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Em Cannes, os diretores abordam a intimidade das mulheres

A novidade não é os diretores realizarem retratos de mulheres - o espanhol Pedro Almodóvar faz isso há anos -, mas as protagonistas se abrirem para sua intimidade

Da esquerda para a direita: o diretor e ator Anders Danielsen Lie, o diretor Joachim Trier, a atriz Renate Reinsve e o ator Herbert Nordrum no Festival de Cannes de 2021 (Alexandra DEL PERAL/AFP Photo)

Da esquerda para a direita: o diretor e ator Anders Danielsen Lie, o diretor Joachim Trier, a atriz Renate Reinsve e o ator Herbert Nordrum no Festival de Cannes de 2021 (Alexandra DEL PERAL/AFP Photo)

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AFP

Publicado em 14 de julho de 2021 às 17h29.

Última atualização em 14 de julho de 2021 às 18h36.

Quem disse que os cineastas não podem falar das mulheres? Do norueguês Joachim Trier ao holandês Paul Verhoeven, passando pelo chadiano Mahamat-Saleh Haroun, em Cannes os diretores não têm medo de explorar a intimidade de suas heroínas.

Em "The worst person in the world", uma filha joga um absorvente no pai e sua heroína assume seus desejos. Com ela, Joachim Trier apresenta o sutil retrato de uma mulher de trinta anos perseguida pelas dúvidas em uma sociedade marcada pelo #MeToo.

Um filme "feminista", segundo a crítica, dirigido e escrito por dois homens. "Seria um imbecil evitar esses assuntos só porque sou homem e produzo um filme sobre uma mulher", declarou à AFP o diretor de "Oslo, 31 de agosto".

"Renate (Reinsve, a atriz principal) e eu conversamos muito sobre sexualidade e erotismo. Julie (a protagonista) é uma mulher apaixonada e o sexo e o erotismo são parte integrante do ser humano", prossegue. Nessas cenas, a atriz trabalhou diretamente com ele, acrescenta.

Livrar-se da herança

Também sem tabus, o diretor chadiano Mahamat-Saleh Haroun conta uma história sobre abortos e mutilações, em um filme no qual as mulheres se unem para sobreviver em uma sociedade ultraconservadora.

Para o cineasta, é necessário deixar para trás o debate sobre se quem produz o filme é um diretor ou uma diretora.

"Pensar que um homem não pode fazer o retrato íntimo de uma mulher, é uma forma de pensar muito fechada, acho. Isso significa que um branco não pode contar uma história sobre um negro. É negar a humanidade que existe dentro de cada um de nós", disse à AFP.

"Como homem, faço parte de um patriarcado, mas sempre é possível, enquanto indivíduo (...), se livrar de tudo o que temos como herança", afirma. "É preciso acreditar na possibilidade de que o homem pode mudar".

Em "Benedetta", a história de amor entre duas freiras lésbicas na Itália do século XVII baseada em fatos reais, o holandês Paul Verhoeven inclui cenas de masturbação feminina.

"Se tenho (o olhar masculino), não acho que isso tenha alguma relevância, porque a realidade deste projeto (...) não é o que um homem, ou vários homens, explicaram, é o que duas mulheres contaram em seu processo, então é baseada em uma expressão feminina", argumentou o cineasta à AFP.

Depois do #MeToo

Mas será que o olhar masculino pode ser neutro? Essas questões em torno do "male gaze", o ponto de vista dos homens criticado por Laura Mulvey em 1975, são objeto de debate na sétima arte há anos, mas desde o #MeToo ganharam uma nova dimensão.

E esses filmes chegam depois de inúmeras diretoras abrirem o caminho com histórias sobre heroínas que assumem seus desejos.

É o caso da francesa Céline Sciamma em "Retrato de uma jovem em chamas" (2019), assim como o filme da Costa Rica "Clara Sola", de Nathalie Álvarez Mesén, sobre a liberdade sexual da mulher, apresentado este ano em Cannes.

A novidade não é os diretores realizarem retratos de mulheres - o espanhol Pedro Almodóvar faz isso há anos -, mas as protagonistas se abrirem para sua intimidade.

Questionados sobre esses assuntos, vários membros do júri do Festival afirmaram a necessidade de uma mudança nas representações entre homens e mulheres. "É preciso tempo para mudar as imagens mentais que temos, mesmo que as coisas estejam avançando", declarou a diretora austríaca Jessica Hausner.

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