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Kevin Spacey fez tudo errado — será esse o seu fim?

Há alguns anos, Spacey, assim como outros tantos, teria conseguido abafar acusações de abuso sexual. Hoje, porém, sua carreira pode ter chegado ao fim

Kevin Spacey: o ator está fazendo tratamento (Pete Marovich-Pool/Getty Images/Getty Images)

Kevin Spacey: o ator está fazendo tratamento (Pete Marovich-Pool/Getty Images/Getty Images)

Alexa Meirelles

Alexa Meirelles

Publicado em 11 de novembro de 2017 às 07h00.

Última atualização em 13 de novembro de 2017 às 21h51.

São Paulo - “A carreira de Kevin Spacey acabou”, diz Pablo Villaça de forma assertiva. Crítico especializado e criador do Cinema Em Cena, o portal mais antigo sobre a sétima arte no Brasil, Villaça não crê em algum tipo de retorno do ator às telas ou realizando algum trabalho que possa ser significativo daqui para frente.

Vencedor de dois Oscar - como Melhor Ator, em "Beleza Americana" (2000) e Melhor Ator Coadjuvante, em "Os Suspeitos" (1996) - Kevin Spacey errou do começo ao fim, até no momento de se desculpar. A mensagem publicada em seu perfil no dia 30, após a denúncia do ator Anthony Rapp, minou qualquer chance do intérprete de Frank Underwood desvencilhar-se do estigma de “predador sexual”.

Em um tweet, o ator até se retratou do abuso cometido contra Rapp em 1986, quando ele tinha apenas 14 anos, embora tenha dito não se recordar do ocorrido. Mas, logo após do pedido de desculpas, Spacey revelou ao público ser gay. O público acreditou que ele estava associando, de forma deturpada, homossexualidade à pedofilia.

“Ele conseguiu acabar de implodir a carreira. Conseguiu transformar todo mundo em inimigo, inclusive a comunidade LGBT. Ele relacionou coisas que não tem a ver uma com a outra”, diz Villaça.

As polêmicas envolvendo o ator - e tantos outros artistas denunciados depois dele - realizaram um feito inédito em Hollywood. A Sony resolveu regravar todas as cenas do filme "Todo Dinheiro Do Mundo" (All Money In The World), em que o Spacey interpretava John Paul Getty, um magnata que se recusa a pagar o resgate do neto quando ele é sequestrado.

O filme já estava pronto, com data de lançamento prevista para o dia 22 de dezembro, e a Sony já articulava o lançamento de Spacey como um possível concorrente ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2018. É válido ressaltar que o ator estava irreconhecível no papel de John Paul Getty, sob uma caracterização carregada de maquiagem. Mas, ainda assim, a Sony quis desvencilhar-se totalmente da imagem de Spacey.

Gastando mais alguns milhões, o diretor Ridley Scott colocou o veterano Christopher Plummer para assumir o papel de John Paul Getty, e, ainda assim, manteve a data de lançamento do longa.

A sacada (genial) da Sony

Essa substituição repentina nunca havia acontecido antes - ao menos, nunca em um filme já pronto. Há casos óbvios de atores que morreram durante as gravações e foram substituídos, e casos em que o ator foi trocado no meio da produção (como por exemplo, em "De Volta Pro Futuro", em que Michael J. Fox assumiu o papel de Marty McFly, que até então seria interpretado por Eric Stoltz).

Regravar um filme já pronto, é, no mínimo, muito inusitado. Villaça acredita que, com isso, a Sony tem só a ganhar, apesar de precisar desembolsar mais dinheiro. “Com Spacey, o filme seria um fracasso de bilheteria. Agora, a chance de ser indicado a vários prêmios é muito maior. Foi a atitude correta do ponto de vista ético e comercial”. Villaça diz ainda que muito desse sucesso virá da curiosidade que rondará o longa após ter sido refeito. “Substituíram o ator faz 1 mês, isso vira publicidade gratuita para o filme”.

Para o crítico, se a polêmica envolvendo Spacey tivesse acontecido há 5 anos, ele teria provavelmente conseguido sair ileso - talvez com uma forte ação por parte de sua assessoria de imprensa e relações públicas, apoiando-se na comum narrativa de queda, redenção e retorno. “Hoje em dia eu acho isso muito mais difícil, por causa da internet. As pessoas julgam, condenam e executam”. O crítico ainda cita o empoderamento feminino como um fator crucial para essas mudanças. Figurões da indústria estão ruindo sob acusações graves de abuso. Logo, elas veem que denunciar pode, de fato, surtir efeito.

Reflexos em outras empresas

Denúncias sobre Spacey e o produtor Harvey Weinstein existem há anos. Desde a primeira temporada de House of Cards, a Netflix já tinha ciência de denúncias que rondavam o astro de uma de suas séries mais famosas. Mas Spacey e a empresa tinham uma parceria e tanto, afinal, House of Cards ditou a forma de se fazer série em streaming ao redor do mundo.

Após a polêmica, a Netflix suspendeu as gravações da 6ª temporada da série e tirou Spacey da produção. Agora, resta a dúvida: a série terminará, ou seguirá com Robin Wright como protagonista, interpretando a astuta Claire Underwood?

Antes do caso envolvendo Spacey, Weinstein foi demitido da própria produtora. Além da Netflix, outras empresas agiram de forma semelhante: a BBC cancelou, por hora, a produção da série White Gold, protagonizada pelo ator inglês Ed Westwick, acusado duas vezes nesta semana de estupro.

Louis C.K., um dos comediantes mais famosos dos EUA, teve seu contrato com a Netflix encerrado após o jornal The New York Times publicar a denúncia de 5 mulheres, que disseram que o comediante se masturbava na frente delas. A HBO não só cancelou sua apresentação no evento de fim de ano, onde ele era uma das principais atrações, como também retirou todos os trabalhos de C.K. de sua plataforma.

A obra e o artista

“A falta de caráter não está ligada à falta de talento. A questão que está sendo discutida agora é: como você separa as coisas? É possível separar?”, questiona Villaça. Para o crítico, é válido questionar se a postura de determinados artistas deslegitima aquilo que eles fizeram. “Hitchcock era um monstro e teve uma carreira brilhante, e seus filmes são clássicos. Chaplin, hoje em dia, seria condenado como pedófilo, pois se relacionava com adolescentes”.

Ainda assim, toda a obra desses nomes está envolta numa aura sagrada da pós-morte. Para Villaça, "Beleza Americana", em que Spacey interpreta o monótono Lester Burnham, jamais deixará de ser visto como um filme muito bom. Mas, daqui para frente, segundo ele, isso não aconteceria com qualquer outra produção em que o ator estivesse envolvido, por mais icônica que fosse.

“Em casos como o de Kevin Spacey e Louis C.K., não sei se consigo separar as duas coisas. A carreira dos dois é ativa. Mas consigo separar o que passou. Harvey Weinstein, por exemplo, fez filmes extremamente sensíveis”. 

Casey Affleck, o “catalisador”

Embora Villaça tenha afirmado que a carreira de Spacey acabou, e que hoje em dia seja muito mais difícil reverter casos com esse, o ator Casey Affleck venceu, no início deste ano, o prêmio de Melhor Ator no Oscar por seu papel no drama "Manchester à beira-mar". Affleck foi acusado de assédio por duas mulheres com quem trabalhou em 2010.

Para Villaça, a vitória do ator foi o elemento “catalisador” desse processo de retaliação a pessoas acusadas, sobretudo, de assédio e abuso sexual. “Ele foi premiado pela indústria em que trabalha sendo um predador sexual praticamente confesso. Acho que isso plantou a semente de que alguma coisa teria que mudar”.

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