Audi Q4 e-tron (Audi/Divulgação)
Daniel Salles
Publicado em 22 de março de 2021 às 15h19.
Em todo o mundo, governos e montadoras estão focados na venda de veículos elétricos mais novos e limpos como uma solução importante para as mudanças climáticas. No entanto, podem ser necessários anos, se não décadas, até que a tecnologia tenha um efeito drástico sobre as emissões de gases de efeito estufa.
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Um motivo para isso é que levará muito tempo para que todos os veículos movidos a gasolina em uso agora cheguem ao fim de sua expectativa de vida.
Segundo analistas, essa "rotatividade da frota" pode ser lenta, porque os carros e caminhões convencionais movidos a gasolina estão se tornando mais confiáveis, quebrando menos frequentemente e funcionando por mais tempo. O veículo leve médio que opera hoje nos Estados Unidos tem 12 anos, de acordo com a empresa de previsão econômica IHS Markit. Em 2002, tinha 9,6 anos.
"A qualidade da engenharia melhorou significativamente ao longo do tempo, em parte devido à concorrência de montadoras estrangeiras como a Toyota", disse Todd Campau, especialista em análise de pós-venda automotiva na IHS Markit.
Hoje, os americanos ainda compram cerca de 17 milhões de veículos a gasolina por ano. Espera-se que esses carros e caminhões leves sejam usados por dez ou 20 anos, à medida que são vendido e revendidos nos mercados de carros usados. E, mesmo depois disso, os Estados Unidos exportam centenas de milhares de usados anualmente para países como o México ou o Iraque, onde os veículos podem durar ainda mais com reparos.
Reduzir as emissões do transporte, que representa quase um terço das emissões americanas de gases de efeito estufa, será uma tarefa difícil e meticulosa. O presidente Joe Biden estabeleceu uma meta de reduzir as emissões do país para zero líquido até 2050. Isso provavelmente exigiria a substituição de praticamente todos os carros e caminhões movidos a gasolina por veículos elétricos mais limpos, carregados em grande parte por fontes de energia de baixo carbono, como a solar, a eólica ou a nuclear.
Se as montadoras conseguirem parar de vender novos veículos movidos a gasolina por volta de 2035, contando com a demora na substituição da frota, essa meta pode ser atingida. Tanto o governador da Califórnia quanto a General Motors anunciaram que esperam vender apenas carros e caminhões novos com emissão zero até essa data. Mas esses objetivos são apenas planos neste momento, longe de estar garantidos.
Se as vendas de veículos elétricos aumentarem gradualmente até 60 por cento nos próximos 30 anos, como projetam analistas da IHS Markit, cerca de 40 por cento dos carros em uso seriam elétricos em 2050.
Para que quase todos os carros sejam elétricos até 2050, suas vendas precisariam aumentar até cem por cento nos próximos 15 anos.
Além disso, algumas pesquisas econômicas sugerem que, se montadoras como a GM eliminarem gradualmente as vendas de novos motores de combustão interna, é possível que carros mais antigos movidos a gasolina ainda persistam por algum tempo em uso, já que os consumidores que não podem pagar pelos elétricos mais novos e mais caros recorrem a usados mais baratos e os utilizam por mais tempo.
Assim, de acordo com especialistas, os formuladores de políticas podem precisar considerar estratégias adicionais. Isso poderia incluir políticas de recomprar e sucatear automóveis mais antigos e menos eficientes já em uso. Poderia também incluir estratégias para reduzir a dependência que os americanos têm dos carros, como expandir o transporte público ou incentivar a bicicleta e a caminhada, de modo que os veículos existentes rodem com menos frequência.
"Há uma quantidade enorme de inércia no sistema a ser superada", disse Abdullah Alarfaj, aluno de pós-graduação da Universidade Carnegie Mellon, que liderou um estudo recente que analisou como a rotatividade lenta de veículos pode ser uma barreira para rapidamente reduzir as emissões dos veículos de passeio.
O estudo sugeriu várias opções para acelerar a taxa de rotatividade. Por exemplo, os formuladores de políticas poderiam se concentrar em programas para eletrificar a frota de aplicativos de carona, como Uber e Lyft, já que esses veículos tendem a ser mais usados em média e a se aposentar mais cedo.
Há também opções para a diminuição da frota mais velha. Em 2009, o governo dos Estados Unidos elaborou um programa chamado "Cash for Clunkers" (Dinheiro pelo carro velho), que oferecia descontos para quem trocasse os veículos mais antigos por modelos novos e econômicos em matéria de combustível. Ao todo, o governo gastou cerca de US$ 2,9 bilhões para ajudar 700 mil proprietários na compra de automóveis novos.
Alguns integrantes do Partido Democrata propuseram a retomada desse programa para acelerar a mudança para veículos elétricos. O senador Chuck Schumer, líder da maioria, propôs um programa de US$ 392 bilhões, que daria vouchers aos consumidores para que trocassem o carro tradicional movido a gasolina por um veículo de emissão zero, como os elétricos.
Mesmo assim, um programa no estilo "Cash for Clunkers" pode ser relativamente ineficiente, segundo Christopher Knittel, economista da Escola de Administração Sloan do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que estudou a política. Ele contou que o programa original muitas vezes beneficiou os americanos que estavam prestes a trocar de carro de qualquer maneira, muitas vezes ignorando os motoristas que dirigiam veículos particularmente poluentes por longas distâncias.
"É uma ferramenta imperfeita, embora haja maneiras de melhorar o programa", afirmou Knittel. Ele mencionou que, como alternativa, um imposto sobre as emissões de dióxido de carbono poderia ser mais eficaz, aumentando o preço da gasolina e dando aos motoristas um incentivo claro tanto para atualizar para veículos quanto para dirigir menos. Porém os legisladores muitas vezes evitam os impostos sobre a gasolina, preocupados tanto com a retaliação política quanto com os efeitos sobre os motoristas de baixa renda.
Assim, há uma opção final potencialmente poderosa: as cidades poderiam remodelar seus sistemas de habitação e transporte para que os americanos sejam menos dependentes de automóveis para se locomover. Algumas cidades tiveram sucesso em reduzir sua dependência de carros: desde 1990, Paris reduziu o uso de automóveis nos limites da cidade em 45 por cento, construindo novas linhas de ônibus e trens, ampliando ciclovias e calçadas e restringindo o tráfego de veículos em certas ruas. Na Alemanha, a cidade de Heidelberg fez da redução da dependência de carros a base central de seu plano para cortar emissões.
A maioria das cidades americanas está longe de se parecer com Paris ou Heidelberg, mas ainda há muitas mudanças que poderia fazer para reduzir o uso do carro, disse Beth Osborne, diretora da Transportation for America, grupo de defesa do trânsito. Poderia haver a adição de moradias mais densas em áreas urbanas por onde caminhar é mais fácil, a expansão do transporte público ou a ampliação da segurança de bairros, possibilitando a caminhada. Os governos também poderiam reduzir os gastos de construção de novas ruas, que normalmente induzem à expansão das cidades e ao aumento do uso de carros. "Enquanto buscamos a eletrificação completa, queremos ter certeza de que não aumentaremos as emissões dos outros carros que ainda estão em uso", afirmou ela.
Os pesquisadores descobriram que encontrar maneiras de restringir o transporte em veículos particulares poderia ter, mesmo que modestamente, um impacto significativo. Um estudo recente na "Nature Climate Change" analisou o que seria necessário para reduzir drasticamente as emissões de veículos de passeio nos Estados Unidos. Se os americanos continuarem a aumentar o total de quilômetros rodados a cada ano, como historicamente o fazem, o país pode precisar de cerca de 350 milhões de veículos elétricos até 2050 – número assustador. Isso também exigiria uma expansão maciça da rede elétrica do país, além de novos suprimentos de materiais de bateria, como lítio e cobalto.
O estudo também explorou o que aconteceria se os Estados Unidos mantivessem o número de veículos inalterado pelos próximos 30 anos. Nesse cenário, os pesquisadores descobriram que o país poderia reduzir as emissões profundamente com cerca de 205 milhões de veículos elétricos.
"Não estamos dizendo que todos teriam de ir trabalhar de ônibus. Muita gente precisa de um veículo particular para se locomover, e nesses casos os carros elétricos fazem sentido como solução climática. Mas não devemos nos limitar a pensar em veículos elétricos como a única opção aqui", disse Alexandre Milovanoff, pesquisador de energia e sustentabilidade da Universidade de Toronto e principal autor do estudo.