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No Reino Unido, governo pagou metade da conta para ajudar restaurantes

Para convencer as pessoas a comerem fora, em agosto, o governo britânico pagou 50% das refeições de até 10 libras feitas em restaurantes, bares e cafés

Reino Unido: o "Eat Out to Help Out" foi uma iniciativa do governo para socorrer restaurantes (Alexander Ingram/The New York Times)

Reino Unido: o "Eat Out to Help Out" foi uma iniciativa do governo para socorrer restaurantes (Alexander Ingram/The New York Times)

MD

Matheus Doliveira

Publicado em 26 de setembro de 2020 às 08h08.

Quando o governo britânico disse às pessoas que a quarentena não era mais necessária, precisava de um discurso convincente para fazê-las sair e, principalmente, gastar dinheiro.

A resposta: refeições com descontos. Para o mês de agosto, o governo pagou 50 por cento em todas as refeições feitas em restaurantes, bares ou cafés, até 10 libras (US$ 13) por pessoa, às segundas, terças e quartas-feiras.

Foi um desconto que os britânicos aceitaram com prazer.

Nas três primeiras semanas do programa Eat Out to Help Out, 64 milhões de refeições – o suficiente para quase toda a população britânica de cerca de 67 milhões – foram consumidas com o desconto, o que custou ao governo 336 milhões de libras (US$ 441 milhões).

Quando Rishi Sunak, principal autoridade financeira do Reino Unido, anunciou o desconto em julho, descreveu-o como "um meio pioneiro" de apoiar o 1,8 milhão de pessoas que trabalham na indústria da hospitalidade. Entre abril e junho, a produção econômica do setor despencou 87 por cento. "Eles precisam do nosso apoio, e com essa medida todos podemos comer fora para ajudar", afirmou.

No primeiro dia, três de agosto, as vendas de alimentos aumentaram cem por cento em relação à segunda-feira anterior, de acordo com a CGA, consultoria que rastreia dados sobre comida e bebida no Reino Unido.

"As pessoas, inclusive eu, subestimaram o efeito que isso teria", disse David Williams, coproprietário do Baltic Market, que abriga cerca de uma dúzia de vendedores de comidas e bebidas de rua dentro de uma cervejaria convertida do século XIX, em Liverpool.

A indústria de restaurantes agradece a volta dos clientes, mas se questiona se um desconto temporário pode desencadear uma recuperação sustentável.

A oferta do governo, auxiliada por um clima agradável em agosto, havia encorajado os clientes a voltar aos restaurantes, especialmente às mesas ao ar livre oferecidas por muitos estabelecimentos. Porém, se os comensais se recolherem quando estiver muito frio para jantar ao ar livre, ou se o desemprego aumentar quando o programa de licenças terminar em outubro, o que poderá acontecer?

"No momento, estou tentando realmente desfrutar tudo. Mas não posso deixar de sentir que estamos em um período de lua de mel e que em outubro, com o fim das refeições ao ar livre e o fim das licenças, teremos uma paisagem e uma história bem diferentes", comentou Williams.

Kate Nicholls, executiva-chefe do UKHospitality, um grupo comercial, acrescentou: "As pessoas estão aproveitando o sol, e vendo-o como uma oportunidade de retomar certo grau de resiliência, caso as multidões de agosto diminuam no outono."

Em uma noite recente de terça-feira, a área do Soho, no centro de Londres, havia assumido um clima festivo. A chuva não veio, e as ruas foram fechadas ao tráfego para permitir que os restaurantes colocassem mesas do lado de fora. Bandeirolas fizeram com que as mesas socialmente distantes parecessem mais alegres, e não um lembrete dos riscos à saúde.

Em várias ruas, não havia uma única mesa vazia – e elas estavam tão barulhentas quanto em qualquer noite de verão pré-pandemia. Isso quase disfarçou o fato de que o centro de Londres está quase desprovido de trabalhadores de escritório e turistas, com a maioria dos teatros e outras atrações ainda fechados.

Antes da pandemia, "este era o lugar para estar", disse Stani Visciano, o maître do Lina Stores, um restaurante italiano no Soho. Em uma noite típica, uma fila de clientes já está à espera quando o restaurante abre às 17h. A multidão pré-teatro se transformou na multidão do jantar, e qualquer um sem reserva enfrentava uma longa espera, segundo ele.

Nessa terça-feira à noite, o restaurante estava lotado – e novamente na quarta-feira.

Mas a receita não é a mesma. A freguesia pré-teatro se foi. Antes do distanciamento social, o restaurante poderia acomodar 52 pessoas. Agora, totalmente reservado, significa 40 comensais por vez – quase 25 por cento de clientes a menos.

A economia britânica se saiu pior do que qualquer outra na Europa no segundo trimestre do ano, devido a um período de bloqueio mais longo e à forte dependência dos gastos dos consumidores. Para sair desse buraco, o país precisa que a população volte aos bares, restaurantes e cafés em grande número. O governo reservou 500 milhões de libras para o desconto, um montante que os economistas não consideraram particularmente vultoso em comparação com os 190 bilhões de libras que o governo pretende gastar na recuperação econômica da pandemia.

Depois de passar meses alertando as pessoas para os perigos dos espaços públicos internos, o governo agora tem de convencer a todos de que é seguro voltar aos hábitos anteriores. Ao longo desta crise, o governo recorreu a economistas comportamentais para ajudar a elaborar diferentes partes de sua resposta – e seus princípios parecem estar bem presentes no programa Eat Out to Help Out.

"Há duas forças psicológicas em jogo", declarou Ivo Vlaev, professor de Ciência Comportamental da Escola de Administração Warwick, que tem aconselhado o governo e o Serviço Nacional de Saúde sobnare sua comunicação em resposta à pandemia. (Ele não trabalhou no plano de desconto nas refeições.)

De acordo com ele, a primeira é a criação de hábitos. Quando alguém faz algo e recebe uma recompensa, como o desconto de 50 por cento, da próxima vez que a mesma situação surgir a memória da recompensa vai incentivar uma repetição da ação – e isso continua até que a situação por si só, mesmo sem a recompensa, possa desencadear a ação.

O desconto gastronômico do governo pode ser particularmente eficaz no caso de quem faz pausa para o almoço, disse Vlaev: "É uma maneira muito poderosa de mudar as pessoas, habituando seu comportamento, porque elas agem no piloto automático."

A segunda força é conhecida como "compromisso psicológico", explicou Vlaev: a fim de fazer as pessoas concordar com algo grande, você as faz concordar com algo pequeno primeiro. Os britânicos podem concordar em aproveitar o desconto do restaurante, mas, uma vez que saiam e se divirtam, o governo pode mais facilmente lhes pedir que voltem para os escritórios, as academias, os teatros e assim por diante.

Até agora, o experimento está funcionando.

Uma pesquisa da CGA descobriu que quase 40 por cento das pessoas que usaram o desconto Eat Out to Help Out estavam jantando fora pela primeira vez desde que a quarentena nacional começou no fim de março – um sinal de que estava conquistando pessoas que se acostumaram a ficar em casa. O desconto também encorajou famílias e clientes mais velhos a voltar, informou Nicholls, da UKHospitality. Não houve relatos de picos nos casos de coronavírus ligados ao programa.

Mas, mesmo que os clientes queiram continuar vindo, os restaurantes enfrentam muita incerteza.

Metade dos restaurantes britânicos ainda está fechada, de acordo com Nicholls. O governo decretou uma moratória sobre o confisco de imóveis comerciais por causa do aluguel não pago por seis meses, efetivamente permitindo que as empresas atrasassem o pagamento até o fim de setembro, quando os próximos três meses de aluguel deverão ser pagos.

Essa dívida pesada de aluguel, que se acumulou nos últimos seis meses, é "o maior problema pendente" enfrentado pelos restaurantes e pela indústria da hospitalidade em geral, disse Nicholls.

E, embora o programa Eat Out to Help Out possa ajudar a mudar o comportamento do consumidor, ele não abordou o modo como cada estabelecimento vai compensar a capacidade reduzida, ou o que acontecerá quando estiver muito frio para jantar fora. Uma pesquisa recente do Instituto Nacional de Estatísticas descobriu que apenas 43 por cento das pessoas se sentiam confortáveis comendo em um local fechado.

O Baltic Market agora tem capacidade para 150 a 200 pessoas, na melhor das hipóteses um terço do número de pessoas que recebia antes. Os proprietários relatam que, para acomodar mais gente durante o outono e o inverno, estão construindo cabines aquecidas para que mais clientes possam continuar jantando do lado de fora.

"Essa é a grande preocupação. Obviamente, não moramos na Califórnia ou em Dubai, vivemos no Reino Unido. Portanto, há um período finito no qual você quer comer um prato de massa lá fora", observou Williams.

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