Travelers New Orleans: as diárias no hotel são de 185 dólares. (Rory Doyle/The New York Times)
Matheus Doliveira
Publicado em 20 de maio de 2021 às 07h00.
Não chame o Travelers New Orleans de "Bed and Breakfast" (B&B). Primeiro, porque não há café da manhã (por enquanto, pelo menos). Depois, porque o termo "evoca imagens de cortinas e toalhinhas rendadas", disse Ann Williams, que abriu a pousada de nove quartos em abril com seu companheiro, Chuck Rutledge, e alguns outros parceiros.
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Williams afirmou que prefere chamar o Travelers New Orleans de "um empreendimento de hospitalidade administrado por artistas". A hospedagem é supervisionada por artistas residentes, que moram no terceiro andar do prédio. Em troca de seu trabalho (cerca de 20 horas por semana) na pousada, como arrumar camas e aconselhar os hóspedes sobre atrações locais, eles recebem um quarto mobiliado, espaço de estúdio e um pagamento por hora que geralmente chega a US$ 800 mensais. Esse pagamento também inclui tempo – tempo para pintar, escrever, esculpir, cozinhar ou perseguir sua vocação, qualquer que seja.
Inspirado no 3B – um B&B de propriedade e administração coletivas em Nova York, no Brooklyn, que fechou em 2016 depois que o edifício mudou de dono –, o Travelers New Orleans é o segundo estabelecimento que Rutledge e seus sócios criaram com artistas comandando o show. O primeiro deles, também chamado Travelers, foi inaugurado há dois anos em Clarksdale, no Mississippi, onde Rutledge vive e trabalha como desenvolvedor.
Ele viu uma boa razão para levar o conceito para Nova Orleans. A cidade tem um setor criativo próspero que cresceu 59 por cento entre 2005 e 2016, mas o custo da habitação lá é alto para artistas com renda limitada.
De acordo com um relatório divulgado no verão passado pela Coalizão Nacional de Moradias de Baixa Renda, o locatário médio em Nova Orleans ganha US$ 16,25 por hora, o que é muito menos do que os US$ 20,73 necessários para pagar por uma casa média de dois quartos na cidade.
Durante mais de uma década, Rutledge e um parceiro eram proprietários de um lote vazio no Lower Garden District. O local era ideal para o projeto: estava a poucos quarteirões do Rio Mississipi, em uma parte da cidade que ficou relativamente intocada pela inundação do furacão Katrina graças a seu terreno elevado, e está perto de atrações como a rosada Grace King House.
Projetado pelo OJT, escritório de arquitetura local liderado por Jonathan Tate, o novo edifício de três andares segue certas convenções da área. Seu projeto longo e estreito se baseou na casa crioula (embora sem o telhado íngreme desse estilo), e a fachada é de tijolos cor de areia, que Tate elogiou por seu senso de "permanência, mas também por sua profundidade e riqueza material". O restante do revestimento é de fibrocimento, moldado para garantir uma aparência tradicional ao exterior.
A entrada dos hóspedes se dá através de um pátio lateral, que se abre para uma sala de estar cheia de móveis ecléticos, como um sofá rústico e espreguiçadeiras de rattan. A recepção (apenas no nome, já que no check-in não há contato) foi construída por um marceneiro local e é envolta em cianótipos, ou fotos azuladas, de palmeiras.
Pela manhã, os hóspedes podem tomar uma xícara de café na cozinha no térreo e ler o jornal a uma mesa comunitária. Os moradores locais também são encorajados a passar por aqui, observou Rutledge: "Se você precisa de um lugar para jogar cartas, ou se quer sair e tocar um pouco de música, venha fazer isso aqui."
Nos quartos de hóspedes, que custam em média US$ 185 por noite, não há rendas à vista, mas sim tapetes de fibra natural, edredons fofos e espreguiçadeiras dinamarquesas. Artistas residentes no Travelers Hotel Clarksdale fabricaram as mesas e as cabeceiras de compensado, que são pintadas de uma cor diferente em cada quarto – creme, ocre, cinza e azul-escuro.
A propriedade conta com até quatro artistas residentes. Todos os inquilinos se inscrevem on-line e passam por várias rodadas de entrevista. Por enquanto, o grupo inaugural inclui o primo de Williams, Walker Babington, que "pinta" com instrumentos como lança-chamas de propano. Os artistas compartilham uma sala de estar, uma cozinha e um deque na cobertura, com vista para o Crescent City Connection, o sistema de pontes que cruza o Rio Mississippi.
O grupo recebeu um orçamento de cerca de US$ 19 mil para projetar os próprios aposentos. Os móveis vieram de brechós, de vendas de garagem, do Marketplace do Facebook e da Renaissance Interiors, loja de consignação em Metairie, na Louisiana. Babington adicionou sua arte à sala de estar: um autorretrato desenhado no capô enferrujado de um velho Mercedes. Os móveis permanecerão depois do término das residências, que duram um ano ou mais.
"Qualquer artista com uma mala cheia de roupas pode entrar pela porta", disse Shana Betz, cineasta casada com Babington. O casal se mudou para o Travelers com sua filha de três anos em março, depois de um ano itinerante. Agora, eles e outra inquilina, a escritora Hannah Richter, estão prestes a se tornar coproprietárias da empresa que administra o hotel. A propriedade continuará pertencendo a Rutledge e seus sócios.
Richter planeja usar sua residência para desenvolver um portfólio de escrita para se candidatar a um programa de mestrado em artes. Descrevendo o apelo do Travelers, ela citou a escritora Virginia Woolf: "Este é um teto todo meu, onde posso viver e trabalhar sem muita distração."