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Mais relógios, menos bancos: o novo soft power da Suíça

Enquanto Genebra comemora o sucesso do salão de relojoaria Watches & Wonders, Zurique ainda digere a venda do Credit Suisse

Evento da Watches & Wonders em Genebra: festa na cidade. (WWGF/KEYSTONE/Pierre Albouy/Divulgação)

Evento da Watches & Wonders em Genebra: festa na cidade. (WWGF/KEYSTONE/Pierre Albouy/Divulgação)

Ivan Padilla
Ivan Padilla

Editor de Casual e Especiais

Publicado em 31 de março de 2023 às 06h15.

Última atualização em 2 de abril de 2023 às 12h41.

A divisão na Suíça entre a área de influência francesa e a região de língua alemã nunca ficou tão evidente. Genebra, onde se fala francês, está em festa nesta semana devido ao enorme sucesso do salão Watches & Wonders, em um momento histórico para a indústria nacional de relojoaria.

Em compensação, Zurique, na parte alemã do país, tenta entender se um dos mais tradicionais monumentos da cidade ainda faz sentido. Na estação central de trem, em frente à Bahnhofstrasse, a sofisticada rua de lojas de grifes, fica uma estátua de Alfred Escher, o fundador do banco Credit Suisse.

Na semana passada, o Credit Suisse, fundado há 167 anos, precisou ser resgatado da falência em uma ação coordenada pelo governo do país, ao ser adquirido por seu maior rival, o grupo UBS Group AG, uma operação de 3,23 bilhões de dólares.

A Suíça sempre foi um exemplo para o sistema bancário internacional, com rígidos padrões de regulamentação e de governança corporativa. Mas essa estabilidade passou a ser questionada após o Credit Suisse tomar um prejuízo de 15 bilhões de dólares, após falhas na análise de riscos de duas empresas que foram à falência.

Hoteis lotados em Genebra

A histórica divisão cultural e linguística serve para ilustrar o momento atual da Suíça. Há quatro idiomas oficiais no país: francês, alemão, italiano e romanche, uma língua de origem românica, falada por pouquíssimas pessoas. Cerca de 20% da população fala francês e 65% usa o alemão.

Há ainda o chamado alemão suíço, uma variação bastante peculiar falanda nas ruas. Nas áreas fronteiriças costuma-se falar os dois principais idiomas, alemão e francês, mas não é incomum que a comunicação entre as duas populações ocorra em inglês.

O sentimento de unidade da Suíça como nação vem em boa parte do simples isolamento geográfico do país pelos Alpes, dos valores liberais e também da economia. Para o mundo, o novo soft power suíço estará agora na indústria relojoeira? Pelo intenso movimento em Genebra nesta semana, talvez.

Não havia um quarto de hotel vago sequer na segunda maior cidade da Suíça devido ao enorme sucesso do salão Watches & Wonders, realizado entre 27 de março e 2 de abril. De hotéis luxuosos na beira do charmoso Lago Léman como Four Seasons, President Wilson e Fairmont aos acanhados três estrelas do centro, todos estavam com lotação máxima. Os estimados 50.000 visitantes que vieram participar da feira este ano precisaram se hospedar nas cidades em volta, como Annecy, já na França, a 50 quilômetros, ou Lausanne, a uma hora de carro.

A entrada do Palexpo, o enorme centro de convenções onde aconteceu o salão, chegava a demorar meia hora nos horários de pico, com filas tumultuadas na frente das esteiras de controle. Era difícil conseguir uma mesa para almoçar nos intervalos das reuniões e das demonstrações.

Preferência por relógios mais caros

A relojoaria suíça vive seu melhor momento. Em 2022, o valor de exportações de relógios suíços foi de 24,8 bilhões de francos suíços, 11,4% a mais do que no ano anterior, segundo a Fédération de l’Industrie Horlogère Suisse. Antes disso, o melhor ano havia sido 2014, com 22,25 bilhões de francos suíços.

Mais dinheiro com menos relógios, na verdade. O número de peças vendidas foi de 15,8 milhões de unidades, praticamente o mesmo de 2021. Ou seja, modelos mais caros estão na preferência dos consumidores. A faixa que mais cresceu no ano passado foi a categoria premium, de relógios com preço final acima de 3.000 francos suíços, em 15,6%.

Esta tem sido uma tendência da indústria, pelos lançamentos do Watches & Wonders deste ano. A maioria das manufaturas investiu em modelos mais sofisticados, com metais nobres como platina e titânio e complicações como turbilhões. Mesmo marcas mais esportivas como TAG Heuer e Oris apresentaram peças com diamantes incrustrados.

O crescimento do mercado se deu mesmo com algumas situações adversas, como a redução de compra dos clientes russos devido à guerra na Ucrânia, falta de alguns componentes que tem limitado algumas linhas de produção e ao fechamento da China devido à pandemia.

DJs e food trucks nas ruas de Genebra

O Watches & Wonders é o salão de relojoaria mais importante do mundo. Trata-se de uma grande celebração da indústria, em que jornalistas são chamamos para ver as novidades e os revendedores comparecem para ver em mãos os relógios lançados e assim fechar os pedidos de compra.

Este ano participaram 48 marcas, entre as mais importantes do setor, como Rolex, Cartier, Patek Philippe, Vacheron Constantin. Mas não apenas. Cerca de outras 130 manufaturas, como a Bulgari, aproveitam o movimento da cidade para fazer mostras individuais ou pequenas feiras paralelas.

Este ano houve uma inovação no formato do salão. Outros eventos oficiais foram celebrados pela cidade, como festivais nas ruas com bandas e apresentação de DJs na Quai Général Guisan, food trucks e até uma espécie de caça ao tesouro, em que as pistas estavam escondidas em QRs codes em pontos turísticos ligados à relojoaria.

Neste fim de semana, pela primeira vez o salão está sendo aberto ao público, a partir de primeiro de abril. E não é mentira. Para um salão que sempre se pautou pela exclusividade, é uma mudança e tanto, que busca dar ainda mais visibilidade ao relógio como produto.

A nova embalagem do Toblerone

Os bancos suíços não são os únicos símbolos nacionais em questionamento. Desde a última guerra em que se envolveu, em 1815, o país construiu uma imagem de neutralidade. Mas países da União Europeia vêm questionando a Suíça a sair dessa posição em relação à guerra na Ucrânia.

Armas e equipamentos bélicos fabricados pela Suíça e vendidos a outros países só podem ser novamente exportados com autorização do governo. A Alemanha está pressionando Bern, a capital administrativa suíça, a autorizar essa venda para ajudar a Ucrânia. Se isso acontecer, será um marco bastante relevante.

Até na comida a Suíça vive uma crise de identidade. Recentemente, o país perdeu uma apelação para tornar o queijo gruyére, originário da região de mesmo nome no cantão de Fribourg, como produto de denominação controlada. E o icônico Toblerone está deixando de ter o Matterhorn impresso nas embalagens depois que a Mondelez tomou a decisão de transferir a produção para a Eslováquia.

Enquanto isso, os painéis luminosos das marcas de relógios no alto dos prédios em volta do lago Léman, tão característicos de Genebra, brilham com intensidade. Para dentro e para fora do país.

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