Na avaliação de Sinay, é cada vez mais comum, nos tempos atuais, que pais e filhos se percam em relações de consumo e de interesse (SXC)
Da Redação
Publicado em 13 de maio de 2012 às 12h06.
Brasília – Na semana em que os brasileiros comemoram o Dia das Mães, o psicólogo e jornalista argentino Sergio Sinay concedeu entrevista à Agência Brasil sobre o seu mais recente livro A Sociedade dos Filhos Órfãos.
A obra, recentemente traduzida e lançada no Brasil, propicia às mães e aos pais uma reflexão profunda sobre o tipo de relacionamento que mantêm com os filhos. Na avaliação de Sinay, é cada vez mais comum, nos tempos atuais, que pais e filhos se percam em relações de consumo e de interesse – nas quais os pais compensem suas falhas e ausências com presentes (alguns caros); e os filhos, por sua vez, tenham tendência a se tornar adultos utilitaristas, ou seja, que só mantenham relações humanas que tragam interesse e em que haja possibilidade de tirar vantagem.
“Ter um filho é um acidente biológico. Transformar essa peripécia em um fato transcendente e significativo, em um ato pleno de sentido, em uma contribuição ao aperfeiçoamento da vida humana e planetária, em um acontecimento espiritual que vai além do pessoal é um processo que requer consciência, compromisso, responsabilidade e amor”, escreve Sergio Sinay em seu livro. A seguir os principais trechos da entrevista do autor à Agência Brasil.
Agência Brasil: A sociedade dos filhos órfãos é um sinal de falta de amor?
Sergio Sinay: Não creio que seja falta de amor, mas a má maneira de demonstrar o amor. Muitos pais acreditam que amor se demonstra comprando coisas para os filhos, que o amor se demonstra com objetos, ou que o amor se demonstra convertendo-se em amigo dos filhos. Como pais, nossa missão não é ser amigo dos nossos filhos, mas ser pais. Nossos filhos vão encontrar os amigos entre seus pares no colégio, no clube, nas suas práticas esportivas. Não estamos aqui para isso, mas para conduzi-los, para transmitir-lhes valores morais, modelos de relação com outras pessoas; modelos onde nossos filhos aprendam a tratar as pessoas como se fossem fim e não meio ou instrumentos.
ABr: O que isso quer dizer?
Sinay: Estamos vivendo um momento em que as pessoas se relacionam de maneira utilitária: “se tu me serve, então me relaciono contigo” ou “se deixasse de me servir, te abandono”. Isso se passa entre os casais, ocorre entre sócios, entre amigos e ocorre, muitas vezes, entre pais e filhos. Os pais esperam que os filhos correspondam as suas expectativas. Se o pai jogou mal futebol quer que o filho seja um Neymar, pelo menos. E também acontece o contrário. Se o pai foi um grande médico, também quer que o filho seja médico e continue sua carreira. Os pais estão se esquecendo que os filhos são pessoas que devem ajudar a crescer. Muitas vezes querem que os filhos tenham sucesso, tornem-se grandes empresários, mas não se preocupam como vão se tornar como pessoas.
ABr: Há um problema no comportamento dos pais?
Sinay: Muitos têm comportamento igual ao de um adolescente que pensa que só tem direitos, mas não tem deveres. Os pais delegam às escola, à internet, aos avós. Alguns pais querem viver como se fossem solteiros ou como se não tivessem filhos e ter tempo para fazer as suas coisas. Sentem que os filhos são como uma carga, matriculam os filhos em colégios caros e quando o colégio chama os pais para falar sobre os filhos, protestam com o colégio porque, se pagam tão caro, a escola não deve chamá-los. Mas criar os filhos não é a função da escola, isso continua a ser obrigação dos pais.
ABr: Além da educação, o dinheiro está intermediando mais coisas na relação pais e filhos?
Sinay: Como a tecnologia nos oferece muitas coisas atrativas, muitos pais estão preocupados em comprar. Dedicados ao consumo se esquecem dos filhos e acreditam que a criação se paga matriculando em um bom colégio, comprando presentes e levando em viagens à Disney... Na realidade os filhos precisam de outras coisas. Os filhos pedem computadores, celulares, viagens quando não recebem amor. Os filhos que recebem amor e sentem a presença dos seus pais são meninos que pedem pouco. Todos esses pais amam seus filhos, mas estão amando mal. O amor não chega a seus filhos. Chega a ausência, mas não o amor.
ABr: O senhor é argentino e o livro agora é traduzido no Brasil. Esse comportamento é universal?
Sinay: Assim como a globalização tem coisas boas, tem coisas más. O mundo segue sendo grande, mas se comunica rapidamente. Há tendências que se espalham muito rápido. Essa forma de criar os filhos se globalizou. Creio que com algumas diferenças nacionais se dá em todo o mundo. Fiz conferências sobre esse tema no México e na Espanha e os pais que assistiram relataram problemas com os filhos iguais aos que ouvi na Argentina: drogas, violência, falta de amor, baixo rendimento escolar, obesidade infantil, e até crianças com enfermidades de adultos, como diabetes e problemas com insônia. É um problema grave porque, no futuro, essas crianças serão dirigentes das empresas, chefes de Estado etc. Que classe de adultos serão essas crianças que estão órfãs do que mais necessitam?
ABr: Esses adultos serão tão infantis e despreparados para a paternidade como seus pais de hoje?
Sinay: Em todas as gerações, ninguém está preparado para ser pai. Somente podemos ser pais quando temos filhos. Não podemos estudar antes, só podemos aprender quando já temos filhos. Aí está a grande oportunidade. Não importa os pais que tivemos, mas os pais que queremos ser. Há pessoas que tiveram pais autoritários e agora não querem aos seus filhos dar algum limite. Isso não pode ser. Isso é criar olhando para os seus pais e não olhando para os filhos. Não podemos usar nossos filhos para resolver problemas que tivemos com nossos pais.
ABr: Para que servem os “limites”?
Sinay: Para fazer dos filhos pessoas que tenham valores, que sejam capazes de tomar boas decisões na vida, para que sejam livres, o que não quer dizer não ter obstáculos. Impor limites significa ensinar as crianças a saber escolher. Para estabelecer limites não é preciso ser autoritário, pode ser com carinho, com firmeza, com doçura, com amor.
ABr: O senhor disse anteriormente que alguns pais querem ser “amigos” dos filhos. Qual o problema? O que quis dizer?
Sinay: Quando eu digo que não tem que ser amigos, não estou dizendo que devam ser frios. Mas que sejam próximos e recordando sempre que as relações entre pais e filhos não são relações como a do casamento ou outras. Todas as relações humanas, à exceção das com os filhos, se dão entre pessoas que já estavam no mundo, já existiam, já viviam. A única relação que não é assim é a de pais e filhos. Se os pais não criam os filhos não há a relação. Entre amigos, as responsabilidades são iguais, mas entre pais e filhos não são iguais. Temos que ensinar valores e ensinar uma vida que não seja só comer e dormir, mas ter uma vida que faça sentido.
ABr: Fazer “sentido”? Como assim?
Sinay: Meu filho tem que deixar o mundo um pouco melhor do que encontrou, assim como eu tenho que ter feito isso antes. Como pai, faço o meu filho uma boa pessoa dedicando-me a ele. Já estou deixando o mundo um pouco melhor do que encontrei e minha função de pai ganha um sentido. A paternidade é uma viagem de ida que não termina nunca.
ABr: Por que escreveu o livro?
Sinay: Os filhos que são órfãos porque perderam os pais vivem uma tragédia, mas podem encontrar adultos que os ame. O que é muito mais triste é ser órfão quando os pais estão vivos. Quando os pais estão na mesma casa, no mesmo lugar. Trabalhei muito com famílias e garotos de 12 e 13 anos, de pais separados, desaparecidos ou que não se dão bem. Era necessário dizer essas coisas. Temos que usar a palavra para melhorar o mundo. Pode ser um livro que ajude pais e filhos a deixarem de ser órfãos.