A publisher Krishan Trotman em Nova York (Simbarashe Cha/The New York Times)
Daniel Salles
Publicado em 21 de novembro de 2020 às 06h10.
Em meados deste ano, enquanto as pessoas em todos os Estados Unidos se reuniam para protestar contra a brutalidade policial e a injustiça racial, Krishan Trotman, editora executiva da Hachette Books, procurou o chefe da empresa com uma proposta.
Trotman receava que a conversa sobre a desigualdade no mundo literário desaparecesse depois que as demonstrações acabassem. "Trabalho com editoração há mais de 15 anos, e vi as vozes negras se tornarem uma tendência, e a tendência morrer. Não deveríamos ter de esperar por um momento no país como o assassinato de George Floyd para acordar todo mundo para o fato de que há muitos rostos de cor faltando na sala", disse Trotman.
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Assim, ela teve a ideia de uma nova editora chamada Legacy Lit, dedicada à justiça social e especializada em obras de escritores de cor. Michael Pietsch, executivo-chefe da Hachette, disse sim, e a Legacy agora planeja lançar seus primeiros livros em janeiro de 2022.
Editoras de todo o país estão contratando pessoal qualificado e promovendo mudanças estruturais para tentar tornar as empresas, e os livros que adquirem, mais diversificados – racial, étnica e até geograficamente. Embora os críticos, incluindo autores e gente do setor editorial, tenham acusado os editores de defender essas questões da boca para fora, as empresas estão cada vez mais fazendo mudanças duradouras na maneira como fazem negócios, e em alguns casos já estão sendo dirigidas por executivos de cor recém-contratados.
Recentemente, a Simon & Schuster também deu mais um passo nesse sentido quando anunciou a contratação de uma nova vice-presidente e editora executiva: Aminda Marqués González, a editora executiva do "The Miami Herald".
"Tanto os jornais quanto a publicação de livros são muito centrados no Nordeste. Por isso, Marqués não vai se mudar para Nova York: vai ficar em Miami", afirmou Dana Canedy, que se tornou editora da Simon & Schuster em julho.
O novo selo da Hachette lançará de 12 a 15 livros por ano. Sua lista incluirá narrativas de não ficção, memórias, obras investigativas, relatos históricos, títulos inspiradores e de bem-estar e livros sobre eventos atuais, além de alguma ficção. Trotman, que será vice-presidente e editora da marca, já tem uma lista robusta de autores, entre eles a analista jurídica Faith Jenkins, a atriz Tamera Mowry-Housley, a empresária Marisa Renee Lee, a ativista e escritora Shanita Hubbard, a produtora de TV Daniela Pierre-Bravo e o fotógrafo Devin Allen.
A Legacy é a primeira marca centrada em trabalhos de escritores de cor da Hachette, que, como a Simon & Schuster, é uma das cinco maiores editoras americanas.
Com o lançamento do próprio selo, Trotman, de 39 anos, se juntará às fileiras de um grupo pequeno, mas crescente, de editores negros que estão remodelando a indústria, mesmo que esta permaneça esmagadoramente branca.
Em pesquisa da empresa divulgada em setembro, a Hachette constatou que, entre seus novos autores e ilustradores de 2019, apenas 22 por cento eram pessoas de cor. A falta de diversidade também é um problema dentro da força de trabalho da Hachette, que é 69 por cento branca. Entre os executivos em cargos de alta gestão, 80 por cento são brancos.
Outras grandes editoras são igualmente homogêneas em sua composição étnica e racial: um estudo realizado este ano na Penguin Random House descobriu que cerca de 80 por cento de seus funcionários são brancos.
Pietsch disse esperar que a nova marca de Hachette "traga mais atenção e foco" para livros sobre justiça social, econômica e racial, e ajudará a empresa a atrair mais autores de diversas origens. "Há muitos escritores que vão querer trabalhar com uma editora negra, e isso é um trunfo. Não há muitos editores negros no negócio, e isso será significativo", declarou ele em uma entrevista.
Outras editoras também estão lançando marcas de diversidade. Neste ano, a escritora e comediante Phoebe Robinson começou a Tiny Reparations Books, selo da Dutton/Plume que está adquirindo e publicando coleções literárias de ficção, não ficção e ensaios de diversos escritores. Na Random House Children's Books, a autora do segmento para jovens adultos Nicola Yoon e seu marido, o romancista David Yoon, fundaram a Joy Revolution, que publicará romances de e sobre pessoas de cor.
A Simon & Schuster está tomando um rumo diferente: optou por aposentar a 37 Ink, marca focada em vozes marginalizadas. Sua editora, Dawn Davis, foi nomeada editora executiva da "Bon Appétit" em agosto e não será substituída.
"A existência da marca permitiu que as pessoas dissessem: 'Ah, isso é um livro da 37 Ink, fale com a Dawn.' Quero que todos publiquem o que antes seria considerado um livro da 37 Ink. Não quer dizer que não tínhamos livros de e sobre pessoas de cor, mas todos os que adquirimos agora deverão ser livros da Simon & Schuster", afirmou Canedy.
Canedy – ex-editora do "The New York Times" e administradora dos Prêmios Pulitzer – é a primeira pessoa negra a liderar a marca Simon & Schuster. Recentemente, a empresa anunciou sua primeira aquisição como editora, um livro de memórias do colunista do "The Washington Post" Eugene Robinson, ganhador do Prêmio Pulitzer, que vai se chamar "Freedom Lost, Freedom Won" (Liberdade perdida, liberdade conquistada, em tradução livre).
Canedy contou que, quando estava considerando a posição, Robinson foi uma das pessoas a quem pediu conselhos, e ele a incentivou a aceitá-la. "Quando estávamos prestes a desligar, eu disse: 'Se eu fizer isso, você será a primeira pessoa que convidarei para ser um autor da Simon & Schuster.' Ele pensou que eu estava brincando", relembrou.
Editores de livros tendem a mudar de editora frequentemente, em uma profissão que permanece bastante isolada. Mas, como Canedy, Marqués, que é cubano-americana, vem do mundo do jornalismo. Ela foi editora executiva do "The Miami Herald" por 10 anos e também é editora-executiva de sua publicação irmã em língua espanhola, El Nuevo Herald, e do Bradenton Herald. Ela se tornou editora do "The Miami Herald" e do "El Nuevo Herald" no ano passado.
Marqués enfrentou críticas recentemente, depois que uma coluna racista e antissemita apareceu em uma inserção publicitária no "El Nuevo Herald". Em um pedido de desculpas aos leitores, ela afirmou que ninguém na liderança do jornal havia visto o suplemento antes da publicação. Marqués deixou seu papel de editora logo depois, mas Kristin Roberts, vice-presidente sênior de notícias da McClatchy, a empresa-mãe do "Herald", disse que a mudança foi uma decisão organizacional não relacionada ao suplemento publicitário. Marqués permaneceu como editora executiva.
Ela também é membro do conselho do Pulitzer desde 2012, no qualos juízes avaliam não só jornalismo, mas poesia, música, drama e ficção. Para dar conta de toda a leitura necessária, ela alternava entre cópias de papel em casa e audiolivros em seu trajeto para o trabalho. Seus filhos se acostumaram a ouvir "agora não, estou lendo", contou ela.
"Quando você está deliberando sobre o melhor trabalho e tenta decidir entre os finalistas, realmente precisa começar a pensar de maneira detalhada no que separa uma obra da outra. O que separa o ótimo do excelente, ou o bom do ótimo", explicou.
Nos últimos meses, várias outras pessoas de cor foram nomeadas para cargos executivos de alto escalão em grandes editoras, contratações que podem ter um impacto duradouro na paisagem literária.
Recentemente, a Crown trouxe Madhulika Sikka, produtora executiva de áudio do "The Washington Post", para o cargo de vice-presidente e editora executiva. Em julho, a Penguin Random House contratou Lisa Lucas, diretora executiva da National Book Foundation, para ser editora da Pantheon e da Schocken Books. Neste outono boreal, Jamia Wilson foi nomeada editora executiva da editora Random House, e Francis Lam se tornou o editor-chefe da editora de estilo de vida Clarkson Potter.
Marqués disse que faz sentido para os negócios que as editoras americanas estejam buscando refletir melhor a população em seus livros, autores e funcionários: "Eu queria me ver nesses livros. Queria ser capaz de me relacionar com os personagens, com alguém que pudesse entender o que eu estava sentindo e passando. É isso que nossos leitores querem."
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