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Futebol S/A: por que está na hora dos clubes virarem empresas?

Dos 30 clubes de futebol do mundo com maior capacidade de geração de riquezas apenas 3 são constituídos como associação

O técnico do time Real Madrid, Zinedine Zidane, após vitória na Champions (Andrew Boyers/Reuters)

O técnico do time Real Madrid, Zinedine Zidane, após vitória na Champions (Andrew Boyers/Reuters)

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Julia Storch

Publicado em 1 de março de 2021 às 10h34.

Em várias áreas da economia e da sociedade parece que no Brasil temos uma insistência insuportável de navegar na contramão do mundo. E quando finalmente decidimos tomar a mesma direção, já estamos 20 anos atrasados, pelo menos. No que se refere a estruturação e organização societária dos clubes de futebol, infelizmente, também é o caso.

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Um número próximo a 99% dos clubes de futebol do Brasil são constituídos como associação, cujo modelo é bastante antigo e em vários clubes nasceu antes mesmo do já extinto Código Civil de 1917. Poucos são os clubes constituídos como sociedade limitada ou anônima.

Quando olhamos para o mundo desenvolvido, este número muda radicalmente de figura e vemos que a regra é a constituição dos clubes como empresa, com donos bem definidos e alguns inclusive com ações negociadas em bolsa de valores.

Um rápido olhar pelo Deloitte Football Money League 2021 mostra que dos 30 clubes de futebol do mundo com maior capacidade de geração de riquezas apenas 3 são constituídos como associação: Barcelona, Real Madrid e Schalke 04.

O Barcelona vive uma crise política sem precedentes e neste ano de 2021 revelou a existência de uma pesadíssima dívida superior a 7.5 bilhões de reais, o que o coloca em gravíssima situação financeira. Não coincidentemente, o anterior presidente do clube renunciou ao cargo em outubro do ano passado e novas eleições foram convocadas para março deste ano.

O Real Madrid tampouco possui uma dívida baixa: são quase 6 bilhões de reais. Porém, a diferença crucial é que tem uma dívida de curto prazo até certo ponto administrável, o que não é o caso do Barcelona.

Já o Schalke 04, um dos clubes mais tradicionais da Alemanha, é o último colocado da competição e com enormes chances de ser rebaixado. Com dívidas superiores a 1.5 bilhão de reais, um processo de insolvência já é falado abertamente na Alemanha. E qual é uma das alternativas, ainda que complexa, que se coloca na mesa? Transformação em empresa.

Portanto, fica claro que os 3 clubes formatados como associação entre os 30 mais ricos do mundo possuem reais problemas financeiros. Coincidência apenas? Entendo que não.

Clubes constituídos como associação, onde ninguém é dono de nada, tendem a ter um maior relaxamento nas regras de controle financeiro. Um rápido olhar pela América do Sul, onde impera o model associativo, com exceção do Chile e Colômbia, e parcialmente do Uruguai, mostra isso.

Clubes constituídos como associação definem sua diretoria por intermédio de eleição, que é muito similar as eleições municipais. Dentro destes clubes existem vários grupos políticos, similares aos partidos, que a cada 3 ou 4 anos se enfrentam nas urnas em busca do comando.

Olhando para o outro lado da mesa, temos o Bayern de Munique, sonho de consumo de qualquer gestão profissional no futebol. Ele é constituído como FC Bayern München AG, sendo essa a empresa que explora e administra o futebol. Seus acionistas são o FC Bayern München eV (o clube associativo), com 75% das ações, e na sequência 3 empresas que dispensam apresentação: Audi, Adidas e Allianz, cada uma delas com 8.33% das ações.

O Bayern possui um conselho de supervisão composto por profissionais de alto gabarito e experiência interdisciplinar, podendo ressaltar-se entre seus membros o presidente da Volkswagen, o diretor jurídico da Adidas, o CEO da Deutsche Telekon e o ex-primeiro ministro da Bavaria.

De forma organizada e coerente, na metade de 2019 o clube anunciou que o atual CEO, Karl-Heinz Rummenigge, deixaria sua função e seria substituído por outra lenda do clube, Oliver Kahn, a partir de 1 de janeiro de 2022. Kahn é parte do conselho executivo do clube desde janeiro de 2020.

Na temporada 19/20 o clube apresentou receita superior a 4.5 bilhões de reais, uma redução de quase 400 milhões em relação a temporada anterior devido ao coronavírus, e um lucro, depois dos impostos, de mais de 60 milhões.

É isso que se espera de um clube de futebol: estabilidade institucional e financeira. Se o modelo empresarial não é a solução para todos os males do mundo, penso que pelo menos ainda não inventaram algo melhor.

 

O modelo de entidade “sem fins lucrativos” é arcaico, corporativista e capaz de gerar frequente instabilidade organizacional e econômica. Basta olhar para a realidade do futebol brasileiro para chegar a esta conclusão, ainda que muitos façam uma força gigantesca para não ver isso e fazer de conta que temos o melhor modelo do mundo. Afinal de contas, para estes, clubes não podem ter dono.

Volto ao exemplo do Bayern que é, a meu ver, o clube com maior credibilidade corporativa do futebol mundial. Ao invés de eleições insanas que traumatizam profundamente a organização do clube (e o exemplo do Vasco da Gama está maduro para análise), busca-se uma transição de gestão com serenidade, transparência e tempo.

No caso brasileiro, tendo em vista que não é juridicamente e esportivamente possível a uma empresa investir com segurança jurídica em um clube que tenha o formato de associação, o único caminho possível para isso é a conversão em sociedade limitada ou anônima.

Importante enfatizar que não são as leis que vão resolver em um passe de mágica os problemas do futebol brasileiro. Mas são as leis que podem traçar um caminho para quem quiser livremente buscar estas soluções.

Por isso que precisamos urgentemente de um marco regulatório para a transformação dos clubes de futebol em sociedade empresária e é fundamental que o Senado Federal cumpra seu papel e vote o projeto que foi aprovado na Câmara em 2019 e que até hoje está engavetado.

Por motivos como estes expostos aqui, infelizmente há muitos anos o futebol brasileiro está fora da rota de investimentos em clubes de futebol. Na América do Sul já tive a oportunidade de presenciar ou atuar em transações em que investidores preferiram investir em clubes do Uruguai ou Chile, pois eram países com maior estabilidade jurídica e que tinham leis específicas para investimentos societários em clubes de futebol, do que investir no Brasil.

Em 2021 para surpresa de muitos, minha inclusive, o City Football Group, dono do Manchester City, associou-se a um clube na Bolívia. E nada do Brasil. Como assim?

Precisamos entrar na rota de investimentos internacionais. Há hoje uma grande liquidez global para investimentos em negócios de risco e o futebol é um destes ativos. O interesse externo continua sendo apenas no talento do jogador brasileiro. Precisamos equalizar um pouco mais essa relação. É necessário que se construa interesse não apenas pela compra de jogadores, mas também pela compra de clubes. O futebol brasileiro e a economia agradecerão.

 

*Eduardo Carlezzo. Advogado, sócio do Carlezzo Advogados, especialista em direito desportivo e autor do livro Direito Desportivo Empresarial carlezzo@carlezzo.com.br

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