Rafa Brito, criador e sócio da The Slow Bakery: "fui atrás do meu sonho" (The Slow Bakery/Divulgação)
Gabriel Aguiar
Publicado em 23 de fevereiro de 2022 às 10h02.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2022 às 14h51.
Quem vê o empresário Rafa Brito Pereira à frente da The Slow Bakery, uma padarias mais bem-sucedidas do Rio de Janeiro – e que ensinou o Lasai, que tem uma estrela Michelin, a fazer pão – talvez nem imagine que tudo começou de maneira (bem) menos glamourosa. “Nosso primeiro ateliê era uma casa no [bairro] Joá que eu alugava do meu primo. E acabamos em uma feira chamada Junta Local, que se tornou um berço para startups de alimentação. Mas ainda não era um negócio”, diz.
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Publicitário de formação, o carioca conheceu a receita do sourdough californiano, tipo de pão com fermentação lenta e longuíssima maturação que se tornou uma das referências da “Slow”, durante uma reportagem para a Café Magazine em 2007. Naquela época, o empresário tinha uma editora e era responsável pela edição da revista, que mostrou aos leitores a paulistana PÃO (sigla de Padaria Artesanal Orgânica), então com uma recém-inaugurada loja nos Jardins e produção artesanal.
“Eu nunca tinha ouvido falar de fermentação natural até conhecer o Rafael Rosa [criador da PÃO], que tinha acabado de chegar da Califórnia. Era ele mesmo quem fazia os pães e, quando acabava, baixava a porta e ia embora para casa. Naquela época, todo mundo de cozinha andava engomado em São Paulo. E aquilo me encantou. Me encantei pelo lifestyle e também pelo processo. Era uma forma mais tranquila, com galera que trabalha com a mão, com essência e pouco glamour”.
No fim das contas, a editora fechou durante a crise do setor no fim da última década, quando Rafa Brito Pereira voltou ao Rio de Janeiro – “depois de cumprir doze anos na capital paulista”, como brinca o empresário – para continuar trabalhando na agência de comunicação que tinha com a ex-esposa. Mas, de novo, precisou fechar as portas após as dificuldades econômicas que o país vivia em 2013. Com 41 anos de idade (e problemas para se recolocar no mercado), voltou a empreender.
“Minha ex-esposa disse para aproveitar aquela página em branco e correr atrás do meu sonho. Eu cozinhava desde criança e fazia aquela receita de pão gororoba, que só joga tudo no liquidificador. Mas o pão que vi com o Rafael Rosa, que respeitava o tempo para o desenvolvimento natural e os fermentos com base em colônia de bactérias, ainda não. E, em 2014, fazia sete anos que tinha esse tesão. Comprei o livro Tartine Bread, um forno mequetrefe, bancada e geladeira”, afirma.
Para o empresário, o segredo do sucesso foi dedicação para aprender – e entender – o processo de produção dos pães: passou a estudar química para saber quais eram as melhores reações e buscou os melhores ingredientes para as receitas, o que inclui uma farinha italiana de intervenção mínima. Como ainda não havia nenhuma referência do que era o autêntico sourdough californiano, passou a desenvolver as próprias receitas até encontrar a fórmula que parecesse mais interessante.
“Sou budista e fui atrás de um líder que trabalha na área de alimentos para pedir aconselhamentos espirituais. E ele me disse que era necessário entender que tipo de alimento eu queria colocaria na mesa das pessoas. Comecei a analisar cada informação para entender a origem do produto e saber se os fornecedores eram bacanas. Isso aconteceu justamente em um momento no qual as pessoas também começaram a refletir muito a respeito dessas mesmas questões”, diz Rafa Brito Pereira.
Com o sucesso da banca na Junta Local e produção que esgotava em menos de 1h30, o empresário decidiu aumentar a escala para tornar a The Slow Bakery sustentável. Além de uma fábrica de pães, o carioca tinha planos de montar um café para ensinar a cultura do sourdough californiano. Depois de seis meses em busca do lugar ideal, alugou a única opção que cabia no bolso: uma antiga oficina atrás do cemitério São João Batista, em Botafogo (que, em 2015, não era tão valorizado).
“Era uma rua árida, com calçada pequena e sem nenhuma árvore. Com certeza era o pior ponto do Rio de Janeiro. Aquele lugar era tão quente que, se alguém tentasse cuspir, assoviava. Dividimos o espaço em dois e metade era dedicada à produção. Mas esquece aquela ideia de florzinha e mesas bonitinhas, porque não tinha dinheiro para nada disso. Nós criamos um crowdfunding para montar essa parte do café. Por isso que a gente brinca que a ‘Slow’ não tem seguidores. Tem fãs”.
Sem nenhuma experiência em gestão de fábrica, o empresário decidiu colocar em prática algumas “utopias”, como ele mesmo define: abriu mão de qualquer hierarquia e substituiu pelo rodízio das atividades como caixa, gerência e limpeza. Em vez de olhar para números e resultados, Rafa Brito Pereira apostou no que achava correto. Por um lado, trabalhou sem sistemas por seis meses; e, por outro, contratou funcionários da periferia que foram dispensados das empresas pela distância.
“Fizemos tudo que pudemos para continuar trabalhando nessa primeira unidade: colocamos rodas nos móveis para facilitar a circulação e construímos um mezanino para aumentar o espaço. Só que não existia nem exaustão e aquela fábrica era um verdadeiro forno. Crescemos rápido e, um ano e meio depois, já não dava para ficar lá. Foi quando mudamos para a fábrica que temos atualmente, também em Botafogo, e que projetamos especificamente para o nosso tipo de produção”.
Em vez de dedicar mais espaço para cafés e lanchonetes, como fizeram algumas das padarias mais recentes, a The Slow Bakery trouxe para frente do cliente o processo de fabricação, com fornos (e padeiros) trabalhando praticamente na entrada do estabelecimento. Para o empresário, isso serve para dar protagonismo a quem produz. E, desde 2019, outras duas unidades foram criadas com os mesmos conceitos – e ganharam até um empório para vender tudo que é produzido por lá.
“Temos uma porrada de fermentados, porque nós cozinhamos em camada. Se queremos preparar um pudim, por exemplo, a gente faz até o leite condensado. Também produzimos o nosso próprio iogurte, nossa própria granola e nossa própria manteiga [que chega a 80 kg por semana]. Tudo veio lá de trás, das nossas utopias malucas. Por isso que a gente compra de pequenos produtores e com origem agroflorestal. Não basta trabalhar com itens orgânicos; nós vamos atrás da origem”.
É verdade que a história da padaria até parece inspirada em roteiro de filme. E, como nas melhores obras de Hollywood, a The Slow Bakery sofreu um baque que colocou em risco a própria existência. Há cerca de dois anos, quando o Rio de Janeiro anunciou medidas para conter a pandemia e fechou parte do comércio. Padarias continuaram abertas, mas, pela própria filosofia de integrar os clientes ao espaço urbano, a criação de Rafa Brito Pereira não tinha plataforma de delivery ou e-commerce.
“Essas coisas vêm para mexer com nossos valores e pilares. Entregas eram inimagináveis para nós. E não entramos em nenhum aplicativo. Decidimos criar um sistema próprio para ter nível de controle da relação com funcionários e como eles estavam sendo tratados. Focamos em entregas de bicicleta e só usamos moto para lugares mais distantes. No fim, a nossa resposta foi muito rápida e, com essa operação indo bem, mantivemos o negócio no azul e fechamos 2020 sem nenhuma dívida”.
Naquele momento, o empresário também decidiu atrasar os pagamentos de fornecedores para não demitir nenhum funcionário durante os primeiros dez meses – algo que, de acordo com ele mesmo, “parecia meio irresponsável”. Para Rafa Brito Pereira, a principal preocupação era manter o plano de saúde (que, em boa parte das vezes, também se estendia para familiares) durante a pior crise sanitária das últimas décadas. No fim das contas, mantiveram o fluxo de caixa e até conseguiram expandir.
“Construímos a unidade do Jardim Botânico com dinheiro próprio. Não somos tomados por bancos. Temos só um sócio investidor com 15% da ‘Slow’, que capitaliza a empresa com dinheiro de retorno desde quando estávamos na primeira fábrica. Sempre estivemos muito saudáveis, apesar dos sustos e tropeços durante a pandemia. E percebemos que esse modelo de expansão é ideal, com produção centralizada na fábrica e outras unidades pela cidade, como o balcão que temos em Ipanema”.
Com faturamento de 6 milhões de reais no último ano, a The Slow Bakery se prepara para inaugurar mais uma loja no luxuoso bairro do Leblon, ao lado do Chez Claude, restaurante francês comandado pelo chef Claude Troisgros. De lá sairão receitas originais e exclusivas – sempre com fermentação de longa duração, apesar de dispensarem o levain (como é chamada a colônia de bactérias utilizada na fermentação natural). Com isso, o faturamento deverá subir a 15 milhões de reais em 2023.