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Noite de frio pede um vinho: entenda como escolher a sua garrafa

Quando chega o inverno, é hora de aproveitar para tomar aquele tinto potente que você tem na adega (ou correr para comprar um)

Vinhos: com noites de frio no Brasil, aprenda a escolher a garrafa ideal para aproveitar (Reprodução/Reprodução)

Vinhos: com noites de frio no Brasil, aprenda a escolher a garrafa ideal para aproveitar (Reprodução/Reprodução)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 20 de agosto de 2020 às 18h55.

Última atualização em 20 de agosto de 2020 às 19h02.

Poucas coisas combinam melhor com uma noite de inverno do que uma taça de vinho. Mas será que alguns vinhos harmonizam melhor com as temperaturas baixas do que outros? A escolha dos rótulos deve levar em conta em primeiro lugar a comida. Porém, sem dúvida, os vinhos mais encorpados costumam cair muito bem nas noites mais frias, como as que estão prometidas para este fim-de-semana no Sul e no Sudeste do Brasil.

O que é um vinho encorpado? É um vinho mais denso, com mais substâncias e partículas diluídas. Pense numa limonada e num suco de pêssego. Qual dos dois é mais encorpado? O suco de pêssego, é claro, porque ele costuma ter mais matéria sólida. "Na enologia, existem dois parâmetros para medir a concentração de um vinho: o extrato seco e o índices de polifenóis totais", conta o enólogo Alejandro Cardozo, sócio da EBV Vinificações. "O extrato seco é tudo aquilo que sobra se a gente desidratar o vinho. Os polifenóis estão contidos nesse extrato seco, mas podem ser medidos separadamente", diz.

As principais substâncias que constituem o vinho são açúcares, sais, ácidos, compostos fenólicos, compostos nitrogenados (nutrientes) e gomas, que fazem parte do extrato seco e os álcoois e outros compostos, como os aromas, que são voláteis. Ou seja, um monte de termos químicos que, alguns anos depois de terminar o ensino médio, a maior parte das pessoas não lembra do que se tratam.

Se o objetivo é escolher um vinho encorpado, o importante é saber como essas substâncias foram parar lá, ou seja, que tipo de uva e que processo de vinificação resultam em vinhos mais densos. Os tintos não são os únicos que combinam com noites de inverno, mas são a maior parte deles. Pois boa parte dessa matéria sólida vem da casca da uva e do contato do mosto com a casca que acontece lá no início do processo de vinificação. Brancos, na maioria, são feitos sem esse contato.

"O mais importante é a variedade", diz Cardozo. Há uvas, como a malbec e a tannat, que têm mais substências na casca e, portanto, transferem mais substâncias para o mosto, principalmente os tais compostos fenólicos. São o resveratrol (aquele que faz super bem para o coração), as antocianinas (corantes)  e os taninos, que dão estrutura para o vinho. Os açúcares também costumam vir da uva e boa parte dos ácidos. Mas a principal lição deste item é, se você quer um vinho encorpado, escolha vinhos feitos a partir de uvas famosas por isso. Além da malbec e da tannat, fique atento para os vinhos de baga, primitivo (ou zinfandel nos Estados Unidos), ancelota, carignan, terolgedo. A cabernet sauvignon, a merlot, a carmenérè, sangiovese e a tempranillo também podem render vinhos bem encorpados.

"O rendimentos dos vinhedos e grau de maturação na colheita também são muito importantes", diz Cardozo. A uva provinda de  vinhedos que têm um rendimento menor (menos cachos) tem menos água, é mais concentrada, portanto, resulta em vinhos mais densos. A uva que é colhida madura tem mais açúcar e rende vinhos mais alcoólicos. "Mas uma pinot noir de um vinhedo de baixo rendimento colhida muito madura não renderá um vinho mais encorpado do que uma tannat".

Também depende de como a uva é vinificada. Mais tempo de contato com a casca (maceração) significa mais máteria transferida. Então, se em algum lugar aparecer o termo maceração longa, é provável que o vinho seja encorpado. Mas é preciso haver o que transferir, claro. Muitas das substâncias, como os alcoóis se formam com a fermentação. Mas, antes de tudo, é preciso que o açúcar esteja na uva para ser transformado em álcool.  Além de dar mais corpo ao vinho, o álcool causa uma sensação de calor. Isso sem dúvida alguma combina com inverno.

Há ainda as substâncias que são transferidas durante o tempo de amadurecimento, principalmente, quando ele é feito em barris de carvalho novos. Eles transferem tanino para um vinho. Quanto mais tempo de estágio, mais taninos são incorporados.

Boa parte disso que foi dito acima costuma ter um custo. Os barris de carvalho novo são caríssimos. O tempo que uma garrafa leva para chegar ao mercado é capital empatado, portanto, estágios longos em madeira, maceração longa, tudo isso custa caro. A uva de baixo rendimento é uma uva que custa mais caro para o produtor. Então, não é fácil encontrar um vinho potente muito barato. A seguir alguns tipos de vinho que costumam ter mais corpo ou mais alcoól ou os dois.

Campanha Gaúcha 

A nova Indicação de Procedência do vinho nacional produz muitos vinhos nesse estilo encorpado e potente. A começar porque a uva mais típica na região é a tannat. Mas não é só isso. A região, que fica no extremo sul do país, na fronteira com o Uruguai, tem verões quentes e secos. A colheita coincide com o verão. Então as uvas amadurecem muito bem, livres de doenças, e concentram muito açúcar, o que resulta em muito álcool. Agora que a legislação brasileira permite vinhos finos com mais 15% de álcool, veremos muitos deles vindos da Campanha. Em 2019, esses vinhos receberam a classificação de vinhos nobres. São vinhos que vão bem com carnes, particularmente churrasco.

O Cordilheira de Sant’Ana Tannat 2007, de Santana do Livramento, é um ótimo exemplo de como o tannat brasileiro pode ser bom. Tem uma pitada de merlot (9%). Apenas 75% do vinho passou por barris de carvalho (americanos e franceses), por 30 meses. Essa vinícola é uma das poucas no mundo que solta vinhos no mercado com tantos anos de idade. Isso aumenta em muito a complexidade de um rótulo. Este ainda tem os aromas de fruta escura e os aromas da madeira estão super integrados. A graduação Alcoólica é 14%. Custa R$ 115, na KMM.

Um dos grandes vinhos do grupo Miolo, o Quinta do Seival Castas Portuguesas 2018 se encaixa na categoria de vinhos nobres. Tem 15% de álcool. Mas não se percebe, tamanho é o equilíbrio. Um corte de Touriga Nacional e Tinta Roriz, ele tem um nariz bastante intenso, com muita fruta escura. Na boca, tem bastante corpo, mas muito frescor. Produzido pelo enólogo português Miguel Almeida, é comparável a rótulos de qualidade de Portugal. Custa R$ 121, na loja online da Miolo.

Primitivo

Paixão nacional, os vinhos da uva primitivo conquistam pela concentração de fruta e também pela quantidade de açúcar da uva, que às vezes se expressa no vinho como um pouco a mais de açúcar residual e outras vezes como um teor alcoólico elevado. Esse seu caráter frutado faz com que ele seja uma boa opção de tinto para comer com queijos salgados. A uva é originária da Puglia, no sul da itália, uma região muito quente, mas que recebe o vento que vem do mar para refrescar os vinhedos e garantir uma acidez que equilibra o vinho.

O primitivo de Manduria foi o primeiro DOC do sul da Itália. Ele costuma ter mais qualidade do que os outros primitivos. O Dai Terra Rossa Trulli Primitivo di Manduria 2017 é escuro, mas translúcido. No nariz, além da fruta escura, aparecem especiarias e ervas. Na boca, tem boa acidez e fruta escura madura, que permane um bom tempo. Custa R$ 176, na World Wine.

A vinicola Lucarelli produz um Primitivo IGT Puglia que custa R$ 75 e é um dos primitivos que mais vende no Brasil. Muito gostoso. Mas, se você estiver disposto a investir em um grande primitivo,  o Luccarelli Primitivo di Manduria Old Vines 2016, do mesmo produtor, vai revelar todo o potencial da casta. No nariz, é bastante complexo, tendo, além das frutas escuros e o chocolate, alcaçuz, especiarias e outros aromas que vão aparecendo. Na boca, é redondo e aveludado. Sai por R$ 410, na Casa Flora.

Cabernet Sauvignon Chileno

O brasileiro cresceu (como consumidor de vinho) tomando cabernet sauvignon chileno. É comum ver as pessoas bebendo cabernet sauvignon até na praia em dia de sol. Mas, na verdade, o cabernet sauvignon combina muito mais com uma noite de inverno. Uva originária de Bordeaux, ela foi tradicionalmente usa para produzir vinhos potentes e austeros. É uma uva de casca grossa e bastante tânica. Rende vinhos estruturados. Nos últimos tempos, têm surgido cabernets um pouco mais leves e frutados, mas, mesmo assim, eles vão bem numa noite fria.

O Cono Sur Bicicleta Reserva Cabernet Sauvignon é um desses vinhos. Um vinho descompromissado, com aroma frutado e fresco na boca, vai bem para beber numa reunião de amigos (presencial ou virtual). Tem um pouco mais de açúcar residual 4,5 g/L, o limite do seco pela legislação brasileira é 4g/L. Isso faz com que ele tenha de ser classificado como meio seco e fique mais redondo na boca. É um vinho muito bem feito. A Cono Sur é uma vinícola butique do grupo Concha y Toro, que pratica agricultura sustentável, trabalha com quantidades menores do que a empresa-mãe e tem rótulos de ótimo custo-benefício. Importado pela La Pastina, custa cerca de R$ 60 nos supermercados.

O grupo tem uma outra vinícola, a Don Melchor, que produz um cabernet sauvignon chileno na sua máxima expressão. O Don Melchor 2017, que é a safra que comemora os 30 anos do rótulo, recebeu 95 pontos da revista Wine Spectator. Ainda está muito jovem. Um vinho desses pode durar 20, 30 ou mais anos. Tem 2% de cabernet franc. No nariz, é super complexo, com frutas vermelhas, frutas escuras, cacau, café, algo de terroso. Na boca, os aromas se repetem. Os taninos são muito presentes, mas muito delicados. Sai por R$ 749,00, na Encontre Vinhos.

Bordeaux

Referência para todos que querem produzir vinhos encorpados mas elegantes, a região de Bordeaux na França é um clássico. Por lá, os vinhos costumam ser assemblages. Ou seja, mistura de várias uvas. As castas mais usadas são a cabernet sauvignon, a merlot e a cabernet franc. A região se espalha pelas duas margens da foz do rio Gironde. Na margem esquerda, a uva predominante é a cabernet sauvignon. Na margem direita, a merlot. Ambos são vinhos que combinam com um cassoulet numa noite de inverno.

Segundo vinho do Chateaux Reynon, o Le Clos de Reynon é um dos rótulos com melhor relação custo-benefício do mercado. O primeiro vinho do château, que fica em Cadillac e pertence ao grupo Denis Dubourdieu Domaines, é incrível. Foi considerado pela crítica inglesa Jancis Robinson como equivalente aos grandes da margem direita e custa menos de um décimo do que eles custam. Mas esse segundo já é muito bom. E custa menos ainda. É um 100%, redondo como o merlot só é na margem direita do Gironde. Custa R$ 113,90 na Casa Flora.

Produzido pelo mesmo grupo, em um château do outro lado do rio Girone, o Clos Floridene Graves tem toda a elegância da margem esquerda. Este é o primeiro vinho dessa propriedade. Os aromas são os clássicos frutas vermelhas, cassis, especiarias. A madeira está super integrada, mas aparece no fundo. Na boca, os taninos finos impressionam. Custa R$ 243,90 na Casa Flora.

Ripasso e Amarone

Como dito acima, a concentração é que dá corpo para o vinho. Então, imagine que, se a uva for desidratada, o vinho fica mais concentrado. É justamente isso que se faz na região italiana de Valpollicella para se obter o potente amarone, um tipo de vinho hiper concentrado, que atrai milhões de fãs e costuma custar bem caro. As uvas são passificadas antes de serem vinificadas. O açúcar depois é todo transformado em álcool. Da mesma região, o Ripasso é feito com a adição do bagaço das uvas do amarone depois que essas foram separadas do mosto. Ali ainda existe muito tanino e muito material corante. Portanto, o ripasso também é um vinho potente.

Os ripassos também costumam ser caros, mas, se procurar, você consegue achar algo mais em conta. O Biscardo Valpolicella Ripasso Classico Superiore 2016 é um vinho bastante elegante apesar de potente. No nariz, tem até notas florais, chocolate, além da fruta vermelha e escura. Na boca, tem mineralidade e uma rugosidade interessante. Vai bem com um prato de carne com molho roti. Custa R$ 129,90, na Evino.

Um amorone é um vinho para uma ocasião bastante especial. Mas vale cada tostão. Como em tudo, um bom produtor pode fazer essa experiência ser inesquecível. É o caso do Zenato Amarone della Valpolicella Classico, um vinho de uma potência incrível, com 16,5% de álcool, que passa 36 meses nos barris de carvalhos. Tem uma grande complexidade aromática, com aromas que vão da fruta vermelha ao terroso, passando pelo cassis e pelo tabaco. Na boca, é super reddondo. Fica em R$ 898 na World Wine.

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