Moda: pandemia fez surgir novos hábitos de consumo, que podem perdurar para depois das medidas de isolamento e quarentena (Cavan Images/Getty Images)
Beatriz Correia
Publicado em 4 de agosto de 2020 às 11h00.
A pandemia do novo coronavírus veio para mudar o mundo como o conhecíamos. Além das vidas perdidas e dos prejuízos de empresas e negócios, ela tem alterado hábitos, dos sociais aos de consumo. O mercado de moda não ficou fora disso. Muitas pessoas perderam o emprego, o consumo caiu e eventos foram cancelados em todo o mundo. A saída foi se reinventar, mas algumas mudanças podem perdurar para além do fim da pandemia.
Com a quarentena, o consumidor deixou de ir às lojas. O foco nesse momento se voltou mais ainda ao online. Foi pensando nisso que Rafaella Gimenes estruturou a ideia da HI-LO. A proposta da startup de moda focada no público feminino é dividida em dois serviços. A consultoria de imagem e o clube de assinaturas.
A consumidora faz um cadastro no site e envia fotos de peças que já possui no guarda-roupa. Em seguida, um sistema de inteligência artificial faz a combinação de cada peça com as opções disponíveis no site. Basicamente, robôs escolhem seu look. A partir disso, a cliente pode assinar o clube pelo qual recebe semanalmente uma quantidade de peças para “testar”. Toda semana uma nova leva de roupas é enviada à cliente e a anterior é retirada. A ideia é que a assinante tenha acesso a diversas peças, novas marcas, tendências e modelos.
Após experimentar, é possível escolher quais peças comprar. Quando o processo é finalizado, a assinante recebe uma peça nova enviada pela marca.
“O algoritmo consegue entender não somente respostas como cores e tecidos, mas também a intenção do uso daquela peça como uma ferramenta de comunicação não-verbal. Ou seja: se aquela peça transmite conceitos de autoridade, jovialidade, maturidade. Com as respostas, também conseguimos entender a zona de conforto estética de cada cliente e quais são os produtos que mais podem ajudá-lo em seus objetivos pessoais e profissionais”, explica Rafaella.
A plataforma funciona como um marketplace e tem várias marcas parceiras. Já o clube de assinatura atende só a cidade de São Paulo, por enquanto, e tem pacotes de 10 peças por mês pelo valor de R$ 480,00; ou 30 peças por mês por R$ 890,00. O site também oferece opções personalizadas como looks para festas ou viagens.
O estudo “State of Fashion”, feito pela consultoria McKinsey & Company aponta as tendências do setor de moda para o pós-pandemia. A pesquisa destaca que a indústria já passava por mudanças antes da quarentena global, e ressalta que as marcas devem fortalecer os novos conceitos para sair da crise e voltar a crescer.
Os dados mostram um período de queda nos lucros, mas apontam que em seguida o cenário deve melhorar, tendo como base o redesenho de toda a cadeia de valor. A previsão é “uma crescente antipatia com modelos de negócios que produzem resíduos e expectativas elevadas para ações sustentáveis”. De acordo com o documento, a projeção é de que em 2028 a quantidade de peças de segunda mão será de 13% do total de itens no guarda roupa das pessoas, ultrapassando as de fast fashion que representarão 9%.
Segundo a pesquisa, haverá uma tendência de liquidações, com preocupação sobre os impactos ambientais e com foco em uma forte presença digital. Nesse sentido, outro modelo de negócio que pode ganhar força é o dos brechós online. Uma pesquisa feita pela consultoria de varejo GlobalData e pela ThredUp, a maior plataforma de vendas de roupas de segunda mão, aponta que o mercado de brechós tem projeção de vendas de até US$ 51 bilhões nos próximos cinco anos nos Estados Unidos.
Um dos maiores brechós online do Brasil, a Troc faz uma curadoria sobre os produtos que recebe, em média quatro mil peças por mês. Após a análise, as peças são colocadas à disposição dos clientes. O brechó online oferece peças de fast fashion, premium e luxo. A Troc realiza cerca de 2.000 pedidos por mês e tem mais de 4.000 "lojinhas" ativas no site. As lojinhas são as páginas onde qualquer pessoa pode se tornar um vendedor dentro da plataforma.
“Nós entendemos que se criássemos uma experiência incrível para o usuário faríamos funcionar um modelo de negócio mais sustentável. O second hand não é uma cultura no Brasil. Não temos muitos bazares e brechós ainda. E nós achamos que isso pode e deve mudar”, afirma Luana Toniolo, fundadora da Troc.
Para Luiz Arruda, diretor da WSGN, empresa de previsão de tendências de consumo e design, há mercados bem mais desenvolvidos que o Brasil, mas nós não estamos tão atrás assim. “O Brasil está aderindo à cultura do “fim do muito”, é uma demanda clara dos consumidores, principalmente dos mais jovens. Esse movimento não é único e exclusivo dessa geração, mas tem muita aderência desse público e deve crescer”.
Além dos novos modelos de negócios, as marcas também têm ressignificado seu modo e proposta de produção. A marca UMA lançou recentemente a UMA X, uma linha que traz como proposta a sustentabilidade em peças que tragam significado, transparência, responsabilidade e relevância para a roupa. A coleção traz peças genderless (sem distinção de “masculino” e “feminino”) feitas a partir de processos eco-friendly e tendo como alvo o público mais jovem.