O coronavírus afetou cadeias de distribuição (Trisha Krauss/The New York Times)
Daniel Salles
Publicado em 9 de janeiro de 2021 às 06h00.
Comprar uma máquina de lavar louça não é mais o que costumava ser. Quem diria que tentar encontrar algo tão comum seria como tentar encontrar papel higiênico em abril? Ou fermento de pão em abril. Ou uma bicicleta em maio. Você pode se perguntar: quando foi que as lava-louças se tornaram um item muito procurado?
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Foi o que Sonya Racine começou a pensar quando decidiu comprar uma no início de agosto. Ela havia acabado de comprar uma casa em LaSalle, no Illinois, e a máquina de lavar louça na pequena cozinha dos anos 20 estava quebrada. Então, decidiu comprar uma Bosch de 46 centímetros em aço inoxidável – compra aparentemente razoável. "O modelo estreito é bastante comum. Muitos dos meus amigos em Chicago têm uma delas", disse Racine, de 54 anos, comissária de bordo aposentada.
Mas, quando visitou uma loja local de eletrodomésticos, foi informada de que eles não tinham nenhuma e não sabiam quando receberiam mais. Nem sequer aceitaram que ela fizesse uma encomenda. A Home Depot tinha uma lista de espera até novembro. Ela também não teve sorte na Lowe's ou na Best Buy.
"Até as brancas estavam esgotadas", contou ela. Em agosto, encontrou uma, na loja local de uma cadeia de Nova Jersey, que poderia ser enviada em outubro. A máquina, porém, chegou danificada e teve de ser devolvida. Nessa altura, a lista de espera da Home Depot não parecia tão ruim, de modo que fez a encomenda e de fato a recebeu no fim do mês.
Racine poderia esperar – é possível viver sem uma máquina de lavar louça por alguns meses –, mas a escala dos atrasos e a falta de estoque a preocupavam: "Minha mãe cresceu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, e havia dias em que sua única refeição era uma batata. Em perspectiva, tenho tudo de que preciso, mas esse é um sinal preocupante."
As lava-louças são apenas o começo. As pessoas estão tendo dificuldade em encontrar sofás, cadeiras, geladeiras, madeira, produtos isolantes e fornalhas para aquecer a casa. Os decoradores dizem que enfrentam escassez de tudo, desde papel de parede até amostras de materiais para os clientes. Pamela Eberhard, decoradora em Beacon, no estado de Nova York, descreveu "atrasos como nunca vi", incluindo um sofá de US$ 1.300 da Urban Outfitters com lista de espera até novembro de 2021. "É impossível obter qualquer coisa. Não consigo um sofá, não consigo cadeiras para a mesa de jantar, não consigo mesa de jantar. Tudo está esgotado", disse Eberhard, dona da North Nine Designs.
A pandemia está prejudicando a cadeia de suprimentos global, com problemas em quase todos os cantos, afetando a disponibilidade de mercadorias variadas, desde laptops até cerveja e lenços de limpeza.
Em março, muitas empresas, temerosas de que os clientes não estivessem comprando, cancelaram seus pedidos e desencadearam um efeito cascata. Fábricas fecharam ou atrasaram a produção. Alguns materiais, como enchimento e tecido para sofás, sumiram, o que dificultou sua produção.
As mercadorias provenientes da China, que costumavam chegar entre três e quatro semanas, agora levam três meses, informou Per Hong, sócio especializado em cadeias globais de suprimentos da Kearney, consultoria global de gestão. Quando chegam, muitas vezes enfrentam mais atrasos em armazéns ou na tentativa de conseguir caminhões para entrega.
O comportamento do consumidor também foi extremamente imprevisível durante os meses de quarentena, com os americanos em casa inesperadamente buscando itens como lâmpadas de aquecimento, mesas e piscinas de plástico. Materiais básicos como o alumínio estão em falta, pois as pessoas compram mais refrigerante e cerveja enlatados para beber em casa, em vez de pedir da torneira em bares e restaurantes.
"Estamos vendo as consequências da pandemia, que está afetando todos os níveis dessa cadeia de suprimentos de ponta a ponta. E estamos vendo tudo recomeçar ao mesmo tempo", disse Hong.
Esses atrasos podem perdurar por algum tempo. A pandemia está piorando, mesmo com a chegada das vacinas. E o comércio global é um animal complicado, atormentado por colapsos sem correções rápidas. "Vão se passar meses, se não anos, antes de chegarmos a um nível de normalidade em que possamos satisfazer essas necessidades", ressaltou Hong.