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“Ele decidiu não jogar mais”, diz Pablo Stoll

Cineasta conta como conseguiu rodar seu primeiro filme depois do suicídio de seu amigo e parceiro, o também cineasta uruguaio Juan Pablo Rebella

Pablo Stoll, cineasta uruguaio (Divulgação)

Pablo Stoll, cineasta uruguaio (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 6 de janeiro de 2012 às 15h24.

São Paulo - Aos 30 anos, o uruguaio Pablo Stoll entrou para a história de seu país. Seu segundo longa, Whisky (2004), dirigido em parceria com Juan Pablo Rebella – os dois trabalharam juntos por quase uma década –, angariou prêmios e colocou o cinema uruguaio no circuito de arte. Um capítulo dessa epopeia chegou ao fim em 2006, com o suicídio de Rebella – episódio trágico do qual Stoll demorou dois anos para se recuperar. Hiroshima: Um Musical Silencioso, em cartaz nos cinemas, é sua primeira produção solo. Em depoimento à jornalista Denise Mota, o montevideano falou sobre o labirinto em que esteve mergulhado. E do qual saiu com um filme nas mãos.

A inocente ideia de que se pode esticar a adolescência para sempre morreu junto com Juan naquela noite de julho de 2006. Depois de uns minutos no inferno, você perde a inocência. Lembro que a primeira coisa que pensei foi: “Nada vai ser como antes”. E estava certo. Agora sou mais chato e mais sério. Não sou tão radical e entendo mais as atitudes dos outros, ainda que continue com vontade de dar uns tapas em algumas pessoas.

Nunca vou deixar de ser “um dos caras de Whisky”, ou seja, parte de um duo de diretores que fez dois filmes bem-sucedidos, 25 Watts e Whisky. O último gerou coisas maravilhosas, mas trouxe um peso com o qual não foi fácil lidar: o de não saber se conseguiria finalizar outro longa. No dia de estreia de Hiroshima, me senti mais leve, com vontade de realizar outras produções e encarar novos projetos.

Acho que, de todos os filmes que poderia ter feito, esse é o que melhor representa esse momento da minha vida, que é o de busca. Hiroshima é um passeio interior por uma terra arrasada, uma viagem sem destino, mas que deixa claro que há coisas das quais não se pode escapar. É uma comédia estranha, mas uma comédia do princípio ao fim. Em Hiroshima estão expostas coisas que havia pensado com Juan, como o propósito de fazer um filme sobre um personagem extraviado. Também estão todas as minhas influências: as histórias em quadrinhos, o rock, o cinema. E Juan, claro, como influência permanente nos últimos dez anos da minha vida.


Carrego Juan comigo o tempo todo, às vezes até demais. Não é algo que dependa da minha vontade. Ele está aí, e minha homenagem a ele é me levantar e respirar todos os dias. Penso nele quando vejo coisas de que ele gostaria. Há coisas que queria ter visto com ele: as séries Little Britain e Peep Show, os filmes dos nossos amigos, os meus filmes. Sinto saudades de nossas conversas obstinadas, das ligações telefônicas às 2 da manhã só para terminarmos discutindo se Daniel Rey (produtor musical da banda de punk rock norte-americana Ramones) merecia mais crédito que Johnny Ramone por ter escrito as letras de algumas canções.

"Como teria feito Ruan Rebella"

Não sinto sua falta no set ou quando estou escrevendo. Nesses momentos, sempre fomos indivíduos com pontos de vista próprios. Por isso, discutíamos bastante, como é normal, mas as discussões terminavam antes da rodagem. Muitas vezes, também, sabíamos tudo o que tínhamos que fazer sem precisar falar nada. Contam que Billy Wilder, que foi o melhor diretor de cinema do mundo, tinha no seu escritório um cartaz que dizia: “Como teria feito Lubitsch (Ernst Lubitsch, ator e diretor de cinema alemão)?”, a quem recorria nos momentos de dúvida. Eu não tenho um cartaz, mas sei “como teria feito Rebella” e sei que às vezes não tinha razão. Em outras, sim, e sigo seu conselho.

A ideia de Hiroshima surgiu um pouco antes de sua morte. Estávamos escrevendo um roteiro novo e eu via que se tratava de um projeto que iria tomar tempo. Queria filmar algo menor e então me ocorreu falar sobre o meu irmão e combinamos que, se fizesse esse filme, o rodaria sozinho. Meu irmão é um cara calado, muito inteligente. Prefere não estudar nem trabalhar. Quando se vê encurralado, aceita algum trabalho que realiza meticulosamente, como se do fato de embalar biscoitos dependesse o destino da humanidade. É um cara estranho e foi ao querer investigar essa esquisitice que comecei a pensar no filme. Nisso Juan morreu, e a ideia desse filme – como as de todos os outros – caiu em uma gaveta, da qual me custou tirar.

Procurei refúgio em um grupo de amigos que estava fazendo o programa de TV semanal de humor político Los Informantes. Comecei como diretor, escrevi roteiros e terminei atuando. Foi uma experiência terapêutica e libertadora. Um dia, a emissora decidiu tirá-lo do ar, e isso coincidiu com uma viagem que fiz à Espanha, onde tive tempo livre e recuperei a vontade de fazer um filme. Era a única coisa que podia filmar naquele momento porque era um assunto que conhecia bem. Senti que se tratava da continuação de algo que havia estado em pausa. Juan era meu amigo, mas sempre fomos diferentes e quisemos coisas diferentes. Ele decidiu não jogar mais. Eu não. Eu quero continuar jogando, ainda que as regras do jogo mudem o tempo todo.

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