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O agonizante destino de João Gilberto

Aos 86 anos, o inventor da bossa nova corre risco de despejo, enfrenta ações judiciais movidas por sua filha Bebel Gilberto e não cuida da própria saúde

João Gilberto: o gênio da MPB vive enclausurado em seu apartamento, sem nem atender a porta (Bob Paulino/Reprodução)

João Gilberto: o gênio da MPB vive enclausurado em seu apartamento, sem nem atender a porta (Bob Paulino/Reprodução)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 20 de abril de 2018 às 12h30.

Última atualização em 20 de abril de 2018 às 13h13.

De New Jersey, onde mora com a família, o músico João Marcelo Gilberto, filho mais velho de João Gilberto, acompanha com pesar e preocupação o noticiário recente sobre o pai.

É a única forma que tem, ele diz, de se informar sobre as dificuldades de saúde e financeiras por que passa o cantor, de 86 anos, um dos fundamentos da música brasileira pós-anos 1960, cultuado por fãs de bossa nova no mundo inteiro.

João Marcelo tem 57 anos é filho da cantora Astrud Gilberto, a primeira mulher de João. Morou quase a vida inteira nos Estados Unidos, onde ela se fixou. As informações que lhe chegam do Rio não são boas.

Em novembro do ano passado, o pai, que mora sozinho num apartamento no Leblon, foi interditado judicialmente pela filha do meio, a cantora Bebel Gilberto, da união com a cantora Miúcha. A Justiça autorizou o arrombamento do imóvel.

Como vive recluso há anos, ele não cuida da saúde como a idade avançada pede. Está muito magro e convive com uma hérnia não tratada. Corre risco de despejo, por falta de pagamento, e enfrenta ações judiciais.

A alegação para o pedido de curatela foi a de que João Gilberto sofre de confusão mental e não tem controle de seu dinheiro, estando vulnerável a manipulações. João Marcelo concordou com a interdição, mas agora, afirma, sente-se alijado das decisões.

Em entrevista por e-mail, o primogênito, que tem um estúdio em casa e trabalha com a mulher desenvolvendo programas para TV, lembra com ternura dos momentos com o pai. Diz por que entrou com uma ação em nome de sua filha bebê, como forma de ter acesso às finanças dele e ajudá-lo a resolvê-las.

Conta das dificuldades no trato com Claudia Faissol, ex-mulher de João, mãe de sua caçula (Luisa, 13 anos) e que fez as vezes de empresária, e com Bebel. E fala do desejo de, enfim, vê-lo em paz.

O jornal O Estado de S.Paulo tentou insistentemente falar com a advogada de Bebel, Simone Kamenetz (a cantora também mora nos EUA), e com Claudia para que comentassem as afirmações de João Marcelo, mas não teve retorno.

Como está João Gilberto? Como ele reagiu à interdição Judicial?

Infelizmente, neste momento estou sem saber. Meu pai não queria ser interditado e com certeza não gostaria que toda essa briga familiar existisse.

Acredita que precise de cuidados médicos urgentes?

Sim.

Como você se sente acompanhando tudo de longe?

É triste ver que o controle financeiro, para alguns, vale mais do que uma família unida. Mas aí entram ciúmes de infância, questões mais para psicanalistas resolverem do que outras pessoas.

Quão próximo você é do seu pai?

Eu me mudei para os EUA com minha mãe bem cedo, quando tinha cerca de quatro anos. Foi uma época em que acabei me afastando. Meu pai então veio morar nos EUA e me visitar em Nova York, trazendo seu violão para o apartamento de Astrud. Ele morou aqui por cerca de uma década, e eu morei um tempo em criança no Leme, no Rio. Em adulto, eu fazia parte da banda da minha mãe como baixista, e tinha contato quando ele vinha aos EUA ou quando eu ia ao Rio.

Com que frequência se veem atualmente?

Recentemente meu pai queria que eu ficasse um tempo próximo. Ele sentia que estava frágil, e ameaçado por pessoas próximas a ele naquele momento. Conseguiu para mim então um apartamento em Ipanema. Fizemos algumas comemorações juntos lá, como o meu aniversário e Natal, e ele aparecia de vez em quando. Lá, eu e minha mulher presenciamos ameaças a ele, feitas por algumas pessoas que neste momento não posso mencionar. Passei praticamente três anos no Rio, mas tive que voltar para os EUA. Construí uma suíte para meu pai em nossa casa nos EUA, onde ele tem privacidade e conforto, e pode ficar em segurança. Ele já se hospedou conosco. Gostaria que ele tivesse um final de vida feliz e tranquilo, e sei que posso contribuir muito nesse sentido, desde que pessoas agora próximas a ele não façam esforço em me afastar.

Como é João Gilberto avô?

Aqui somos cinco, eu, minha mulher, Adriana, Katryna, de 25 anos Alice, de 16, e Sofia, de dois. Sendo que Alice é filha da Adriana, mas está sempre conosco, e Katryna já tem seu próprio apartamento. As meninas são americanas. Ele sempre foi muito carinhoso com elas, mesmo a distância. Preocupava-se e perguntava por elas. Sofia, infelizmente, nasceu num momento que ele estava muito tenso e preocupado com a própria vida. Mas sempre ligava para falar com ela e dizia coisas muito amorosas. Tem uma foto grande dela na estante de sua sala. Sofia adora cantar e dançar, faz isso o dia todo. Se ele a encontrasse agora tenho certeza de que iria se apaixonar. Meu pai sempre gostou de crianças e bichos.

Faz tempo que ele não controla a vida financeira?

Ele me pedia há um tempo para descobrir como estão suas finanças me perguntava com frequência sobre os cheques que sumiam em sua casa, se eu tinha ideia para onde iam. Isso porque se sentia insatisfeito e sem o controle da situação, como sempre gostou de ter. Uma vez, me pediu para telefonar para a Claudia Faissol para eu poder entender algumas coisas que estavam acontecendo, sobre contratos e finanças.

Usaram cheques indevidamente?

Sabemos que existem cheques que estão sendo movimentados e não sei como isso está sendo revertido para os cuidados com meu pai, em especial com a saúde. Não há transparência.

Por que é tão difícil lidar com suas finanças?

Entramos com uma ação para que seus ganhos fossem revelados. Na época tudo parecia obscuro, e nos dava a ideia de que a administração de meu pai iria continuar nas mãos da Claudia Faissol. Até a Bebel, que estava também naquele momento sem acesso e lutando por isso, iria se beneficiar (da ação). Seriam revelados os números, e poderíamos entender o que se passava realmente, para poder ajudá-lo melhor.

João é um artista fundamental, mas não grava há 18 anos e não faz shows há dez. Consegue se manter?

Fui a algumas reuniões com a Bebel e advogados para resolvermos questões como o acordo com a EMI, que desejávamos fazer juntos, e outros assuntos da vida de JG. Espero em breve poder contribuir com isso. Como disse, estava sem acesso aos números, como ainda estou, e fomos aconselhados por amigos advogados para entrar com uma ação visando obter uma estimativa do valor recebido por ele. Isso porque pessoas que estavam próximas ao JG naquele momento escondiam todas as informações, e as pessoas que estão hoje com ele continuam escondendo essas informações, ao invés de preferir mostrar transparência. Acredito que o que JG recebe mensalmente daria para pagar suas despesas sem estar com os problemas financeiros em que se encontra.

O objetivo da ação movida em nome de sua filha caçula não era obter uma pensão?

Eu precisava ter uma noção para saber se a entrada (de recursos) era ou não suficiente para manter a casa do meu pai, seu plano de saúde e os cuidados necessários. Precisava ser rápido, pois recebi ameaças de que ele estava para ser despejado a qualquer momento e estava sem plano de saúde. Na época, não sabíamos ainda se a administração das finanças ficaria com a Claudia, como parecia que ia ficar, com a Bebel ou com os irmãos em conjunto. Eu precisava ter uma noção pra saber se a entrada era ou não suficiente para manter a vida do meu pai. E quando eu conseguir a transparência almejada retiraremos a ação. Não tenho interesse em mantê-la após isso. Estamos aguardando a audiência. E Bebel somente soube da minha ação quando já tinha assumido a curatela provisória de JG.

Sabe estimar há quanto tempo João não sai de casa?

Não.

Por que é recluso há tanto tempo?

Ele se sente melhor dessa forma, sempre o respeitei nesse sentido.

O violão e a voz de João têm fãs no mundo inteiro. Por que parou de se apresentar?

Desde que algumas pessoas entraram em sua vida, ele parou de se apresentar publicamente. Mas isso coincidiu com sua velhice também. Tenho interesse em promover a arte do meu pai, para que ele possa receber homenagens em vida, sinta o carinho que as pessoas têm por ele. Pensei até em fazer um filme com relatos de pessoas e artistas que conviveram com ele e o admiram, para manter o interesse sobre o trabalho dele vivo.

Ele não gravou CDs depois de 2000. Foi pelo perfeccionismo?

Em parte pelo que disse acima, e também por sua vontade de descansar.

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