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Facebook não reconhece a ironia de cartunistas políticos

Embora a sátira e a ironia sejam comuns no dia a dia, os sistemas de inteligência artificial do Facebook, e até mesmo seus moderadores humanos, podem ter dificuldade em distingui-las

Matt Bors, um cartunista de esquerda que dirige um site chamado The Nib. Bors diz que perder sua página no Facebook custaria 60% de seus leitores .  (Norman Wong/The New York Times)

Matt Bors, um cartunista de esquerda que dirige um site chamado The Nib. Bors diz que perder sua página no Facebook custaria 60% de seus leitores . (Norman Wong/The New York Times)

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Julia Storch

Publicado em 3 de abril de 2021 às 06h19.

Desde 2013, Matt Bors, que é de esquerda, ganha a vida como cartunista na internet. Seu site, The Nib, exibe desenhos seus e de outros colaboradores que regularmente distorcem movimentos da direita e conservadores com comentários políticos cheios de ironia.

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Uma charge em dezembro foi contra os Proud Boys, grupo de extrema-direita. Bors ironicamente a chamou de "Boys Will Be Boys" (coisa de meninos, em tradução livre) e retratou um recrutamento em que os novos integrantes eram treinados para ser "caras revoltados" e para "insultar adolescentes aos gritos" enquanto jogavam videogame.

Dias depois, o Facebook enviou uma mensagem a Bors dizendo que havia removido "Boys Will Be Boys" de sua página no Facebook por "defender a violência" e que ele seria monitorado por violar as políticas de conteúdo do site.

Não foi a primeira vez que ele se tornou alvo do Facebook. No ano passado, a empresa retirou brevemente outra charge do Nib – crítica irônica à resposta do ex-presidente Donald Trump à pandemia, cuja ideia era apoiar o uso de máscara em público – por "espalhar desinformação" sobre o coronavírus. O Instagram, propriedade do Facebook, removeu um de seus desenhos sarcásticos antiviolência em 2019 porque, segundo o aplicativo de compartilhamento de fotos, havia promoção de violência.

O que Bors descobriu foi o resultado de duas forças opostas se desenrolando no Facebook. Nos últimos anos, a empresa se tornou mais proativa na restrição de certos tipos de discurso político, excluindo postagens sobre grupos extremistas marginais e que apelavam à violência. Em janeiro, o Facebook proibiu completamente Trump de postar em seu site, depois que este incitou a multidão que invadiu o Capitólio dos EUA.

Ao mesmo tempo, segundo os pesquisadores da desinformação, o Facebook tem dificuldade em identificar um conteúdo político mais sutil: a sátira. Embora a sátira e a ironia sejam comuns no dia a dia, os sistemas de inteligência artificial da empresa – e até mesmo seus moderadores humanos – podem ter dificuldade em distingui-las. Isso porque esse tipo de discurso se baseia em nuances, insinuações, exageros e paródias para passar uma ideia.

Isso significa que o Facebook às vezes entende mal a intenção das charges políticas e as acaba derrubando. A empresa reconheceu que algumas – incluindo as de Bors – foram removidas por engano e depois liberadas. "Se as empresas de mídia social vão assumir a responsabilidade de regular incitação, conspirações e discursos de ódio, terão de desenvolver alguma noção de sátira", afirmou Bors, de 37 anos.

Emerson T. Brooking, membro do Atlantic Council, que estuda plataformas digitais, declarou que o Facebook "não tem uma boa resposta para a sátira porque a boa resposta não existe", acrescentando que a sátira mostra os limites de uma política de moderação de conteúdo e pode significar que uma empresa de mídia social precisa se esforçar mais para identificar esse tipo de discurso.

Muitos dos cartunistas políticos cujos posts foram excluídos pelo Facebook eram de esquerda, sinal de como a rede social às vezes interfere nas vozes progressistas. Os conservadores já a acusaram anteriormente, além de outras plataformas de internet, de suprimir apenas opiniões da direita.

Em um comunicado, o Facebook não abordou os problemas para detectar sátiras. Em vez disso, a empresa afirmou que abre espaço para conteúdo satírico, mas até certo ponto. Postagens sobre grupos de ódio e conteúdo extremista só são permitidas se houver a ideia de condenação, ou se o debate for neutro, porque o risco de danos no mundo real é muito grande.

As dificuldades do Facebook para moderar o conteúdo em sua principal rede social, no Instagram, no Messenger e no WhatsApp foram bem documentadas. Depois que os russos manipularam a plataforma nas eleições presidenciais de 2016, espalhando postagens provocativas, a empresa recrutou milhares de moderadores para evitar a recorrência. Além disso, desenvolveu algoritmos sofisticados para peneirar o conteúdo.

O Facebook também criou um processo para que apenas anunciantes verificados pudessem comprar anúncios políticos, e instituiu políticas contra o discurso de ódio para limitar posts que contivessem conteúdo antissemita ou supremacista branco.

No ano passado, a rede social revelou ter impedido mais de 2,2 milhões de submissões de anúncios políticos que ainda não haviam sido verificados e que tinham como alvo usuários dos EUA. Reprimiu também o grupo teórico da conspiração QAnon e os Proud Boys, removeu a desinformação sobre vacinas e exibiu avisos sobre mais de 150 milhões de posts vistos nos Estados Unidos que os verificadores de fatos terceirizados desmascaravam.

Mas a sátira continuava aparecendo como um ponto cego. Em 2019 e 2020, o Facebook teve de lidar com sites de desinformação de extrema-direita que usavam alegações de "sátira" para proteger sua presença na plataforma, segundo Brooking. Por exemplo, The Babylon Bee, site de direita, frequentemente espalhava desinformação disfarçada de sátira. "Em certo momento, suspeito que o Facebook se cansou dessa dança e adotou uma postura mais agressiva."

Bors obtém a maior parte de seu tráfego do Facebook e Instagram. (Norman Wong/The New York Times)

Pesquisadores da desinformação divulgaram que charges políticas que apareciam em países de língua não inglesa contendo humor sociopolítico e ironia específicos de certas regiões também apresentaram complicações para o Facebook.

Isso teve consequências para muitos cartunistas políticos. Um deles é Ed Hall, que vive no norte da Flórida, e cujo trabalho independente aparece regularmente em jornais norte-americanos e europeus.

Quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou em 2019 que impediria duas congressistas – críticas do tratamento que Israel dispensa aos palestinos – de visitar o país, Hall fez uma charge mostrando um cartaz afixado em arame farpado que dizia, em alemão: "Judeus não são bem-vindos aqui". Ele acrescentou uma linha de texto dirigindo-se a Netanyahu: "Ei, Bibi, você se esqueceu de algo?"

Hall contou que sua intenção era fazer uma analogia entre como Netanyahu estava tratando as representantes dos EUA e a Alemanha nazista. O Facebook retirou a charge pouco depois da postagem, alegando que violava seus padrões sobre o discurso de ódio. "Se os algoritmos estão tomando essas decisões baseadas apenas em palavras que aparecem em uma página, então isso não é um catalisador de decisões justas ou comedidas quando se trata de liberdade de expressão", disse Hall.

Adam Zyglis, cartunista político sindicalizado do jornal "The Buffalo News", também foi pego na peneira do Facebook.

Depois da invasão do Capitólio em janeiro, Zyglis fez uma charge do rosto de Trump no corpo de uma porca, com vários "apoiadores" mostrados como leitões usando bonés Maga (sigla em inglês de "Faça os EUA grandes novamente") e carregando bandeiras confederadas. Segundo Zyglis, o desenho condenava o modo como Trump havia alimentado seus apoiadores com discursos violentos e mensagens de ódio.

O Facebook removeu a charge, que foi considerada promoção de violência. Zyglis acha que pode ter sido porque uma das bandeiras no desenho incluía a frase "Hang Mike Pence" (enforque Mike Pence), que os apoiadores de Trump gritavam durante o motim. Outro porquinho apoiador carregava uma corda com nó de forca, item que também estava presente na invasão. "Quem fala a verdade ao poder está sendo pego na peneira que visa capturar o discurso de ódio", disse Zyglis.

Para Bors, que mora em Ontário, a questão com o Facebook é existencial. Suas principais fontes de renda são a assinatura paga do Nib e as vendas de livros em seu site pessoal, mas ele recebe a maior parte de seu tráfego e de novos leitores por meio do Facebook e do Instagram.

As charges derrubadas, que resultaram em "greves" contra sua página no Facebook, poderiam prejudicá-lo. Se isso continuar se repetindo, sua página poderá ser apagada, o que, de acordo com Bors, cortará 60 por cento de seus leitores. "Hoje, remover alguém das mídias sociais pode acabar com sua carreira, por isso você precisa de um processo que diferencie a incitação à violência de uma sátira desses mesmos grupos que a incitam."

Bors contou que os Proud Boys também atuaram. Alguns deles se organizaram recentemente no aplicativo de mensagens Telegram para denunciar suas charges ao Facebook por violar os padrões do site. "Você acorda e descobre que corre o risco de ser desligado porque os nacionalistas brancos ficaram bravinhos com sua charge."

Segundo Bors, o Facebook por vezes reconheceu os erros e os corrigiu depois de seus apelos. Mas o vai e vem e a possibilidade de exclusão têm sido frustrantes e o fizeram questionar seu trabalho. "Às vezes penso se uma piada vale a pena, ou se vai acabar me expulsando. O problema é: qual é o limite desse tipo de pensamento? Como isso vai afetar meu trabalho em longo prazo?"

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