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Eles mexeram no seu queijo

Pense bem: o que um homem bem-sucedido na missão de fabricar uma cerveja artesanal impecável poderá ter como nova ambição na vida? E se ele, depois de criar uma marca responsável por alguns dos mais finos rótulos cervejeiros nacionais, vender a empresa por uma boa quantia a uma grande companhia do setor, o que fará […]

A QUEIJARIA: mais de 230 tipos de queijo catalogados de 12 estados brasileiros / Divulgação

A QUEIJARIA: mais de 230 tipos de queijo catalogados de 12 estados brasileiros / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 1 de julho de 2016 às 17h59.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h12.

Pense bem: o que um homem bem-sucedido na missão de fabricar uma cerveja artesanal impecável poderá ter como nova ambição na vida? E se ele, depois de criar uma marca responsável por alguns dos mais finos rótulos cervejeiros nacionais, vender a empresa por uma boa quantia a uma grande companhia do setor, o que fará além de curtir a vida, de preferência regada a boa cerveja e a sensação de missão cumprida neste mundo? Se ele encontrar um mercado igualmente saboroso e ainda mais promissor, poderá ser hora de trabalhar ainda mais.

Foi o que aconteceu com Juliano Mendes, fundador em 2002, ao lado do pai, Jarbas, e do irmão, Bruno, da Eisenbahn. A cervejaria de Blumenau, em Santa Catarina, foi, durante seis anos, responsável pelos mais importantes rótulos artesanais produzidos no país. Um exemplo emblemático é a Lust, lançada em 2006, primeira cerveja nacional fabricada pelo método champenoise.

Em 2008, a família vendeu a marca para a Schincariol (atual Brasil Kirin) e, depois de experiências mais e menos bem-sucedidas com um pub e dois restaurantes, resolveu voltar à indústria. “A primeira ideia foi produzir queijos especiais, por alguns motivos: poucas opções autênticas, de boa qualidade; marketing ruim sendo praticado pelas empresas do ramo; tributação menor do que a do mercado de cervejas; e ausência de monopólio — pequenas empresas regionais, tornando a competição mais justa”, conta Juliano Mendes. “E, por fim, por adorarmos queijos especiais.”

A paixão pela nova atividade nasceu diretamente relacionada à antiga. “Fomos os primeiros a trabalhar a harmonização de cervejas e queijos, acabamos nos apaixonando por queijos e resolvemos entrar nesse ramo”, conta Mendes. Os três, sempre juntos e em partes iguais do negócio, pesquisaram, viajaram, contrataram consultores e criaram a marca de queijos finos Vermont, que deve ter sua primeira linha lançada no ano que vem. No meio desse processo, apareceu a oportunidade de comprar a Laticínios Pomerode, uma fábrica tradicional que estava para fechar numa cidadezinha vizinha a Blumenau. “Achamos interessante e acabamos comprando a empresa em 2013”, conta Mendes. “Lançamos novos produtos, redesenhamos as embalagens, trocamos toda a identidade visual da empresa, enquanto paralelamente trabalhávamos no projeto Vermont.”

Até 350 reais o quilo

A pouco mais de 600 quilômetros de distância da família Mendes, na capital paulista, Fernando Oliveira mal tinha idade para beber e já havia aprendido a maturar queijo com o avô. Mais velho, ao reviver as viagens que fazia na adolescência, visitou fazendas e viu que a região mineira da Serra da Canastra vivia uma situação crítica. “Eles estavam vendendo o queijo produzido ali muito barato, por 6 ou 7 reais o quilo”, relembra. Oliveira começou a trazer de 20 a 30 quilos, até que, diante dos muitos pedidos ao redor, abriu um site em 2007 para vendê-los. O site virou loja física em 2013. Hoje, aos 45 anos, o ex-professor de sociologia é dono de uma das referências em venda de queijos artesanais no país, A Queijaria, situada na Vila Madalena, zona oeste paulistana.

“No começo era só queijo de Minas, eu não tinha ideia do que era produzido nem em São Paulo”, confessa. Oliveira começou a pesquisar, viajar pelo país e se apaixonou pelo assunto. “Além dos queijos tradicionais de cada região, sempre encontrava muita gente que fazia seu queijo no sítio, sem muito alarde”, lembra. Sua loja abriu oferecendo 50 tipos de queijo. Hoje, ela tem mais de 230 tipos catalogados, oriundos de 12 estados brasileiros. O mais caro à venda n’A Queijaria hoje é o azulão, da Capril do Bosque, feito em Joanópolis, no interior de São Paulo: 350 reais o quilo. “Único queijo azul brasileiro e de extrema qualidade”, ressalta Oliveira. Mas, na média, os queijos custam a passar de 100 reais o quilo. “O queijo vive um momento de efusividade, o consumo cresce ano a ano, e a produção também, há mercado para todo mundo”, diz Oliveira, que também é consultor do Grupo Pão de Açúcar, o que permite que ele veja vários lados do mesmo mercado.

Em abril deste ano, Oliveira fundou, com produtores, vendedores, jornalistas e apaixonados por queijos em geral, a Sociedade Brasileira do Queijo Artesanal, a Sobraqueijo. O principal objetivo da sociedade é resolver o que ele chama de gargalo na legislação: o marco regulatório definitivo do queijo artesanal brasileiro. “Ao ampliar as regiões produtoras e os tipos de fabricação, há dois caminhos possíveis”, indica Oliveira. “O europeu, com muitas indicações geográficas, o trabalho das associações, que promovem os seis produtores principais e fecha o mercado; ou algo parecido com o que a Aprocan fez, ao reunir 400, 500 produtores e elevar o preço do quilo do queijo de 10 para 25 reais”, conclui, ressaltando que, no segundo caso, “sai todo mundo feliz”.

O preço da qualidade é a eterna vigilância

A Aprocan é a Associação de Produtores de Queijo da Canastra, uma das duas regiões produtoras de queijo no Brasil a receber uma Indicação de Procedência (IP), ao lado da também mineira região do Serro. O selo, concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), protege o nome contra uso indevido, garante a procedência geográfica e a observação de normas específicas daquela produção. A associação tem 45 produtores associados atualmente, num universo de 793 produtores mapeados. “A gente tem recebido pelo menos uma ou duas novas adesões por semana, os produtores estão vendo as vantagens de valorizar a tradição e proteger a história do queijo canastra”, conta Paulo Henrique de Almeida, gerente executivo da Aprocan.

O canastra nasceu de uma adaptação do queijo produzido no arquipélago dos Açores, em Portugal. “Houve uma adaptação ao clima, ao ambiente, e esses aspectos criaram um queijo com sabor único e identidade própria”, diz Almeida. O queijo da Serra da Canastra só pode ser produzido em sete municípios específicos, e não basta ser feito por lá, deve também seguir regras tradicionais de produção. A legislação permite que ele seja exportado, mas, em harmonia com o momento de valorização do queijo artesanal brasileiro, o foco da Aprocan é o mercado interno.

“O principal trabalho tem sido consolidar a participação nesses mercados mais exclusivos das regiões metropolitanas”, diz Almeida. “Na Canastra há fazendas com altitudes que variam de 800 a 1.400 metros, e em cada uma delas o queijo tem uma nuance diferente de sabor. Aquele queijo é parte fundamental da identidade daquele lugar, daquela fazenda, quase um pedaço da alma daquele produtor”, conclui. Em tempos de valorização do terroir, nada mais apropriado.

Paulo Henrique de Almeida, Juliano Mendes e Fernando Oliveira têm mais em comum do que o gosto por bons queijos. Os três são indicativos que, a passos curtos, pacientes, individuais, quase artesanais, o rico mercado dos queijos artesanais brasileiros começa a se revelar para um público cada vez maior. O processo, no entanto, ainda é lento. O relatório World Cheese Production, da PM Food & Dairy Consulting, aponta que, em 2012, os Estados Unidos e a Europa foram responsáveis por 70% do consumo de queijo no mundo. A África e o Oriente Médio estão bem atrás, com 9% do mercado, e só depois está a América do Sul. A boa notícia é que o mesmo relatório indica que o consumo no nosso continente mais do que dobrou nos últimos 30 anos.

Pesquisa sobre as tendências futuras do mercado brasileiro de queijos, disponibilizado pela Mintel para o MilkPoint Mercado, indica que nosso mercado interno cresceu, de 2006 a 2013, 9,4% ao ano em volume e 7,7% ao ano em faturamento total. E deverá aumentar esse ritmo de crescimento até 2017. A projeção é que os volumes vendidos cresçam, em média, 11,4% ao ano de 2014 a 2017, e os valores anuais de venda cresçam, em média, 11,1% ao ano no mesmo período.

Dessa forma, nosso mercado deverá atingir 20 bilhões de reais em vendas em 2017 e, mais importante, contar com uma participação mais efetiva de produtos de maior valor agregado. O estudo ainda prevê que o consumo de queijo por habitante ao ano chegará a 8 quilos — hoje está em pouco mais de 5. Segundo a Associação Brasileira das Indústria do Queijo (Abiq), esse número deve chegar a 11 quilos em 2030, quantidade de consumo registrada hoje na Argentina. Nos países europeus, a média de consumo por habitante ao ano passa de 20 quilos de queijo.

Em O Livro do Queijo (Editora Globo, 2010), espécie de obra de referência no setor, organizado pela neozelandesa Juliet Harbutt, umas das maiores especialistas do mundo, o Brasil é quase uma nota de rodapé. Aparece timidamente representado pelo “queijo mineiro” e pelo “requeijão cremoso (catupiry)”. O grosso da produção nacional, mais precisamente 68,9%, concentra-se em muçarela, queijo prato e requeijão.

“A produção total em 2015 está estimada em 1,1 milhão de toneladas de queijo, mas a porcentagem de queijos finos, aqueles situados num patamar mais alto de preço, não chega a 7% dessa produção”, diz Silmara Figueiredo, responsável pelo marketing da Abiq. “Tudo indica que 2016 será um ano complicado, há uma queda de oferta em função da retração da economia e uma queda de produção de leite em função de fatores climáticos, como excesso de chuva no Sul do país e de seca em regiões importantes para a produção em Minas Gerais e no Espírito Santo”, completa Silmara. Ou seja, há um longo caminho a ser trilhado. Mas a movimentação das grandes empresas indica que potencial não falta.

Não só pela movimentação recente de grandes companhias estrangeiras, como a francesa Lactalis e a suíça Emmi, no nosso mercado. A agitação das empresas brasileiras do mainstream queijeiro também traz importantes sinais. A Vigor Alimentos, que pertence ao grupo JBS, é dona de marcas como Danubio e Serrabella e um bom exemplo disso. “Tanto os queijos especiais quanto os artesanais têm um enorme potencial de crescimento no Brasil. Acreditamos que, assim como outras especialidades da gastronomia, esses itens têm despertado cada vez mais o interesse da população. Esse interesse segue a tendência do que aconteceu com os vinhos e tem acontecido com as cervejas especiais”, diz Luís Renato Bueno, responsável pela unidade de negócios de queijos da Vigor. Sinal de que, aos poucos, os queijos artesanais brasileiros estão se tornando um bom negócio não só para quem tem o privilégio de degustá-los.

(Jardel Sebba)

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