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Kobra transforma instituto e ateliê aberto ao público em inspiração para grafiteiros

Em entrevista exclusiva a EXAME Casual, Eduardo Kobra fala das principais obras que marcaram sua carreira e para onde quer levar a sua arte

Eduardo Kobra: artista brasileiro reconhecido em todo o mundo. (Studio Kobra/Divulgação)

Eduardo Kobra: artista brasileiro reconhecido em todo o mundo. (Studio Kobra/Divulgação)

Gilson Garrett Jr.
Gilson Garrett Jr.

Repórter de Lifestyle

Publicado em 25 de novembro de 2024 às 06h16.

O paulistano Eduardo Kobra se tornou um dos nomes mais reconhecidos da arte urbana mundial. Com murais espalhados por cidades icônicas como Nova York, Paris e São Paulo, seu trabalho vai além da estética vibrante e do uso marcante de cores. Ele traz mensagens profundas de paz, memória e questões sociais que transcendem fronteiras. “Desde o início, meu trabalho teve um propósito que vai além da pintura”, diz ele em entrevista exclusiva à EXAME Casual.

Apesar do reconhecimento global, Kobra mantém os pés no chão e não esquece suas origens na periferia de São Paulo. Para o artista, cada mural é mais do que pintura – é uma ferramenta de transformação social e um convite à reflexão. [Grifar] Em um dos seus trabalhos mais recentes, ele fez uma intervenção em uma área queimada do Pantanal para chamar atenção aos impactos das mudanças climáticas.

Para o futuro, ele quer fazer seu instituto - recém-criado - crescer e dar visibilidade a mais muralistas e grafiteiros brasileiros. No começo do ano, ele abriu seu ateliê pessoal para visitações. Localizado no FAMA Museu, em Itu, no interior de São Paulo, o espaço serve de inspiração e aprendizado para os visitantes. “O objetivo é oferecer oportunidades a jovens de comunidades carentes, algo que eu não tive”, diz. [Grifar] Veja os principais trechos da entrevista.

Criar uma assinatura nem sempre é uma tarefa fácil na arte e você conseguiu isso. Como é para você ser reconhecido dessa forma?

Eu acredito que isso é resultado de um processo contínuo de desenvolvimento e evolução. Sempre estive disponível e apto a viver o processo criativo, mesmo quando ele parte de um incômodo. Esse incômodo, aliás, é o que alimenta a criatividade. Nunca me acomodei copiando outros artistas, mesmo admirando inúmeros movimentos de arte. Sempre busquei pintar com meu próprio pincel, porque acredito que a arte é uma extensão dos meus valores, dos meus princípios e do que sou. Esse caminho é árduo, mas ele me trouxe o privilégio de ter uma direção clara: evoluir a estética, a linguagem e o propósito do meu trabalho.

Se de um lado essa marca representa o sucesso, você acha que isso pode limitar sua arte de alguma forma? De criar algo totalmente diferente do que você faz?

Meu trabalho é amplamente diverso, mesmo que algumas linhas sejam mais conhecidas, como os murais coloridos. Sou um eterno pesquisador, visitando museus, bibliotecas e galerias. Meu trabalho passa por diferentes formas, como pinturas anamórficas, 3D no piso, murais históricos em preto e branco e projetos de realidade aumentada, como o São Paulo – Uma Realidade Aumentada. Também desenvolvi iniciativas como a galeria itinerante, que transformou um ônibus em um espaço de arte que percorreu comunidades como Paraisópolis. Estou sempre em busca do novo, e essa inquietude me mantém em constante movimento e descoberta.

Muitos de seus murais estão em grandes cidades ao redor do mundo. Como o ambiente urbano influencia o processo criativo e a mensagem que você deseja transmitir?

O espaço urbano é desafiador. Ele exige um entendimento do local, desde a arquitetura até as tradições culturais. Cada mural é inserido em um contexto único, o que demanda pesquisa e imersão. Meu objetivo é sempre conectar a arte ao espaço, criando composições que respeitem as características do ambiente, como formatos de paredes e cores predominantes. Mais do que isso, vejo o espaço urbano como uma ferramenta de comunicação poderosa. Ele me permite transmitir mensagens de paz, tolerância, respeito e memória de forma acessível e direta.

Você tem um projeto especial que marcou sua carreira, seja pelo impacto que causou ou pela dificuldade na execução?

O projeto Cores pela Liberdade, em Nova York, foi um marco. Realizei 18 murais na cidade, incluindo a fachada do World Trade Center e da ONU. Nova York é conhecida pela complexidade de se obter permissões, e muitos me desanimaram. Mas eu encarei o desafio, mesmo com dificuldades que incluíram questões burocráticas e físicas. Durante o processo, fiquei até doente. No entanto, o resultado me trouxe um aprendizado enorme e reforçou meu compromisso com projetos que desafiem a minha capacidade.

Como você vê a relação entre arte e ativismo, e como você utiliza sua arte para gerar discussões importantes? Um dos exemplos é uma das últimas que você aborda a questão das queimadas no Pantanal. Me conta mais sobre?

Desde o início, meu trabalho teve um propósito que vai além da pintura. Uso os murais para provocar reflexão, discutindo temas como preservação ambiental, direitos humanos e memória histórica. Um exemplo recente é um projeto sobre queimadas, que conectou a arte ao ativismo ambiental. Para mim, a pintura é secundária. O mais importante é o significado por trás de cada obra e como ela pode conscientizar as pessoas sobre questões cruciais.

De que maneira a cultura brasileira e sua vivência em São Paulo influenciam seu trabalho?

Minha relação com São Paulo é de profunda gratidão. Foi onde tudo começou. A cidade, com seus desafios e complexidades, moldou meu caráter e meu trabalho. Lembro-me de dormir no chão, viajar sem dinheiro e passar por preconceitos enquanto tentava pintar nas ruas. Essas experiências formaram minha base. São Paulo me ensinou a ser resiliente, e a vivência aqui me deu o alicerce para levar meu trabalho a lugares como Londres e França, sempre mantendo os pés no chão e o respeito pela minha origem.

Como você enxerga a evolução da arte de rua no Brasil e no mundo, especialmente considerando sua crescente aceitação em espaços antes dominados pela arte tradicional?

A arte de rua vem quebrando barreiras, ganhando espaço em lugares tradicionais, como museus e galerias. Recentemente, pintei um mural de quase 2.000 metros quadrados em San Marino, na Itália, e expus no Palácio Blu, com mais de 800 anos de história. No Brasil, temos artistas de altíssima qualidade que, muitas vezes, começaram sem apoio. Apesar da evolução, ainda há talentos desperdiçados por falta de oportunidades. A arte pública precisa de mais incentivo, pois ela é um patrimônio cultural valioso.

Há algum lugar ou tema que você ainda não explorou, mas que gostaria de representar em um mural?

Tenho o desejo de expandir meu trabalho com o instituto que estou criando. O objetivo é oferecer oportunidades a jovens de comunidades carentes, algo que eu não tive. Além disso, quero continuar explorando novas culturas, temas e espaços. Para mim, não importa o lugar, seja uma comunidade simples ou uma metrópole como Nova York. O importante é estar em movimento, aprendendo e criando algo significativo em cada intervenção.

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