Pedra Azul: formação está localizada na terceira maior área de Mata Atlântica do Brasil. (Tedd Santana Fotografias/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 22 de julho de 2023 às 09h23.
O Espírito Santo não se traduz apenas em cinematográficas praias e em sua famosa moqueca. O estado também possui montanhas, o friozinho e o ar puro da serra. É verdade que o Brasil não abriga picos elevados como o Everest no Himalaia, os dos Alpes, no centro-norte da Europa, ou os da Cordilheira dos Andes, nos países situados no Oeste da América do Sul. Os tupiniquins são bem menores, mas nem por isso menos bonitos. E eles surgem em formatos de mesa, baús, pontões e monólitos gigantescos. Caso da Pedra Azul, na região serrana capixaba.
Com monumentais 1.822m de altitude, a imponente formação de granito e gnaisse é assim chamada por adquirir a coloração azul e esverdeada, cor que vai mudando durante o dia de acordo com a incidência da luz solar. Também conhecida como Pedra do Lagarto, está localizada na terceira maior área de Mata Atlântica do Brasil, no interior de um estado que é possuidor de um dos três melhores climas do mundo, segundo a ONU.
Com piscinas naturais, cachoeiras e uma pedra menor em forma de lagarto “agarrada” em sua encosta rochosa, a Pedra Azul é o principal “habitante” da Rota do Lagarto, em Arecê, um pequeno distrito de Domingos Martins. A vila é mais conhecida como Pedra Azul, um glamouroso lugarejo que concentra paisagens surreais, gastronomia impecável e os costumes e as tradições culturais dos imigrantes italianos e, em bem menor proporção, dos alemães.
Com garra e persistência, essa gente trabalhadora ajudou a desenhar o País, sobretudo a partir do século 19, quando colonizou a região. Aliás, essa miniatura “italiana” do Vêneto e de Treviso de Domingos Martins tem no agroturismo um de seus pontos altos – a maioria das fazendas da vizinha cidade Venda Nova do Imigrante recebe visitantes, para os quais oferece tentações doces e salgadas produzidas em suas terras.
O Espírito Santo também é o produtor de um dos melhores cafés do Brasil – concorre com o estado de Minas Gerais. Por isso, na região, não faltam lojas que comercializam os diferentes tipos da bebida feita a partir da seleção e torrefação de grãos semeados pelos seus proprietários, especialmente o Arábica. Os agricultores também abrem suas portas ao público, dando aulas sobre todas as etapas de fabricação do café, da coleta de grãos à exportação.
O acesso à região onde fica a gigantesca Pedra Azul (entenda, o principal postal da serra capixaba) e que também é a porta de entrada para as suas lindíssimas atrações é a Rodovia BR-262. É possível chegar lá de carro, de ônibus ou depois de contratar um tour das agências de viagens.
Partindo de Vitória, o trajeto de mais de 90 km pela estrada até a vila de Pedra Azul inclui mágicas paisagens e um roteiro de sonho: a Rota do Lagarto. Ela começa no km 88 da BR-262, onde fica a Pousada e Restaurante Peterle, e se estende por mais ou menos 7 km até a Rodovia ES-164, por uma estrada repleta de flores e de tons de verde.
Ao lado da pousada e perto do termômetro do início da rota, está a Casa do Turista, o lugar certo para quem procura dicas sobre os tours turísticos de nove municípios das Montanhas Capixabas: Domingos Martins, Afonso Cláudio, Brejetuba, Castelo, Conceição do Castelo, Laranja da Terra, Marechal Floriano, Vargem Alta e Venda Nova do Imigrante. Além de informações, a Casa do Turista também agenda passeios às trilhas e piscinas naturais do parque da Pedra do Lagarto.
É a Rota do Lagarto que vai te conduzir ao distrito Aracê, onde está a majestosa Pedra Azul, no parque estadual de mesmo nome. Distante uns 50 km do centro de Domingos Martins, o vilarejo tem um clima romântico, friozinho e o ar puro das montanhas. Guarda ainda casas, construções e bem-cuidados jardins, todos rodeados por flores e colinas verdinhas. Algumas edificações têm telhado coberto por grama, uma influência arquitetônica dos noruegueses que ali se instalaram.
Pedra Azul, como a própria serra onde está inserida, tem bucólicas pousadas. A Rabo do Lagarto é uma delas. A luxuosa pousada integra o Roteiros de Charme, da associação de mesmo nome. Todos os anos, a entidade sem fins lucrativos seleciona hotéis, pousadas e refúgios ecológicos do Brasil, segundo rígidos critérios quanto ao conforto, à qualidade dos serviços e à responsabilidade socioambiental.
Suas 17 suítes com varanda têm vista para as montanhas, além de uma sala de estar e banheiro. Todas estão equipadas com TV de tela plana, máquina de café expresso, frigobar, telefone, ar-condicionado e aquecedor. Algumas acomodações possuem lareira e ofurô; outras, banheira de hidromassagem.
Como diferenciais, oferece um cardápio de perfumados sabonetes ao hóspede, servindo ainda o café da manhã na hora em que ele desejar, incluindo à tarde e à noite, em um bistrô com lareira. A refeição matinal também pode ser servida no quarto, assim como o cardápio gourmet do almoço e jantar.
A pousada possui dois ofurôs ao ar livre com água quente e um charmoso deque com vista panorâmica para as montanhas e para a icônica Pedra Azul, distantes apenas 5 km. Não é tudo. Fica entre colinas verdinhas, à beira da rodovia ES-164 e a poucos passos do quadrilátero São Paulino, onde tudo acontece nos finais de semana e feriados.
O borbulhante quadrilátero é um point que se estende pela Rota do Lagarto e que abriga lojas e restaurantes com comidas da região, além de um food truck (o Taruíra) especializado em culinária alemã – seu cardápio inclui salsichas, hambúrgueres artesanais, batata rosti, torta de maçã e variados tipos de mostardas e de cervejas artesanais.
Ali também funcionam o Tuía e a Marietta Delicatessen. Mistos de restaurante e loja de artesanato, oferecem petiscos doces e salgados, licores e sorvetes caseiros, além de toalhas, panos de prato… Há, ainda, a Da Tutte Mani, que comercializa toalhas, almofadas e outras peças feitas por voluntárias do Instituto Yutta Batista da Silva. A entidade desenvolve projetos socioeducativos e ações sociais para melhorar a vida da população carente da região.
Se você gosta de doces, São Paulino é o lugar perfeito para saborear uma divina torta de morango, outro dos itens produzidos na região – todos os anos, em agosto, Pedra Azul sedia a tradicional Festa do Morango. A tentação é servida no restaurante anexo ao Degga Ofurô, no km 7 da Rota do Lagarto. Aproveite que está aí e conheça o ateliê onde o artesão João Luiz Sessa cria tinas de imersão, casas para pássaros, abridores de garrafa, baldes de gelo e outros objetos de madeira.
Se a fome apertar e os petiscos não forem suficientes para cessá-la, o Alecrim Cozinha Artesanal, também no quadrilátero, é uma opção. Comandada por Cecília Cunha e marido, a casa oferece receitas criadas a partir de referências de pratos clássicos com toques da gastronomia francesa e italiana. Como charme a mais, tem um aconchegante terraço coberto que dá a sensação de a gente estar inserido no meio da Mata Atlântica.
Mas, atenção: como a maioria dos restaurantes do vilarejo, tudo no São Paulino somente funciona de sexta-feira a domingo e nos feriados, exceto nas férias escolares, quando muitos deles abrem todos os dias. Bem pertinho do quadrado, o Peccato della Montagna é uma das poucas exceções. Diariamente, o ristorante serve o almoço e o jantar, seduzindo o paladar dos frequentadores com um elaborado cardápio integrado por pratos típicos italianos.
Gosta de cavalgar? O que acha de fazer uma cavalgada ecológica em cavalos noruegueses da raça Fjord? Na Fjordland, isso é possível. Na visita, aproveite para conhecer os estábulos e a fazendinha com animais domésticos, a horta orgânica, o berçário de plantas e ervas medicinais e a estufa onde são semeadas as mudas usadas na proteção dos recursos hídricos, na recuperação de áreas degradadas e na criação de áreas verdes.
Na propriedade de uma falecida princesa da Noruega (ainda pertence à família de nobres escandinavos), funcionam ainda uma biblioteca e uma cozinha-escola que é palco de cursos abertos à comunidade, além de uma tulha, onde é possível acompanhar o processo de produção artesanal do Café Orgânico Heimen. Lembra das construções com telhados cobertos por grama que falei? Pois, aqui, todas as instalações são coloridas por eles.
Outra coisa legal para conhecer em Pedra Azul é o Apiário Florin, propriedade de dez mil hectares de Mata Atlântica do agrônomo holandês Arno Wiering e da esposa. No lugar, você, vestido com o macacão de apicultor, pode conhecer colmeias de diversas espécies de abelhas e aprender sobre o processo de produção do mel. Já a loja da propriedade comercializa mel de variados aromas e sabores (com direito à degustação), geleia real e licores e cachaças feitos à base de mel.
Nas proximidades de Pedra Azul, mas já na cidade de Venda Nova do Imigrante, em Providência, ficam as lojas de artesanato e de delícias caseiras da Tia Claudia e da Tia Cila. A visita a esta última dá direito a provinhas de licores e de variados tipos de biscoitos que a dona da loja fabrica em fogão a lenha. A propriedade inclui ainda a Capelinha de São José, uma loja de móveis rústicos de madeira e um centenário jequitibá.
Ainda em Providência, vale a pena dar um pulo até a fazenda da Família Carnielli, a pioneira no agroturismo da região. Diariamente, a sua loja recebe visitantes. Ali eles chegam para ver, comer e comprar produtos feitos na fazenda. São queijos, doces, iogurtes, linguiças e biscoitinhos, além de diferentes tipos de café Arábica, obtidos a partir dos grãos cultivados há mais de 100 anos pela família.
Já ouviu falar de socol? Não? O embutido de lombo suíno, que se assemelha ao italiano culatello, é um dos campeões de venda da Carnielli. Sua receita foi inspirada no ossocolo, produzido na região de Treviso, na Itália. Após ser temperada com sal, pimenta-do-reino e alho, a iguaria é curada por seis meses. O socol também é o carro-chefe do Sítio da Família Lourenção, uma das mais tradicionais produtoras do Espírito Santo.
Tia Cacilda, como é conhecida a nona da propriedade, conta que era hábito das famílias de imigrantes fazer o ossocolo. Ela mesma aprendeu a fabricar o embutido com os avós italianos. Sorridente, a nona ensina que, com o passar dos anos e devido às diferenças de pronúncia, o ossocolo passou a se chamar socol. Depois da aula de Tia Cacilda, nada melhor do que provar a iguaria na loja da família, que comercializa ainda uma grande variedade de doces, geleias e conservas, pestos e antepastos, além de licores e limoncello.
Degustações à parte, Venda Nova do Imigrante é considerada a capital nacional do agroturismo. Pela cidade de pouco mais de 20 mil habitantes e pelo seu entorno, espalham-se fazendas de tradicionais famílias, a maioria delas integradas por descendentes de imigrantes Italianos. Assim como a maioria dos municípios da região serrana, esta cidade foi colonizada por eles, que vieram sobretudo das províncias de Treviso e Vêneto, na Itália.
Para você ter uma ideia, até a década de 1940, todos os habitantes da localidade eram descendentes de italianos e só falavam o vêneto, idioma usado na região de mesmo nome no Nordeste da Itália. Os primeiros imigrantes chegaram em meados de 1892. Devido às dificuldades de uma época em que não existiam as comodidades e tecnologias dos dias atuais, eles se uniram e construíram escolas, igrejas e até uma usina geradora de energia elétrica, capaz de movimentar máquinas de beneficiamento de café e iluminar casas e demais construções.
Essas mesmas dificuldades, além das de comunicação e transporte, fizeram com que os italianos fabricassem os próprios alimentos e bebidas, como queijos, pães, massas, biscoitos, geleias, vinho, aguardente e café, desenvolvendo o agroturismo na região. Responsável pelo crescimento da economia e do turismo local, o setor atualmente reúne mais de 80 produtores, cada um deles com suas peculiaridades.
Os produtores fazem parte do Agrotur Centro de Desenvolvimento Regional do Agroturismo, entidade criada em 1993 e que, entre outras iniciativas, organiza roteiros de visitação às propriedades rurais. A região abriga ainda orquidários, laticínios, fábrica de cerveja artesanal e cachaçaria. Você também pode obter dicas sobre o que fazer em Venda Nova do Imigrante no Posto de Informações Turísticas, na Av. Evandi Américo Comarela, 75, no centro da cidade e em frente à rodoviária.
Ainda no centro de Venda Nova do Imigrante, vá até a Caprinova. Situada na Av. Domingos Perim, 593, a loja comandada por Carmem Feitosa Alto se destaca pela produção artesanal de sabonetes de leite de cabra com extratos vegetais. Dona Carmem também produz o próprio socol, uma receita aprendida com os antepassados nascidos no Tirol, em Trento, Norte da Itália, onde em cada comuna os costumes culinários tinham suas particularidades. “Aprendi a usar os temperos com a minha mãe. É uma herança fantástica”, orgulha-se.
Outro sucesso da loja são as geleias de abacaxi, em versões com pimenta, gengibre, limão-siciliano, mexerica e laranja. A Caprinova também fabrica antepastos de tomate seco, berinjela e palmito e molhos (sugo e de laranja com hortelã), além de vender artesanatos feitos com retalhos de tecido, lembrancinhas perfeitas para dar de presente.
Na cidade, também não deixe de tomar um cafezinho no Café Seleção do Mário, considerado como um dos melhores da região por sua excelente qualidade. O diferencial dos produtos desenvolvidos pelo casal Mário Zardo e Lucineia começa com a seleção dos grãos, feita à mão e separados um a um. Depois, o café vai para uma torradeira, onde fica de 12 a 15 minutos, a uma temperatura que varia entre 200ºC e 225ºC.
Com o mesmo grão, é possível fazer diversos tipos de torra, que resultam em sabores diferenciados. No total, a propriedade gera cerca de cinco a seis toneladas de grãos por mês. Especializada na produção, venda e exportação de grãos de café especial, inclusive pela internet, a empresa hoje abastece cafeterias de capitais e cidades brasileiras.
Vale mesmo a pena saborear o café do Mário, assim como se deixar seduzir pela gente de bem com a vida que mora nas vilinhas e cidades de contos de fada que se intercalam pelas montanhas do Espírito Santo. Pegue roupas de frio e coloque na bagagem. Prepare-se para ganhar uns (ou muitos) quilos a mais e vá conhecer a mágica serra capixaba. Vai se apaixonar, com certeza!
Por Fabíola Musarra – revista Qual Viagem
*A jornalista viajou às Montanhas Capixabas a convite da Pousada Rabo do Lagarto.