Segundo uma pesquisa encomendada pelo Alcohol Change UK, após o término da campanha, sete entre dez pessoas diminuíram o consumo de bebidas alcóolicas. (Peter Cade/Getty Images)
Proprietária de loja de vinhos
Publicado em 20 de janeiro de 2025 às 10h55.
Prontos para o desafio de repensar sua relação com o álcool? O Dry January (ou Défi de Janvier, na França) é um movimento mundial que, a cada início de ano, desafia milhões de pessoas a ficarem 31 dias sem beber álcool. É um convite para desacelerar após os excessos das festas de fim de ano, refletir sobre os hábitos e, claro, cuidar da saúde.
O movimento começou oficialmente no Reino Unido, em 2013, liderado pela organização Alcohol Change UK (levando se em conta claro a realidade desenfreada dos ingleses), mas sua inspiração remonta a 2011, quando Emily Robinson decidiu parar de beber enquanto treinava para um semimaraton. Anos depois, Emily lançou a ideia no âmbito nacional, com a participação de 4.000 britânicos em sua primeira edição. O fenômeno cresceu, ultrapassando fronteiras e alcançando 12 países, incluindo nove na Europa.
Na França, onde o vinho é praticamente um patrimônio cultural, o Dry January encontrou resistência. A primeira edição oficial, em 2020, enfrentou a oposição de lobbies viticultores, levando o governo a se distanciar do movimento. Mesmo assim, a adesão foi notável, impulsionados por associações de saúde pública.
Embora muitos comerciantes e produtores enxerguem o Dry January como uma ameaça, a realidade é que ele reflete mudanças profundas no comportamento do consumidor. Hoje, mais pessoas buscam equilíbrio, não apenas em relação ao álcool, mas em todos os aspectos da vida.
Na França, o consumo per capita de álcool caiu 50% nos últimos 40 anos. Isso não significa que os franceses deixaram de beber vinho – eles simplesmente estão bebendo menos e muito melhor. O aumento significativo dos preços de vinhos da Borgonha é um exemplo claro disso. A demanda global elevou os preços de rótulos da região a patamares inéditos, evidenciando que, mesmo consumindo menos, o público está disposto a investir em qualidade.
Outro fator que explica a redução no consumo de álcool no país são as mudanças climáticas e sociais. Até 1978, por exemplo, a calefação ainda não era obrigatória na França entre outubro e abril, o que fazia com que muitas pessoas recorressem ao consumo de bebidas alcoólicas como forma de se aquecer durante os meses mais frios. Com o avanço no conforto térmico, a necessidade de beber “para se esquentar” diminuiu significativamente.
• Cada taça de vinho equivale a um copo grande de chope.
• Uma garrafa de vinho rende, em média, seis taças.
No meu trabalho como sommelière há mais de 20 anos, percebo que um casal costuma dividir uma garrafa de vinho durante uma refeição. No entanto, poucas pessoas têm essa mesma noção ao beber cerveja, o que frequentemente leva ao consumo excessivo. Essa conscientização é um passo importante para conhecer seus limites e poder beber a vida toda preservando seu organismo.
Uma tendência clara nos últimos anos é o crescimento do mercado de bebidas sem álcool ou com teor alcoólico reduzido. Antigamente, as opções eram limitadas e muitas vezes decepcionantes. Hoje, é possível encontrar vinhos, espumantes, coquetéis, cervejas e até destilados sem álcool de excelente qualidade.
Na minha casa, por exemplo, sempre tenho ao menos quatro produtos para receber amigos e familiares:
• 1 gim (marca Djin),
• 1 aperitivo (Aperol da marca Nona),
• 1 kombucha ou kefir (marca LBV),
• 1 espumante sem álcool (Château La Coste).
Essas marcas são referência na França, mas no Brasil também há opções interessantes. Caso não encontre em sua cidade, minha dica é solicitar ao comerciante local. A demanda é um fator essencial para ampliar a oferta de produtos no mercado.
Para os comerciantes e importadores, fica o alerta: o público está disposto a investir em produtos de qualidade. Em Paris, por exemplo, o preço de um espumante sem álcool de alta qualidade é equivalente ao de uma garrafa de champanhe – e o consumidor paga com prazer.
Essa mudança de comportamento é um reflexo da busca por equilíbrio e inclusão. Afinal, em qualquer evento social, sempre haverá pessoas que não podem ou preferem não consumir álcool, seja por questões de religião, de saúde, como gravidez ou tratamentos médicos, seja por escolha pessoal.
Durante minha gravidez de gêmeos, seguida por 10 meses de amamentação, fiquei 19 meses sem consumir álcool. Naquela época, as opções de bebidas alternativas eram limitadas, e eu me via muitas vezes em jantares apenas com água mineral. Era frustrante, especialmente considerando a importância do vinho em momentos sociais e culturais.
Hoje, com a variedade de produtos disponíveis, essa realidade mudou. Há opções sofisticadas e saborosas que permitem participar de eventos sem abrir mão do prazer de uma boa bebida.
É claro que o movimento Dry January gera debates acalorados, especialmente entre produtores tradicionais de vinho e o o governo francês por aqui. No entanto, acredito que há espaço para todos. O vinho continuará sendo uma parte essencial da cultura e das celebrações, mas pode coexistir um
Pequeno espaço com alternativas sem álcool de alta qualidade.
Quantos de nós já presenciaram situações desconfortáveis causadas pelo excesso de álcool em uma festa? Aquele tio ou cunhado que se torna inconveniente? Servir discretamente uma bebida sem álcool pode ser uma solução elegante para manter a harmonia do evento.
Por fim, quero deixar uma reflexão que compartilho com minha família, clientes e amigos:
“Sua disciplina é a sua liberdade. Conheça seus limites, e assim poderá aproveitar o melhor da vida sempre!”
O Dry January não é apenas uma campanha; é um convite à reflexão sobre o consumo consciente. Seja participando do desafio ou simplesmente incorporando alternativas ao seu dia a dia, o importante é buscar equilíbrio e qualidade em tudo o que consumimos.
Nunca se fez vinho com tanta qualidade e nunca se bebeu tão bem como em 2025. Santé!