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Final da Champions League: as lições do futebol inglês para o Brasil

A decisão entre Chelsea e Manchester City, neste sábado, aponta que a Inglaterra está décadas à frente do Brasil quando a assunto é organização e exploração comercial do futebol

Futebol: 12 clubes entre os 30 mais ricos do mundo são ingleses.  (Michael Steele/Getty Images)

Futebol: 12 clubes entre os 30 mais ricos do mundo são ingleses. (Michael Steele/Getty Images)

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Matheus Doliveira

Publicado em 28 de maio de 2021 às 06h00.

Última atualização em 28 de maio de 2021 às 12h45.

Chelsea e Manchester City se enfrentam na final da Champions League, sendo a terceira vez na história que dois clubes ingleses se confrontam pelo título. Independente do resultado do jogo, interessa retroceder no tempo e entender, em poucas linhas, como futebol inglês chegou neste estágio, com 12 clubes entre os 30 mais ricos do mundo, de acordo com o Deloitte Money League 2021.

Transformações relevantes não ocorrem por osmose e sempre tem uma razão de ser ou algum ponto de partida. No caso inglês não foi diferente, pois o ponto de partida está historicamente bem definido e, infelizmente, advém de uma tragédia ocorrida no estádio Hillsborough, em 1989, em partida pelas semifinais da Taça da Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest, que redundou na morte de 96 torcedores do Liverpool e outros 766 ficaram feridos. O país vivia neste momento o auge do hooliganismo.

A partir disso e de uma investigação governamental surgiu o Taylor Report, que apresentou sugestões para que fatos como esse nunca mais ocorressem. Entre as sugestões estavam acabar com os fossos e cercas separando as arquibancadas e gramado, bem como obrigar os estádios a terem apenas assentos fixos. Se hoje isso parece mais ou menos óbvio, naquela época não era e o futebol inglês era carente no quesito da infraestrutura esportiva.

Para simplificar, a partir daí uma coisa empurrou a outra. Clubes foram obrigados a se modernizar e investir em infraestrutura. Estádios foram reformados ou construídos. O preço dos ingressos aumentou, não sem críticas. Com isso torcedores violentos foram afastados. Com a receita do dia do jogo aumentando, mais investimentos no conforto do torcedor foram sendo agregados.

Outra mola propulsora foi o fortalecimento da liga. A base da ascensão global do campeonato inglês está sedimentada no modelo de uma liga de futebol, composta pelos clubes participantes da competição, gestora desta e vendedora dos direitos de transmissão. E foi a venda centralizada dos direitos de transmissão das partidas em diferentes mídias que tornou a liga inglesa a mais rica do mundo. No Brasil, como comparação, liga é uma palavra quase que proibida no dicionário do futebol e não há no horizonte nenhuma perspectiva de que um projeto assim saia do imaginário para o papel. Outra comparação: aqui os direitos são negociados individualmente por cada clube.

Como uma coisa leva a outra, o mercado inglês entrou há bastante tempo no radar de bilionários e grandes investidores globais que passaram a comprar clubes na Inglaterra tendo em vistas as altas somas transacionadas pelos clubes daquele país. Com maior capacidade de investimento, as grandes estrelas do futebol internacional passaram a ser contratadas pelos clubes ingleses. E com isso a roda gira sem parar. Quanto mais estrelas, maior atratividade internacional, maiores são os contratos de transmissão e maiores são as receitas distribuídas aos clubes. Com mais dinheiro, maior é a capacidade de investimento no futebol e infraestrutura, e maior é a chance de sucesso esportivo. É um ciclo virtuoso.

Quando olhamos para esses fatos a Inglaterra parece estar décadas a frente do Brasil quando a assunto é organização e exploração comercial do futebol. Por lá hoje o cenário está tão avançado que se debate o fim de negócios que o Brasil apenas engatinha. Por exemplo, a Inglaterra possui um dos melhores modelos de regulação das atividades de jogos de azar, sobretudo no mercado de apostas esportivas. Esse é um mercado bilionário que tem profunda conexão com o futebol já que vários clubes ingleses têm o patrocínio de casas de apostas. O debate que existe hoje na Inglaterra é sobre a proibição deste tipo de patrocínio no futebol, que gera uma receita importante aos clubes. No Brasil, apesar da existência de uma lei de 2018 que criou a modalidade das apostas esportivas, o governo federal sequer foi capaz desde então de regulamentar o assunto para fixar as condições de abertura deste mercado para a exploração privada, o que tira dos clubes um potencial de novas receitas.

Algo semelhante ocorre no cenário corporativo dos clubes de futebol, que há décadas possuem um dono bem definido. Mais recentemente, grupos de torcedores, insatisfeitos com os resultados das suas equipes, passaram a pedir a mudança na propriedade de alguns clubes, sendo o caso mais emblemático do Manchester United. No Brasil, por sua vez, onde impera o modelo associativo da constituição dos clubes, até o dia de hoje não foi possível aprovar uma lei estabelecendo um marco regulatório para a conversão dos clubes em empresa e estamos atolados num debate romântico sobre se os clubes devem ou não ter donos, coisa que os países desenvolvidos já viraram a página há muito tempo.

Enquanto a Inglaterra já passou por determinados ciclos no futebol e hoje discute alternativas, nós sequer entramos em tais ciclos. Enquanto a Inglaterra já passou por uma fase de enriquecimento dos clubes, seja por patrocínio esportivos de casas de apostas, seja por aportes societários multimilionários, e já pode debater seriamente alternativas, nós sequer demos o passo inicial e ainda estamos debatendo, romanticamente, se clube deve ter dono.

Por tudo isso é muito difícil que possamos um dia chegar próximos ao que é praticado na Inglaterra na indústria do futebol. O primeiro aspecto que denota esta impossibilidade é macroeconômico. Como país, o Brasil está muito distante da realidade e da qualidade de vida que disfrutam os ingleses. Só aí já temos uma barreira quase que intransponível.

Outra barreira é cultural. A forma de pensar e entender determinados negócios por lá é diferente da nossa. Aqui por vezes predomina um sentimento estatizante, corporativista, que parafraseando o lema do “petróleo é nosso”, seria o “futebol é nosso”, como se vivêssemos em uma bolha baseados na ilusão de que somos o país do futebol. Alguém ainda acredita nisso?

Também no aspecto esportivo os obstáculos são enormes. Enquanto a liga inglesa é a competição mais assistida no mundo, o campeonato brasileiro dá apenas agora seus primeiros passos rumo a uma internacionalização de sua transmissão, algo que demandará tempo e paciência por parte dos clubes.

Sem contar que é o sonho de todo o jogador é disputar a Champions League, que a libra inglesa é uma moeda muito valorizada e que os salários são bastante altos. Assim, é muito difícil para os clubes nacionais manter as principais estrelas aqui, até porque precisam vender atletas para tampar buracos nas contas.

Apesar destas adversidades, não podemos jogar a toalha e devemos continuar se espelhando em bons exemplos.

Em um aspecto pelo menos o campeonato brasileiro não passa vergonha se comparado a Premier League: estádios. Se o Taylor Report foi o propulsor na Inglaterra da melhoria da infraestrutura esportiva, a Copa do Mundo serviu no Brasil a propósito semelhante, ainda que com os custos financeiros e escândalos que todos conhecemos. A maioria dos clubes da série A organiza seus jogos em estádios de ótimo nível.

Algumas lições que devemos tirar ficam evidentes: a negociação individual dos direitos de transmissão não é o caminho correto. Estamos nadando contra a maré e desvalorizado o produto Brasileirão como um todo. A negociação deve ser coletiva, centralizada. Como uma liga nacional é um assunto proibido, uma entidade dos clubes deveria assumir esta função. Ponto positivo foi o início da internacionalização do Brasileirão ano passado, ainda que os frutos disto virão apenas no longo prazo.

Outra lição que a Inglaterra deixa é que não podemos ter medo do capital. Não podemos ter medo de clubes com dono e devemos estimular que o futebol seja um negócio lucrativo para os clubes. Vários clubes ingleses inclusive já tiverem suas ações negociadas em bolsa de valores, e ainda continuam, com é o caso do Manchester United. Esse é uma fase pelo qual o futebol brasileiro precisa passar. Precisamos urgentemente de grandes injeções de recursos nos clubes e uma das poucas alternativas para tanto é a conversão em sociedade anônima e venda de ações a investidores, ainda que isso não seja algo trivial e simples de tirar do papel.

Não há mercado perfeito em qualquer setor da economia e sempre será possível apontar determinadas falhas a qualquer observação que se faça. Porém, se tivesse que eleger um país para buscar lições ao futebol brasileiro, esse seria a Inglaterra.

*Eduardo Carlezzo. Advogado, sócio do Carlezzo Advogados, especialista em direito desportivo e autor do livro Direito Desportivo Empresarial. @carlezzo.advogados

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