Demi Moore e artistas: apresentação da coleção primavera / verão 2026 da Gucci (Daniele Venturelli/Getty Images for Gucci)
Editor de Casual e Especiais
Publicado em 20 de outubro de 2025 às 12h23.
Última atualização em 20 de outubro de 2025 às 13h08.
Como se estivesse na primeira fileira de um desfile suntuoso, o mercado aplaudiu em pé a venda da divisão de beleza do grupo Kering para a L’Oréal, anunciada neste domingo, 19 de outubro. O acordo prevê o pagamento de 4 bilhões de euros e o licenciamento de marcas como Gucci, Balenciaga e Bottega Veneta, entre outros acertos. Nesta manhã, as ações da Kering em Paris subiam 4%.
A Kering criou sua divisão de beleza em 2023, momento em que o setor vivia momento de esplendor. Entre 2022 e 2024, o mercado de beleza cresceu 7% ao ano, segundo dados da McKinsey & Company.
Essa indústria, de 450 bilhões de dólares por ano, segue em alta. A estimativa é que até o final de 2027 passe a movimentar 580 bilhões de dólares ao ano. De empresas independentes como Hermès e Stella McCartney a conglomerados como LVMH, todas as marcas de moda de importância criaram suas divisões de beleza e passaram a vender de perfumes a skincare.
Mesmo nesse cenário, o movimento da Kering não saiu como esperado. A nova unidade de beleza do grupo registrou prejuízo operacional de 60 milhões de euros no primeiro semestre deste ano. Por isso a decisão da venda.
Com a transferência da divisão para a L’Oréal, a Kering pode voltar a se concentrar no que faz de melhor: moda. Durante os sete anos em que Alessandro Michele esteve à frente da direção criativa, de 2015 a 2022, a Gucci, principal grife do grupo, quadruplicou as vendas, com crescimento de 35% por cinco trimestres consecutivos.
Michele trouxe uma moda extravagante para a marca, com muitos padrões de estampas, de apelo vintage, uma modelagem larga no momento de prevalência do slim, com personagens de desenhos animados em suéteres de cashmere. Ganhou apelo junto a uma juventude mais arrojada e em um mercado chinês que não cansava de comprar.
Veio a pandemia, novos hábitos de consumo, outras preferências estéticas, uma China em desaceleração. E aquela Gucci com ar de brechó chique perdeu o encanto. O quiet luxury ocupou o lugar da exuberância nas araras e as vendas da marca caíram como uma modelo que perde o salto na passarela.
Os dois últimos anos de Michele foram de queda de vendas. De 2023 até o fim do ano passado, Sabato de Sarno assumiu a direção criativa da Gucci. Ele vinha da Valentino e era pouco conhecido então, como Michele quando assumiu o posto.
O novo estilista tentou trazer um pouco da sofisticação discreta de Frida Giannini, que estava à frente da Gucci antes da chegada de Michele. Não convenceu. Foi uma volta a um passado em tom pastel, um contraste muito grande em relação ao efusivo Michele.
A Gucci é a força e a fraqueza da Kering. A grife de moda de origem italiana responde por 40% da receita do grupo, que possui outras 10 marcas, além da divisão de eyewear. Quando as coisas vão bem, o espetáculo está montado. Quando as vendas caem, a cortina se fecha.
No primeiro semestre de 2025, o faturamento do grupo, de 7,5 bilhões de euros, caiu 16% em relação ao mesmo período do ano anterior, puxado por uma queda de 26% da Gucci. A segunda maior marca do grupo, a Saint Laurent, teve uma redução de 11%.
Mas os sinais neste ano são animadores. Em março deste ao foi anunciado o novo diretor criativo da Gucci. Demna Gvasalia veio da Balenciaga com a missão de alancar novamente a marca italiana. Como não teria tempo de fazer uma coleção inteira para a Semana de Moda de Milão em setembro, optou por fazer apenas um preview.
Chamada La Famiglia, a linha trouxe roupas muito rebuscadas, em tons monocromáticos e estampas refinadas. As roupas trouxeram arquétipos inspirados no cinema, com homenagem ao ex-estilista da casa Tom Ford e o próprio Michele.
O lançamento aconteceu com um curta-metragem, que contou com a presença de Demi Moore em uma simulação de um red carpet. As peças foram produzidas em pequena escala e foram para apenas 10 lojas no mundo. Foi um sucesso absoluto, tanto devido à informação de moda como pela estratégia da escassez, um trunfo da Hermès, por exemplo.
A Kering precisa de outras marcas fortes no grupo e depender menos da Gucci. Nesse sentido, a coleção da Bottega Veneta, terceira grife em importância dentro do grupo, também passa por um momento especial sob a nova direção criativa de Louise Trotter.
Trata-se da única estilista mulher à frente de uma marca no grupo. A perspectiva feminina é parte importante da identidade da grife nesse novo momento. Desde que ingressou na Bottega Veneta, Trotter também tem reforçado as raízes da casa de moda como uma "loja artesanal veneziana", tradução literal do nome.
A venda da divisão de beleza vai ajudar a reduzir a dívida líquida da Kering, que somava 9,5 bilhões de euros em junho, além de outros 6 bilhões de euros em passivos de arrendamentos de longo prazo.
Foi mais uma iniciativa do novo CEO do grupo, Luca de Meo, que estava anteriormente na Renault. De Meo entrou em julho passado no lugar de François-Henri Pinault, filho do fundador do conglomerado de luxo. Não foi a única mudança anunciada pelo novo executivo.
Logo após chegar ao cargo, De Meo nomeou Francesca Bellettini como a nova presidente-executiva da Gucci, no lugar de Stefano Cantino, que passou menos de um ano no posto.
Novo time, coleções mais frescas, foco novamente na moda. Nesses últimos meses a Kering preparou o backstage para as próximas temporadas. Os aplausos que importam, a partir de agora, são os dos consumidores.