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Mindfulness: em busca de foco

Alvaro Bodas Você está trabalhando pesado em um projeto importante e com prazo de entrega apertado. Mas, provavelmente, faz e pensa em várias coisas ao mesmo tempo. Tem um olho na tela do micro, outro no celular, os ouvidos atentos ao chefe e às pessoas ao redor. Mensagens de WhatsApp, profissionais e particulares, pipocam a […]

MINDFULNESS: na Austrália, a operadora Virgin estimula a prática de meditação contra o uso excessivo das redes sociais  / Brendon Thorne/ Getty Images

MINDFULNESS: na Austrália, a operadora Virgin estimula a prática de meditação contra o uso excessivo das redes sociais / Brendon Thorne/ Getty Images

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Da Redação

Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 22h37.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.

Alvaro Bodas

Você está trabalhando pesado em um projeto importante e com prazo de entrega apertado. Mas, provavelmente, faz e pensa em várias coisas ao mesmo tempo. Tem um olho na tela do micro, outro no celular, os ouvidos atentos ao chefe e às pessoas ao redor. Mensagens de WhatsApp, profissionais e particulares, pipocam a todo instante, se misturando aos alertas do Messenger, Outlook, Instagram, Snapchat e notícias de um site aberto no seu navegador. Tem também os aniversários no Facebook. Você se lembra que combinou de almoçar com um amigo que não vê há meses, e depois tem que pegar o carro na oficina e pagar uma conta. Mas espere aí: o que você estava fazendo mesmo?

Sim, você continua trabalhando naquele projeto, mas a sua atenção não está totalmente dedicada a ele. Sua mente se dispersou com outros estímulos, pensamentos e preocupações. A isso os especialistas chamam operar no “piloto automático”. Significa que a atenção não está totalmente voltada para o que está acontecendo no presente e no que está perto de você, mas vagando em outras direções. Pesquisas mostram que operamos nesse piloto automático quase 50% do tempo, ou seja, durante metade de nossas vidas não damos atenção àquilo que estamos fazendo ou vivenciando. E, quando a mente vagueia, abrimos as portas para o estresse, a ansiedade e a depressão, além de correr mais riscos de sofrer acidentes e perder produtividade.

Foco, foco, foc

Um número crescente de executivos e companhias estão usando uma nova técnica para evitar situações como as descritas acima: o mindfulness. O mindfulness poderia ser descrito como um estado mental de consciência e atenção plena, no momento presente e no que está acontecendo. Uma atenção à experiência presente, mas sem julgá-la, criticá-la ou reagir a ela. “É uma ferramenta que, com base em práticas e cultivo da atenção, ajuda a controlar o estresse, a ansiedade e até a depressão. O mindfulness não é meditação, mas usa algumas técnicas de meditação, e você pode aplicá-las no trabalho e na vida pessoal”, esclarece Marcelo Demarzo, coordenador do Centro Mente Aberta, da UNIFESP.

Ao praticar o mindfulness, o indivíduo experimenta um estado de concentração em si mesmo e nas experiências, atividades e sensações do presente, sem pensar no passado ou no futuro. É a chamada “atenção plena” ou “consciência plena”.

Entre os adeptos estão gigantes como a rede social LinkedIn, o Twitter, o Facebook, a empresa de tecnologia Intel e incontáveis startups do Vale do Silício. A prática chegou também a companhias como a gestora de fundos BlackRock, o banco Goldman Sachs, a varejista Target e a empresa de alimentos General Mills. O Google gosta tanto da técnica que criou um programa todo destinado a ela, o Search Inside Yourself (busque dentro de você mesmo, em inglês). Inspirado na sede americana, a filial da empresa em São Paulo também tem grupos de mindfulness, e funcionários se isolam em uma sala antes do almoço para passar 20 minutos tentando tranquilizar a mente e aumentar o foco.

A técnica se popularizou nas grandes empresas como um meio de aliviar o estresse, melhorar a concentração, a atenção e a capacidade mental e, é claro, a produtividade. Para isso, a pessoa se concentra, durante um período, na própria respiração, nos batimentos cardíacos ou em partes do corpo. “Durante o exercício, o cérebro é treinado para focar a atenção em uma coisa só e no presente, sem julgar ou reagir. Por isso a técnica, além de aumentar a concentração e a eficiência, estimula a empatia e melhora os relacionamentos, pois torna as pessoas mais receptivas e menos reativas”, afirma o psicólogo Marcelo Oliveira, um dos fundadores do Centro Paulista de Mindfulness.

A empresa de tecnologia IBM é uma das que utilizam o mindfulness no dia a dia, com workshops para explicar o que é a técnica, sessões semanais de meia hora cada e também organiza programas de oito semanas, há um ano e meio. “Temos pessoas treinadas e capacitadas para aplicar essas atividades nas filiais da IBM. Desde que começamos, 96 funcionários já passaram pelo treinamento de oito semanas” conta Natasha Bontempi, facilitadora de treinamento e instrutora de mindfulness da IBM.

Entre as melhorias na qualidade de vida dos praticantes estão o aumento da criatividade, da memória e da rapidez em obter respostas para problemas complexos. “Na IBM, no início houve até uma certa resistência, o que é normal, porque as pessoas tendem a associar com religião, espiritualidade ou esoterismo, mas depois elas veem que não é nada disso”, conta Natasha. Segundo ela, o mindfulness aumenta as conexões entre os neurônios e promove o autoconhecimento e a empatia. “Notamos melhorias nos relacionamentos profissionais e pessoais e houve até benefícios em casos de doenças crônicas”, afirma.

Luiz Guilherme Ferreira, executivo de impostos da IBM, lidera uma equipe de mais de 20 pessoas, já praticou meditação e usa as técnicas de mindfulness há mais de seis meses. “Os benefícios vêm rápido: mais concentração, organização e redução do estresse no trabalho. Depois de uma reunião tensa, por exemplo, normalmente as pessoas ficam pensando na reunião, revivendo sentimentos negativos por horas. Já o praticante de mindfulness aprende a controlar os pensamentos e as emoções e não fica revivendo o que já passou. Ele se concentra no presente.”

Na Austrália, por exemplo, a operadora de telecom Virgin apoia desde 2016 a Smiling Mind, uma organização voltada para a difusão do mindfulness. A proposta da Smiling Mind é repensar o papel que os smartphones têm em nossas vidas e incentivar a prática de meditação no ambiente de trabalho e nas escolas. A ONG afirma já ter treinado a técnica em mais de 200 empresas, impactando a vida de 20.000 pessoas — além de ter capacitado 18.000 professores. Smiling Mind também possui um app que ajuda a reduzir o estresse e aumenta a sensação de bem-estar.

O modo como a prática é implantada na organização faz toda a diferença, e conquistar primeiro as lideranças é fundamental. Na 3M, que utiliza as técnicas de mindfulness desde 2014, os líderes foram os primeiros a serem treinados, “compraram” a ideia e funcionaram como multiplicadores. “Começamos com o programa de oito semanas para as lideranças, e mais de 250 deles concluíram. Depois aplicamos um módulo de quatro horas, do qual já participaram 400 pessoas, e por fim implantamos um de duas horas, com diferentes temas, exercícios e finalidades”, conta Cristiane Lo Ré, business partner de RH da 3M, que acrescenta: “como ainda é uma prática nova no Brasil e diferente de qualquer outro treinamento, as pessoas podem estranhar um pouco no início. Na 3M, o nosso presidente e as lideranças se envolveram, e não obrigamos ninguém a ir, apenas convidamos a todos para ao menos experimentar. E tivemos uma aprovação de cerca de 85%”.

Do Oriente para o Ocidente

Pode-se dizer que o mindfulness é uma técnica que usa exercícios de meditação e de tradição asiática adaptados para o Ocidente. Ficar quieto e prestar atenção em você mesmo e ao seu mundo interno é uma das principais regras das escrituras sagradas indianas e das tradições milenares chinesas, que pregam o olhar para dentro e o foco no presente, deixando o passado para trás e não criando expectativas em relação ao futuro.

Nos anos 70, Jon Kabat-Zinn, na época um estudante do MIT assistiu a uma palestra de um mestre zen e começou a meditar, o que mudou sua vida. Em 1979, depois de um retiro, ele e mais dois colegas abriram uma clínica experimental onde ensinavam técnicas de meditação budistas para pacientes com dores crônicas e estresse, com ótimos resultados. O programa, estruturado em oito semanas, foi incorporado pela Faculdade de Medicina da Universidade e batizado de Redução do Stress Baseada em Mindfulness. Zinn está hoje com 72 anos, ainda dá aulas em Massachusetts, já publicou inúmeros livros e seu método é seguido por mais de 700 clínicas e centros médicos em todo o mundo.

Presentes em diversas tradições culturais, religiosas e filosóficas, as técnicas de mindfulness, bem como outras práticas meditativas, têm sido cada vez mais incorporadas na prática clínica contemporânea, especialmente na psicologia e na medicina. O mindfulness, hoje, já é empregado em alguns países para tratamento de depressão, ansiedade e dependência de drogas, com resultados positivos. Como a prática estimula o autoconhecimento, o controle e equilíbrio emocional, ela acaba ajudando no tratamento dos males que têm o estresse como raiz causadora.

O exercício da mente

Graças a experimentos com equipamentos que monitoram o cérebro, a meditação já não é mais vista pela maioria dos ocidentais como algo puramente espiritual ou “esotérico”. A ciência já demonstrou que a prática altera efetivamente o funcionamento do organismo. O neurocientista americano Richard Davidson, referência mundial na área e pesquisador da Universidade de Wisconsin-Madison, colocou monges tibetanos em máquinas de ressonância magnética e provou que o córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo raciocínio, atenção e controle das emoções, era mais ativa nos monges.

Estudos recentes mostram que a meditação funciona como uma espécie de “musculação mental”, turbinando capacidades como foco, criatividade, concentração e rapidez para tomar decisões, habilidades muito valorizadas no mundo corporativo. Como a meditação ensina e desenvolve a capacidade de se concentrar, isso favorece a criatividade e a tomada de decisões, já que a pessoa presta mais atenção ao que está fazendo e vai fundo na tarefa, abandonando o tal do “piloto automático”, que é trabalhar de maneira mecânica, sem se concentrar no que está fazendo.

O gerente de manufatura da 3M José Cristiano Campagnoli participou do primeiro treinamento de mindfulness da empresa, em 2014, e hoje faz cinco minutos de exercícios diariamente, antes do trabalho. “Além de melhorar a criatividade, a concentração e o foco, passei a prestar mais atenção nos outros e ouvir as opiniões sem julgar de forma precipitada. Isso te torna mais responsivo do que reativo e faz tomar melhores decisões, inclusive na vida pessoal.”

Segundo Marcelo Demarzo, da Unifesp, os exercícios também favorecem uma abertura maior para novas ideias e pontos de vista”. Mas, e o tão propagado e requisitado profissional “multitarefa”, que faz várias coisas ao mesmo tempo? Parece que as empresas estão percebendo que quem tenta fazer muita coisa ao mesmo tempo, acaba não fazendo nada direito. “Isso gera estresse, ansiedade e perda de energia e eficiência, porque o funcionário nunca está verdadeiramente concentrado no que está fazendo. Está pensando em tudo, mas não consegue realizar nada”, explica.

Cristiane, da 3M, aponta que o mindfulness pode ajudar muito a lidar com as inúmeras demandas e estímulos do mundo corporativo: “as multitarefas vão continuar porque as empresas precisam de resultados. A questão é como cada um reage e lida com isso, e é aí que o mindfulness faz toda diferença”. A prática dá ao indivíduo mais controle sobre si mesmo, por isso desenvolve a capacidade realizar uma atividade sem dispersão — algo ainda mais importante nessa era com as distrações do Facebook, Instagram, Snapchat e dos grupos de WhatsApp.

Experimente

Se você quiser experimentar um pouco da prática em casa ou no seu dia-a-dia, siga os passos abaixo:

Em casa

1 – Escolha um lugar confortável, tranquilo e silencioso, onde não possa ser interrompido. Desligue os telefones e use protetores auriculares.

2 – Acomode-se, feche os olhos e comece a respirar devagar e profundamente. Procure mover o abdômen, e não o peito. Observe os movimentos e concentre sua atenção na sensação do ar entrando e saindo.

3 – Observe os pensamentos que vêm à sua mente, mas não tente alterá-los.

4 – Volte a atenção para o seu corpo. Lentamente, observe a postura, o contato com a superfície, a sensação dos pés no chão, a textura das roupas.

5 – Começando pelos pés, faça um “escaneamento” corporal, percorrendo cada parte do seu corpo pausadamente, focando a atenção nas sensações que encontra. Não julgue nem tente mudar nada, apenas perceba.

Ao andar

Ao caminhar, preste atenção na gravidade agindo sobre o seu corpo, a pressão na sola dos pés, o balanço dos braços. Se algum pensamento o distrair, do tipo: “lembrar de abastecer o carro hoje à noite”, descarte-o e retorne a atenção para o seu corpo.

Ao comer

Ao comer, preste atenção ao aroma de cada alimento. Leve as garfadas à boca lentamente e sinta a textura da comida, a temperatura, a sua salivação, o esforço ao mastigar e as sensações ao engolir.

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