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Fotógrafo Luiz Braga fala de seu percurso, suas invenções e reinvenções

Braga já flertou com o preto e branco, com o colorido e, agora, apresenta um trabalho inédito, que remete a uma floresta com a textura fria da água-forte

Alambrado (2008), de Luiz Braga
 (Luiz Braga)

Alambrado (2008), de Luiz Braga (Luiz Braga)

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Da Redação

Publicado em 19 de dezembro de 2011 às 12h53.

São Paulo - Meia dúzia de câmeras preenchem uma mesinha de vidro, no canto do estúdio de Luiz Braga, 55 anos, em Belém. A F2A Nikon foi seu instrumento de trabalho de 1980 a 1994.

Ele desmontava, fuçava e remontava a peça para descobrir (ou inventar) efeitos que nem o próprio fabricante cogitaria. Foi numa dessas experimentações, subvertendo o óbvio, que surgiu uma de suas fotos mais admiradas: Babá Patchouli (1986).

Encarada, num primeiro momento, como um erro que Braga demorou seis meses para aceitar. Manteve a imagem na gaveta até se convencer de que ela poderia apontar um novo caminho.

Cinco anos depois, com essa fotografia, e outras exageradas de cor, ganhou um dos principais prêmios da especialidade, o Leopold Godowsky Jr Color Photography Award, da Universidade de Boston, e em 2009 participava da Bienal de Veneza.

Filho de médico psiquiatra, Luiz Braga cresceu rodeado de elementos culturais. Ganhou do pai um violino aos 10 anos – e uma câmera Start B, cover da famosa Rolleiflex feita na Polônia, de um amigo da família, aos 11.

Ficou fascinado pelo enigma: “O que é esse 5.6? E esse 8 ao contrário? E esse bando de aneizinhos?”. Logo se armou em fotógrafo no laboratório improvisado em casa, vedado com cobertores, onde revelava os retratos que fazia das irmãs.

Formado em arquitetura, descobriu no caminho para a faculdade a sua grande inspiração: o universo das caboquices. E nesta conversa que durou três horas – sem interrupção, apenas um cafezinho –, ele contou, emendando uma história na outra, como se tornou uma das grandes referências nacionais da fotografia em cores sem deixar de flertar com o preto e branco nem de apresentar coisas novas.

A técnica nightvision, que criou e foi batizada assim por Paulo Herkenhoff, é seu atual foco de estudo: imagens monocromáticas que fazem lembrar litografias épicas, feitas com uma câmera digital, filtro coreano e velocidade extremamente baixa.


BRAVO!: Você sempre quis ser fotógrafo?

Luiz Braga:
Na adolescência, era uma brincadeira, que foi substituída pela guitarra, pelo Super-8. Mas ficou ali, latente. Aos 17 anos, voltei a me interessar pela fotografia e andava pela cidade fotografando cenas de periferia, as praças, os edifícios, o rio. Aí a fissura bateu forte. Foi quando eu me aproximei de um grupo de médicos, engenheiros, gente com dinheiro que praticava a fotografia como hobby. Eu revelava minhas fotos no laboratório dessa galera, o Fotoclube do Pará. Era o único canal onde eu podia adquirir conhecimento, partilhar o meu trabalho. Naquela época, a fotografia tinha que ser em preto e branco e cheia de efeitos para parecer com pintura. Eu experimentei sanduíche de negativo, solarização, autocontraste.

Por que foi fazer arquitetura?

Luiz Braga: 
Porque não existia faculdade de fotografia nem de belas artes. No início de 1975 montei meu primeiro estudiozinho, cheio de erros. Era num porão, não tinha pé-direito, a rua alagava, eu não sabia revelar nada, era tudo de ouvido. Mas fui pesquisando. Rapidamente esgotei o conhecimento disponível no meu universo imediato. Aí comecei a ir para São Paulo procurar informação. Fui ao estúdio do Meca Assumpção, um fotógrafo de publicidade, que me ensinou a calcular o meu preço, pois eu nem sabia cobrar.

Não pensou em morar fora?

Luiz Braga:  Eu estava ganhando muito dinheiro com publicidade e sabia que em São Paulo teria mais trabalho. Mas quando visitei o Chico Albuquerque, em Fortaleza, durante a Semana Nacional de Fotografia, ele me disse: ‘Meu filho, não vá para lá, cultive o seu trabalho autoral. Não vá porque você vai voltar com muito dinheiro, mas não sei se você vai ser feliz’. Ele sabia como era a selva, retornou para Fortaleza com uma safena. Ele me deu aquele conselho e eu considerei.


Qual era seu foco autoral no momento?

Luiz Braga:  Um quebra-cabeça, eu era um autor em formação. Mas eu vendi fotografia desde a minha primeira exposição, em 1979, que teve mil visitantes. Havia cartazes pregados em toda a cidade. Eu ligava para os meus amigos jornalistas e conseguia reportagens. Eu tinha uma estratégia de divulgação. Se você for omisso com as possibilidades, acaba fazendo com que menos pessoas vejam o seu trabalho. Eu sempre briguei muito para formar um público. A segunda exposição, em 1980, teve 1,5 mil pessoas, e aconteceu numa discoteca, era o auge do Dancing Days e eu tinha acabado de ver o filme Os Olhos De Laura Mars. Saí produzindo uma série de imagens, nus inspirados em Helmut Newton, e exibi fotos grandes de 1 metro por 1,70. Ampliei tudo no maior improviso, lavava na piscina de um amigo.

Como a cor entrou no seu trabalho?

Luiz Braga:  Eu tinha 23 anos. Lembro que fiquei deprimido. Daí veio a grande revelação ao descobrir uma cidade diferente no caminho para a faculdade, que é numa região ribeirinha, à direita do Rio Guamá, onde há muita caboquice. E, quando percebi, eu já estava fotografando essa periferia e seus recortes de cores. Foi o início do meu amadurecimento. E comecei a buscar em outros caminhos o que eu tinha descoberto na Estrada Nova. Isso vai desaguar, em 1984, na exposição No Olho da Rua, que aconteceu em Belém e no Centro Cultural São Paulo. Reuni 28 fotos. Elas vinham assinadas, o que era um conceito inédito, com um envelope especial. Só não tinha o certificado, e a tiragem era grande, 25 cópias. Essa tiragem só vai se ajustar quando eu me confronto, depois da Bienal de Veneza, em 2009, com o mercado, aquele que tem humor, tem exigências. Hoje a tiragem é de cinco cópias numeradas e assinadas.

Foi sua primeira exposição fora de Belém.

Luiz Braga:  E já consegui duas resenhas fantásticas, superdelicadas, uma do Arlindo Machado, que era o cult da Folha, e outra da Stefania Bril, no Estadão. Aí eu começo a minha escalada e a me posicionar, pois nunca quis mostrar o meu trabalho dizendo ‘Desculpe aí, mas eu venho lá do Norte; desculpe, mas minha cópia não é muito boa...’. Sabe aquela coisa de você mostrar pedindo desculpa? Não faz parte. Porque, depois de muito tempo refletindo, eu descobri que a caboquice que muita gente via como pejorativo é de fato a personalidade.


E você voltou para o preto e branco?

Luiz Braga: Chegou uma hora, em 1984, 1985, que a cor encheu o saco. Aí eu comecei a fotografar em preto e branco, que é a origem do meu trabalho. Mas fui fazer direito, pesquisar os filmes, os papéis... Essa fase em preto e branco eu considero uma passagem que vai me levar para o trabalho com o qual eu ganhei o prêmio Leopold Godowsky Jr Color Photography, da Universidade de Boston, em 1991. Essa foto, Babá Patchouli, de 1986, me abre o caminho.

Uau, parece uma pintura!

Luiz Braga:  Quando as pessoas me diziam isso naquela época, eu ficava ofendido, porque eu tinha aquela militância de fotógrafo. Hoje em dia, acho um superelogio. Eu amadureci e descobri que, na verdade, eu pinto com a luz. Eu sou um pintor preguiçoso, aquele que não suja a mão. Só que essa foto ficou seis meses na gaveta porque eu implicava com ela. Eu estava vindo daquele trabalho perfeito em preto e branco, com foco perfeito, tons perfeitos. Aqui, a mulher está tremida, e tem essa infiltração de verde.

É algum tratamento?

Luiz Braga:  Não. É uma subversão do filme. O daylight é feito para condições diurnas e eu fotografei no fim da tarde, sob a influência da luz artificial da rua, de mercúrio. Foi acidental, eu não sabia que ficaria verde. Eu deveria ter colocado um filtro. Como eu não coloquei, entrou esse verde. Demorei para assumir esse erro como uma possibilidade de linguagem. Quando percebi a parada, comecei a sair por aí feito um caçador de luzes.

O que mudou com o prêmio da Universidade de Boston?

Luiz Braga:  Tive a noção da universalidade do meu trabalho. No dia da cerimônia houve uma exposição e um senhor estava parado na frente da foto Babá Patchouli. Eu me aproximei curioso, e o cara se virou para mim e disse: ‘Eu posso sentir o cheiro da água nesta foto. Eu cresci à beira do Mississipi, então eu sei o que você está falando’. Eu pensei: um americano sentindo o cheiro da água na minha foto! O caboclo está falando a língua dos homens! Depois eu fui saber que esse cara era o catedrático de fotografia da Universidade de Boston.


Como surgiu a técnica nightvision?

Luiz Braga:  É fruto dessa minha inquietude. Ao fuçar o menu da câmera digital que comprei em 2004, descobri o night shot, uma faculdade que permite fotografar no escuro, mas eu resolvi experimentar de dia. Gostei do resultado. Me lembra aquelas coisas épicas, meio litogravura, Rugendas. Com essa técnica eu fiz xixi no poste, desenvolvi graças a minha vivência e a uma pesquisa minha. E a partir dela me aproximo de algo que nunca tinha feito parte do meu trabalho: a natureza.

Onde você fez a foto Igapó?

Luiz Braga: Em Anavilhanas, uns quilômetros acima do Rio Negro, em Manaus. Esse lugar tem uma transcendência que mexeu muito comigo. É uma floresta inundada que dá uma falsa sensação de segurança. Na verdade, isso aqui é uma árvore, não existe terra firme, e uma bruma flutua acima dessa água negra. A sensação que eu tive ali é a de que você é feito do líquido e de que ao líquido você retornará. Se pudesse escolher um lugar para morrer, seria lá.

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