O hotel Ariaú Amazon Towers: inspiração japonesa no meio da Floresta Amazônica (Divulgação via Bravo!)
Da Redação
Publicado em 30 de dezembro de 2011 às 15h49.
Tóquio - Imagine um prédio sem uma forma fixa, uma estrutura capaz de se adaptar às necessidades dos moradores. A quantidade de apartamentos, por exemplo, seguiria o número de famílias dispostas a viver no endereço em cada período. A ideia, que bem pode ser comparada a um desses jogos de blocos do tipo Lego, em que partes são tiradas e acrescentadas conforme o desejo do dono, foi colocada em prática em 1972 com o Nakagin Capsule Tower Building.
Construído no bairro de Shimbashi, em Tóquio, o edifício, projetado pelo arquiteto japonês Kisho Kurokawa (1934-2007) para ser um misto de torre residencial e escritório, acabou virando o símbolo do principal movimento arquitetônico do Japão. Formalizado na década de 1960, o metabolismo sintetiza um dos lemas da arquitetura japonesa. Até hoje.
Basta uma volta rápida pela capital do país. Se na Europa impera uma cultura voltada para a preservação dos prédios, em Tóquio raros são os conjuntos ditos históricos. O pensamento dominante entre os especialistas é o de que a cidade deve mudar no mesmo ritmo da vida orgânica (daí o nome do grupo japonês), o que faz todo o sentido para a nação oriental.
Vítima de constantes desastres naturais – o último foi o tsunami em Fukushima, em março deste ano – e de guerras – o efeito das bombas nucleares jogadas em Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, ainda falam alto por lá –, o Japão aprendeu a crescer sob o constante espírito de reconstrução.
Uma mostra, com o título de Metabolism, The City of the Future (Metabolismo, A Cidade do Futuro), fica em cartaz no Mori Art Museum, em Tóquio, até o dia 15 de janeiro de 2012, com mais de 500 peças, entre maquetes, fotos e vídeos de obras metabolistas japonesas desenvolvidas desde os anos 60. Um filme inédito com gráficos em computador revela ainda em 3D como funcionariam projetos que nunca chegaram a sair do papel.
Hotéis-cápsulas
Grosso modo, o metabolismo defendia uma cidade toda estruturada por arranha-céus, conectados entre si por passarelas. Tudo estaria de alguma forma ligado em uma espécie de imensa e única obra. Como todo movimento visionário demais, muitas das ideias de seus fundadores, entre eles os arquitetos Kenzo Tange (1913-2005) e Arata Isozaki, o designer gráfico Kiyoshi Awazu (1929-2009) e o crítico Noboru Kawazoe, não foram para a frente. Mas a escola metabolista continua a exercer uma influência bastante significativa sobre os nomes mais estrelados da arquitetura japonesa atual, caso de Tadao Ando, Toyo Ito e Kengo Kuma.
Muitos especialistas explicam essa popularidade com a forma como os japoneses sempre conseguiram aliar o eterno apreço pela novidade com as regras da tradição. Muitos projetos metabolistas revelam mesmo traços que remetem aos templos budistas, por exemplo. Outros defendem, no entanto, que o metabolismo continua em alta por ter identificado lá atrás o problema que as metrópoles enfrentariam caso continuassem crescendo de forma desordenada:
“Usando a analogia metabolista, a doença das cidades verificada nos anos 60 tomou força e se espalhou como uma metástase”, diz o arquiteto brasileiro Fausto Natsui. “Na minha opinião, o que resta desse pensamento, que na prática não teve muito êxito, é a verificação do crescimento dos mesmos problemas urbanos daquela época.”
Mas muitas referências da arquitetura moderna nasceram com o grupo japonês. O próprio Nakagin Capsule Tower Building, ícone do movimento, é o primeiro modelo de quarto em formato cápsula, hoje tão comum entre os hotéis japoneses para hóspedes que precisam de um lugar para passar somente uma noite.
As casas pré-fabricadas também surgiram com eles. Aqui, no Brasil, há pelo menos um exemplo típico de projeto metabolista, como escreveu o arquiteto Carlos Moreira Teixeira, no site Vitruvius: o hotel Ariaú Amazon Towers, em plena selva amazônica, a 60 km de Manaus, desenhado pelo ambientalista francês Jean-Michel Cousteau.
No mês passado, no entanto, o hotel foi citado na mídia por outro motivo: o Tribunal Superior do Trabalho condenou-o a pagar uma indenização de 300 mil reais a um grupo de 34 índios que trabalhavam havia cinco anos em condições consideradas próximas à do “trabalho escravo”.
Distribuído em torres, o endereço está em constante desenvolvimento, de acordo com a demanda de clientes. Em 1986, quando foi inaugurado, eram oito o número de quartos, hoje são 164. Os visitantes jamais entram em contato com o chão. Passam de uma torre a outra por meio de passarelas de dois ou três níveis. Claro que a aparência do hotel brasileiro em nada lembra o verniz futurista dos projetos japoneses, mas o que vale é o princípio.
“O metabolismo defende não só a constante mutação da metrópole, mas também uma postura diferente do arquiteto. Em vez de pensar em um só prédio, ele deve criar uma cidade inteira”, diz a curadora-chefe do Mori Art Museum, Mami Kataoka. E, de preferência, uma cidade capaz de ir se moldando a cada dia. Como um Lego.