grenache e syrah / Mariana Prado Zanon

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Da Redação

Publicado em 28 de janeiro de 2017 às 07h26.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.

Mariana Prado Zanon, de Montpellier

A região do Languedoc-Roussillon, no sul da França, recebe anualmente 15 milhões de turistas, a maioria da própria Europa. Entre seus vários atrativos culturais – e são muitos, como o Canal do Mid, que liga o Mediterrâneo ao Atlântico, e os castelos e os aquedutos da época romana – , a região se destaca por um produto presente em todo lugar para que se olhe. Da fronteira espanhola, nos Pirineus, às margens do Rio Gardon, a leste; do litoral do Mediterrâneo à planície de Lauragais. Lá está ele: o vinho. Dados divulgados pela Intersud, associação que agrupa todos os profissionais do vinho da região sul da França, estima-se que a cada segundo no mundo são vendidas 61 garrafas de vinho produzido no Languedoc-Roussillon. A boa notícia é que a qualidade desses vinhos tem melhorado ano a ano.

Com 8% da área agrícola francesa, o Languedoc-Roussillon é a região que mais produz vinhos na França, cerca de 30% de toda produção nacional. Individualmente, o local também se destaca por ser a maior região produtora do mundo em termos de volume de vinho. Com vinhedos cultivados desde o ano 125 a.C, a região produziu mais de 12 milhões de hectolitros em 2016. Com alta de 15% nos últimos dois anos, o setor gerou mais de 72,2 milhões de euros ano passado e exportou 413 milhões de garrafas. Para ter uma dimensão melhor: esses números representam duas vezes toda a produção dos Estados Unidos, quatro vezes a da Austrália e duas vezes a de Bordeaux, na França. São cerca de 50.000 vinhedos, 400 cooperativas (quase uma por vilarejo) e cerca de 2.800 produtores de vinhos. De toda produção, cerca de 17% advém de regiões AOC (Apelação de Origem Controlada) como os famosos vinhos Minervois e Corbières, 15% de Vin de Table ou vinho de mesa e a maior parte, 68%, é dedicada aos saborosos Vin de Pays D’Oc, ou seja, vinhos regionais ricos em sabores.

Durante séculos a ensolarada Languedoc, voltada em forma de anfiteatro para o mar Mediterrâneo, dedicou-se à produção de volumes enormes de vinhos de mesa populares e muito baratos. Leves, ácidos e pouco alcoólicos, eles eram vendidos a preço de banana em copos ou em jarras de vidro (pichés) nos restaurantes e bares franceses.

Segundo o enólogo Cédric Saucier, diretor do Centro de Formação e Estudos do Vinho de Montpellier, até o fim dos anos 70, o Languedoc ainda produzia, na maior parte, vinhos insípidos destinados ao consumo massivo. “O cultivo era impulsionado pela facilidade com que a uva Carignan, que não se inclui na lista das melhores uvas, amadurecia nas planícies quentes do mediterrâneo. Ela ocupava quase toda área de cultivo e sua utilização não conhecia limites”. Enquanto a reputação de outras regiões francesas crescia ao redor do mundo, o Languedoc-Roussillon, com a maior área de vinhedos da França e uma das maiores do mundo, chegava ao que parecia ser uma ruína total. O preço dos vinhos começou a baixar e os rótulos produzidos tornaram-se cada vez mais desvalorizados. Alguns produtores, com medo da má reputação da região, migraram para Bordeaux, Borgonha ou Rhône — locais onde a promessa de enriquecer era mais atraente e venderam as suas propriedades por muito menos do que realmente valiam.

Foi a partir daí que tudo mudou. No início dos anos 80, os produtores que restaram sacrificaram 40% das vinhas buscando reduzir a produção do insosso vinho popular. A partir deste período, vinicultores pioneiros transformaram a dinâmica de produção do vinho introduzindo novas cepas na região. As uvas Syrah, Grenache e Mourvèdre ocuparam o lugar da Carignan. A busca pela qualidade reduziu a produção e aumentou a atenção ao cultivo.

Passados quase meio século, poucas regiões vinícolas do mundo são tão excitantes para bons vinhos a preços convidativos como o Languedoc – o Coteaux-du-Languedoc, por exemplo, foi eleito o vinho jovem com melhor custo-benefício da França. Em média, um vinho da região custa 3 euros o litro contra 5 euros dos tradicionais vinhos de Bordeaux.

A maioria dos vinhos da região se caracterizam pela boa complexidade, corpo e um delicioso acento regional. Segundo Saucier, “os tintos vão desde os frutados até os encorpados. Os vinhos brancos podem ser mais complexos ou nítidos, variando entre os doces e oxidados até os leves e secos”. O enólogo acrescenta que o Languedoc produz também magníficos vinhos de sobremesa e espumantes de muito prestígio, sem esquecer dos rosés intensos, pálidos e muito perfumados.

Ventos e terroir

Mas o que explica a produção excepcional do Languedoc? Em primeiro lugar está o clima mediterrâneo com verões quentes e secos e invernos chuvosos e amenos. Cercado por montanhas e pelo mar Mediterrâneo, o Languedoc é uma das regiões da França onde os ventos são mais frequentes. Como dizem os moradores da região, “é a terra do vento”. A região vive no ritmo de dois ventos violentos, o Mistral e o Tramontane, que são responsáveis para secar bem as videiras deixando-as saudáveis e diminuindo o risco de fungos e doenças. Em seguida, entre Nimes, Montpellier, Perpignan e Carcassonne, os solos são muito variados passando desde terraços a beira mar até solos argilosos e outros ricos em pedra calcária. Desta geologia variada, segundo Saucier, nascem vinhos de terroir muito diferentes, com inúmeras variações aromáticas. Entre os rótulos imprescindíveis que descrevem toda diversidade do sul estão os vinhos AOC do Pic Saint-Loup, classificado entre os 10 melhores terroirs do Languedoc e famosos pela produção de grand crus; os grenaches dos Terrasses du Larzac — entre eles o Coteaux-du-Languedoc —; os syrahs de Faugères e os diversos vinhos tintos frutados, leves e fáceis de beber de Minervois, e, por fim, os vinhos de Corbières onde muitos vinicultores locais ainda se utilizam da uva carignan.

Outro fator de peso para o sucesso da região é o preço moderado de venda do hectare de vinha: entre 15 e 35 mil euros, um dos preços mais baixos da França e da Europa. O preço é tão convidativo que mesmo produtores da Califórnia, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Chile vêm comprando vinhedos no Languedoc para exportação da uva. Dentro da própria França acontece fenômeno parecido. Renomadas regiões como Bordeaux compram as uvas sulistas para conseguir suprir a demanda de produção para exportação dos seus famosos vinhos tintos.

Com o crescimento dinâmico e rápido, o Languedoc-Roussillon também encontrou seu lugar ao sol na competição internacional e está no topo da lista das melhores regiões exportadoras de vinho da Europa. Entre os consumidores mais fiéis a identidade moderna dos vinhos do Sul da França está o Reino Unido, Alemanha, Bélgica, Holanda e China.

A região também sai na frente como a primeira região vitivinícola orgânica da França. Um terço de toda produção do Languedoc leva a menção sem agrotóxicos, o que contribui na expansão do mercado. “A cada ano cerca de 300 produtores se engajam neste tipo de produção diferenciada que respeita e preserva as características do terroir”, afirma Saucier. Atualmente, o cultivo da uva é um dos setores mais dinâmicos da agricultura orgânica francesa.

De terroir em terroir, gostos e sensações misturam a essência do mediterrâneo com o savoir-faire de tradições milenares de cultivo da uva. O Languedoc-Roussillon sonha que, nas próximas décadas, seus vinhos frescos e de caráter marcante possam importunar a reputação dos vinhos de Bordeaux e da Borgonha. Para os amantes do bom vinho, esse é um destino incontornável e — o melhor de tudo — ainda selvagem.

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