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Depois de sete anos, João Gilberto volta a cantar com orquestra

Os bastidores da gravação do clássico álbum “Amoroso”, no mês em que João Gilberto, aos 80 anos, inicia uma excursão pelo Brasil

Sete anos depois de um disco relativamente pouco divulgado, João voltava a cantar com orquestra, como em seus três primeiros discos brasileiros (Bob Paulino)

Sete anos depois de um disco relativamente pouco divulgado, João voltava a cantar com orquestra, como em seus três primeiros discos brasileiros (Bob Paulino)

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Da Redação

Publicado em 7 de novembro de 2011 às 11h00.

São Paulo - Assim que cheguei a Nova York, em março de 1977, tratei de ligar para o hotel onde João Gilberto se hospedava à época do lançamento de seu novo disco Amoroso. Nem passou por minha cabeça entrevistar o ídolo que conhecia pessoalmente fazia uns dez anos. Queria mesmo era estar com João, bater papo, jogar conversa fora. Ouvir, quem sabe, o som inatingível do canto de João com o violão de João. Tinha ele terminado de gravar o novo disco e devia estar excitadíssimo para contar detalhes. O arranjador era o alemão Claus Ogerman, que já havia orquestrado os temas instrumentais de Antonio Carlos Jobim em The Composer of Desafinado. Agora, sete anos depois de um disco relativamente pouco divulgado – gravado no México com o arranjo de Oscar Castro Neves –, João voltava a cantar com orquestra. Como em seus três primeiros discos brasileiros.

Nessa época, a agenda de João Gilberto estava a cargo de Helen Keane – que, por 18 anos, foi agente do pianista de jazz Bill Evans. Aproveitando o disco Amoroso, Helen estava bastante empenhada em montar uma excursão de João Gilberto à Europa. Em seu escritório, contou-me que não conseguia combinar os voos programados com a agenda dos espetáculos e me pediu para ajudá-la, temendo que a turnê não se realizasse – o que, infelizmente, acabou acontecendo. João queria fazer um trajeto complexo, e nos anos 1970 havia muito menos disponibilidade de voos do que hoje. Montar uma temporada de João Gilberto já era tarefa que exigia paciência e tremendo jogo de cintura. Os que conseguiram podem se gabar de terem realizado o que seria a quintessência da música do nosso tempo: um recital de João Gilberto.

Cheguei ao modesto hotelzinho, no East Side, onde João ocupava um apartamento sem nenhum luxo. “Que bom que você chegou”, disse aliviado tão logo entrei, “estava desesperado para pedir uma pizza, mas não sabia como fazer”. Entre idas e vindas, João teria passado uns nove anos vivendo nos Estados Unidos, mas não ligava a mínima por não falar a língua dos norte-americanos. Foram várias as tardes musicais que tive naqueles dias em Nova York, há mais de 30 anos. Nessas tardes privilegiadas, João me falava dos músicos de São Paulo de quem guardava lembranças carinhosas e, com muita saudade, do Brasil, para onde tanto desejava voltar. Morava em Nova York havia tempo, mas falava como quem tivesse recém-chegado do Brasil, tamanha a riqueza de suas descrições.

Nesse dia, João não resistiu ao desejo de mostrar detalhes do disco que acabara de gravar. Estava visivelmente encantado, elogiando a captação do equilíbrio de voz e violão, a unidade sonora joãogilbertiana por excelência, emoldurada na placidez das cordas da orquestra. Até hoje não sei dizer se João gostou muito ou pouco do trabalho de Claus Ogerman como orquestrador. Certo mesmo é que odiava Stan Getz. Contou-me que após terminarem a mixagem do disco The Best of Two Worlds – o que tem na capa João, Miúcha e Getz numa montagem fotográfica para poder juntá-los –, o saxofonista foi de madrugada ao estúdio e remixou tudo para ressaltar seus solos.


Num outro dia, João cantou para seu único ouvinte algumas músicas, como Estate, canção italiana pouco conhecida à época que, depois dele, foi descoberta por muita gente, incluindo jazzistas. Não me lembro de S’Wonderful, mas cantou a outra estrangeira de Amoroso, Besame Mucho, que gravara antes, no México. Aliás, para quem acha que João repete sempre as mesmas interpretações, vale comparar uma com a outra. Na primeira, tange no violão notas isoladas em frases que formariam o acorde, ao passo que em Amoroso ele toca os acordes na sua levada típica, que, no caso, aproxima o ritmo do bolero com o do samba-canção. E ainda: a divisão das frases cantadas também não se repete, o que demonstra claramente como cada interpretação de uma mesma canção por João Gilberto é uma nova criação. Afundar-se nessa criatividade é o grande segredo para compreender João Gilberto.

Sumiço na noite

Naquela semana, o autor da capa do disco, Geoffrey Holder – o exótico e admirado artista de quase dois metros de altura, capazes de englobar um misto de bailarino, coreógrafo, diretor, escritor e pintor –, ofereceu uma grande festa em seu espetacular apartamento de Manhattan para comemorar o lançamento de Amoroso. Holder é figura dominante em qualquer recepção que vá, mas nessa noite todas as personalidades presentes cercavam João Gilberto que parecia desejar sumir e que, providencialmente, esquecera o violão no hotel. A noite avançava quando ele comunicou que iria atender aos insistentes pedidos para que cantasse. Alguém foi com ele buscar o violão. O tempo passava, e nada. Mais da metade dos convivas desistiu, indo para casa.

Duas horas mais tarde, João retornava com o violão para um recital inesquecível para os poucos que nele confiaram. Um grupo de privilegiados que, em meio a um silêncio sepulcral, ouvia extasiado aquele artista magnífico, reverenciado no mundo todo, o mesmo artista magnífico que o Brasil tem o privilégio de assistir na comemoração de seus 80 anos agora.

Se me permitem, aconselho a não imitar os que se foram daquela festa em 1977.

Onde e Quando

Turnê 80 anos - Uma Vida Bossa Nova, de João Gilberto. Dias: 5/11, São Paulo; 15/11, Rio de Janeiro; 19/11, Brasília; 25/11, Porto Alegre; 9/12, Salvador. Horários e valores variados. Mais informações em http://www.mauriciopessoaproducoes.com.br

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