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"É equivocado dizer que vela é para uma elite do país", diz Lars Grael

Destaque na 70ª Regata Santos-Rio, velejador destaca, em entrevista à EXAME, que barreiras tributária e alfandegária estigmatizam o esporte no Brasil

O velejador em cerimônia de 2018
 (Bruna Prado/Getty Images)

O velejador em cerimônia de 2018 (Bruna Prado/Getty Images)

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Daniel Salles

Publicado em 29 de outubro de 2020 às 17h10.

Última atualização em 29 de outubro de 2020 às 21h22.

Destaque da vela e da histórica 70ª Regata Santos-Rio, o velejador Lars Grael comentou as dificuldades enfrentadas durante o percurso de 200 milhas náuticas (340 quilômetros) na tradicional competição nacional, concluída na terça, 27, no Iate Clube do Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva à EXAME, o atleta olímpico relatou a estreia do barco Avohai (IMX 40’), que terminou na quinta colocação.

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“Conheço o mar mais ou menos e, dessa vez, estava ruim. Talvez, não mais difícil, porque difícil é quando o vento acaba e você passa lá dias e horas. A gente chegou, mas o mar estava duro e as condições no barco também: conforto zero, a tripulação não consegue dormir, não descansa, não se alimenta e a moral da tropa vai caindo”, analisa.

De acordo com Lars, a regata foi singular pelo número de participantes recorde (500 velejadores em 68 barcos). “Minha imagem mostra o cansaço”, desabafa, sobre as ondas de 3,5 metros e os ventos contra de 36 nós (68 km/h), com algumas avarias, barcos que tiveram quebras, e pessoas machucadas. “Mas o espírito marinheiro prevaleceu. Basta ver que uma parte terminou a regata em segurança. Faz parte da tradição da Santos-Rio, pela falta de vento, excesso de ventos, mudança de ventos, o que requer a tripulação trabalhando o tempo todo. Mas, valeu”, conclui ele, sobre a 19ª participação no evento.

Lars explica que duas genoas (velas de proa) vitais para a condição de vento enfrentada rasgaram. “Ficamos sem opção. A lógica seria se retirar da regata. Mas improvisamos em parte usando velas leves que não eram para aquela posição com uma vela de passeio, cuja performance é muito ruim”, recorda. “No sábado, a gente vinha numa boa posição, mas, com objetivo de cheqar pura e simplesmente, abrimos mão de várias posições porque não tínhamos mais vela de regata. Ter chegado é bastante gratificante”, pondera.

Lars Grael (ao centro), na 70ª Regata Santos-Rio (Aline Bassi/Balaio de Ideias/Divulgação)

 

O mar ensina
Lars é um dos mais respeitados profissionais da vela no mundo. Para muitos, o que ele diz é lei. E ele diz muito. “O mar ensina para a gente muita coisa. Ao mesmo tempo que ensina liberdade, nos dá o universo infinito, ensina disciplina, respeito, por mais que se julgue apto a navegar todos os mares, o mar nos impõe o limite da prudência, o limite de fazer o planejamento de uma navegação. A pessoa acha que domina e controla os mares, ou é mentirosa ou irresponsável", alerta.

Ele acredita que, munido de previsões meteorológicas, sempre existem fatores de risco. "Previsão é um modelo matemático e tem exceções que acontecem. Saber respeitar é muito importante e a gente transporta esses valores para a vida", acredita.

Ciente do aprendizado da prática náutica e atuante nas discussões para a democratização da vela, Lars lamenta a falta de incentivo no Brasil.

A vela é para ricos?
"A flotilha brasileira é antiga. É equivocado dizer que vela é para uma elite do país. Somos um país que, infelizmente, não tem cultura náutica e mentalidade marítima, e que tende a estigmatizar como se fosse atividade de elite", comenta. "O Brasil tem leis restritivas. Para importar um veleiro para competição, esporte, lazer ou turismo, a carga tributária é alta e ficamos defasados em relação a países vizinhos, como Argentina e Chile, que têm a náutica mais desenvolvida por não terem barreiras tributárias e alfandegárias e nem tanto preconceito como no Brasil. Então, ganhar a regata do preconceito é a primeira vitória que precisamos conquistar", completa.

Cena da 70ª Regata Santos-Rio (Divulgação/Divulgação)

Lars reforça a importância do esporte. "A vela deu ao Brasil o maior saldo de medalhas olímpicas, mas ainda é um esporte pouco compreendido no país. A vela tem uma coisa interessante: reúne velejadores de experiência, jovens que estão buscando conhecimento e jovens com força de vontade, força física. É um esporte democrático com veleiros formados por ex-alunos de projetos sociais, como do Alexandro Piu Piu, e do Projeto Grael ou o Navega São Paulo, da Praia Grande. Vela é esporte de rico? Veja o exemplo deles. É dever do Estado o fomento ao esporte independentemente da modalidade e direito do cidadão conhecer a prática e poder praticá-lo. Na vela tem ricos e pobres, jovens de projetos sociais, outros de camadas sociais mais elevadas, barcos novos e antigos, que trazem a tradição do esporte que nós tanto valorizamos", continua.

Segundo Lars, um país como o Brasil, que tem mais de 8.000 quilômetros de costas navegáveis atlânticas, além da Amazônia azul, com águas territoriais, rochedos e arquipélagos, e águas interiores com rios, lagos e represas, deveria ter cultura náutica. "Mas nossa cultura não passa da arrebentação das ondas na praia e as pessoas pagam caro para viver com vista para o mar", provoca.

O velejador fecha a entrevista parafraseando algo que ouviu certa vez de um almirante da Escola de Guerra Naval. "O desenvolvimento de uma nação é proporcional à sua maritimidade. O Brasil precisa encontrar sua cultura e personalidade marítimas. E pessoas como Amir Klink, Aleixo Belov, Betão Pandiani, familia Schurmann, Robert Scheidt e irmãos Grael ajudam a criar nossa assinatura da náutica brasileira", finaliza.

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