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Mia Couto: "Nós, humanos, não somos tão importantes assim"

A pandemia do coronavírus nos ensina a lidar com o medo e com a imprevisibilidade, disse o escritor moçambicano durante a Fliss

O escritor Mia Couto: pandemia nos ensina a lidar com a instabilidade (Divulgação/Divulgação)

O escritor Mia Couto: pandemia nos ensina a lidar com a instabilidade (Divulgação/Divulgação)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 30 de agosto de 2020 às 08h56.

Última atualização em 31 de agosto de 2020 às 14h52.

O legado que fica à sociedade da pandemia do coronavírus, acredita o escritor e biólogo moçambicano Mia Couto, é o da reflexão coletiva. O pós-pandemia será da aceitação da fragilidade, da aceitação de que um pequeno vírus foi capaz de parar a civilização que se formou. “Nós sempre nos colocamos como o grande motor e não somos. E foi um pequeno vírus quem fez esse alerta. O grande motor da vida não são vocês. Somos apenas mais um nessa orquestra”, afirmou Couto, expoente da literatura e um dos autores mais conhecidos de Moçambique, durante o terceiro dia da Fliss, a Festa Literária Internacional de São Sebastião, que acontece virtualmente.

Membro da Comissão Técnica e Científica de Assessoria ao Governo de Moçambique para a covid-19, Couto fez barulho em março ao afirmar “que o vírus não pode ser o vilão da história”. Na época, ele explicou que “os vírus são os grandes maestros da orquestra da vida, os mensageiros e agentes de troca entre o mais diverso patrimônio genético”. E lembrou que nosso genoma incorpora elementos virais.

O alerta visa lembrar que esta não será a última pandemia enfrentada pelo mundo. É preciso nos prepararmos ao invés de achar que está tudo sob controle.

A afirmação de que o vírus não poder ser o vilão da história foi lembrada por Adriana Saldanha, diretora-geral da Fliss, durante um bate papo online realizado ontem, no sábado 29. O escritor e biólogo lembrou que é necessário que aprendamos a linguagem do vírus. A saúde da civilização moderna, apontou, nasce dessa compreensão e desse equilíbrio. “Uma parte grande, cerca de 10% dos nossos genes, não são humanos, mas fragmentos e bactérias que foram incorporados. Não somos tão importantes como pensamos”, alerta o escritor e biólogo.

Ter consciência disso e viver sem fazer drama é um dos primeiros aspectos para evoluirmos. Uma importante lição que ele ensina é nos desfazermos da ideia equivocada de um poder absoluto enquanto sociedade e indivíduo. “Seria importante que escola e família ensinassem a conviver com a falha, o erro e a ignorância. É importante enfrentarmos o medo, uma vez que ele não nos ajuda.” O medo a que ele se refere é o medo do caos e da imprevisibilidade.

Sobre o pós-pandemia, Couto não parece estar muito otimista. Ele lembrou que, muito antes da covid-19, o mundo já assistia à falência de várias instituições e citou a dificuldade de tornar hábitos simples uma rotina em determinados lugares do mundo. “Dizem que devemos lavar as mãos, mas a maior parte dos moçambicanos não têm acesso à água e nem ao sabão”, lamentou.

Dos grandes autores que impactaram Couto, o escritor destaca o português Fernando Pessoa e o russo Anton Tchekhov. O primeiro o fez abrir a mente não só para a literatura, mas especialmente para a compreensão e aceitação dos conflitos internos. “Somos feitos de muita gente. Parece algo banal, mas não é.”

Isso se refere ao corpo físico do homem e também à oralidade. “A biologia me deu isso. Sou humano e sou feito de várias outras criaturas que existem dentro de mim. Eles me fazem ser quem eu sou”, comentou o escritor que defende que todas as disciplinas, incluindo química, física e batemática, sejam ensinadas como a literatura. A partir de histórias.

Baseado em Maputo, capital de Moçambique, Couto lembra das riquezas de seu país. São 25 línguas presentes no cotidiano e várias culturas vivas.

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