Machado de Assis: autor, que era negro, teve sua cor corrigida em fotos históricas somente no ano passado; nova tradução de seu romance mais famoso virou febre nos EUA (Reprodução/Wikimedia Commons)
Tamires Vitorio
Publicado em 5 de junho de 2020 às 18h42.
Última atualização em 5 de junho de 2020 às 19h33.
O autor brasileiro Machado de Assis caiu no gosto dos americanos. Em 2 de junho, a editora Penguin lançou nos Estados Unidos uma nova tradução do livro de 1881 Memórias Póstumas de Brás Cubas (em inglês, "The Posthumous Memoirs of Brás Cubas"). A pesquisadora Flora Thomson-Deveaux foi a responsável pela nova versão em inglês do clássico brasileiro.
Na Amazon e na livraria Barnes & Noble, o livro esgotou em apenas um dia. Até o momento, nesta sexta-feira, 5, os estoques físicos ainda não foram repostos. No site da Amazon, o livro é o mais vendido na categoria "Ficção Latino-americana e caribenha."
"Estou ciente de que não é o momento de celebrar o lançamento de um livro, mas eu não teria dedicado anos da minha vida para traduzir este aqui se eu não estivesse convencida de que é uma obra para todas as eras", afirmou a tradutora da edição em seu perfil no Twitter. Isso porque, no dia 2 de junho, o mundo estava passando pelo sétimo dia de protestos contra o racismo após o assassinato de George Floyd, homem negro morto pela polícia de Minneapolis, nos Estados Unidos.
I am fully aware that it’s a strange time to be celebrating a book launch. But I wouldn’t have dedicated years of my life to translating this one if I weren’t convinced that it was a novel for the ages. pic.twitter.com/DbfuXRUYVL
— Flora Thomson-DeVeaux (@ruivanorio) June 2, 2020
Machado de Assis era um homem negro — o que torna o lançamento de seu livro em inglês ainda mais simbólico. Em julho do ano passado, uma ação corrigiu a cor da pele do autor, consagrado por outras obras, como Dom Casmurro, seu livro mais famoso, e Quincas Borba, em fotos históricas. Por muitas décadas, a cor da pele de Machado foi colocada de lado e gerações de alunos entenderam que o maior nome da literatura brasileira era branco. O escritor era filho de pai negro e mãe branca e passou a infância na pobreza.
"Este livro é uma obra de seu tempo, mas, de muitas formas, para crédito de Machado e discrédito de nós mesmos, também fala sobre a nossa realidade. Existem ecos — troque a febre amarela pela covid-19 — e há a continuidade — racismo sistêmico, tão pungente hoje quanto em 1880", escreveu a tradutora em outro tuíte. Thomson-Deveaux ressalta ainda que, embora o livro esteja esgotado nas grandes livrarias, pode ser encomendado pelo site Bookshop.org. A versão para Kindle na Amazon americana custa cerca de 9 dólares (44,67 reais na cotação atual) e ainda está disponível para compra.
No dia 3 de junho, um dia após o lançamento, a revista americana The New Yorker descreveu a obra de Assis como "uma das mais inteligentes, mais brincalhonas, e portanto, um dos livros mais vivos e sem idade já escritos" — o que pode, com uma pequena dose de certeza, ter ajudado nas vendas.
Em 2018, o lançamento nos Estados Unidos da tradução dos contos completos do autor, feita por Margaret Jull Costa e Robin Patterson, já vinha preparando o terreno para o autor brasileiro em terras estrangeiras. Na ocasião, a revista The New Yorker escreveu: "Ele é um dos melhores autores brasileiros. Por que ele não é mais lido mundo afora?"