Carro elétrico da Ford, o Mustang Mach-E (Ryan Young/The New York Times)
Daniel Salles
Publicado em 26 de janeiro de 2021 às 09h49.
Última atualização em 26 de janeiro de 2021 às 10h10.
Algumas semanas antes do Natal, a San Tan Ford, concessionária na área de Phoenix, convidou compradores de carros para ver o Mustang Mach-E, o esperado carro elétrico que a Ford Motor começou recentemente a vender.
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O evento atraiu cerca de 200 pessoas, muitas vindo de BMW, Audi, Subaru e outras marcas que a San Tan raramente recebe como troca. Dez pessoas fizeram depósito para um Mach-E – incluindo três proprietárias de Teslas.
"O nível de ânimo e entusiasmo foi imenso. Quando você dirige essa coisa, a performance é tipo 'Uau'", disse o proprietário da San Tan, Tim Hovik.
A Ford e outras grandes montadoras do mundo vendem bilhões de dólares em picapes e veículos utilitários esportivos movidos a gasolina, mas ainda não ganharam muito terreno com veículos elétricos, o segmento de rápido crescimento do setor de automóveis dominado pela Tesla.
Isso pode finalmente mudar este ano. A Ford, a Volkswagen e outras montadoras começarão a vender vários modelos com maior alcance de deslocamento do que os da série anterior de concorrentes da Tesla, que não conseguiram atrair muitos compradores.
A Ford, em particular, precisa que sua última incursão em veículos elétricos seja um sucesso. Com exceção de suas picapes mais vendidas, a empresa já enfrentava problemas antes mesmo que a pandemia derrubasse as vendas de automóveis. Muitos críticos e compradores de carros há tempos consideram seus modelos ultrapassados e sem inspiração. Além disso, os investidores avaliam a Ford em torno de US$ 38 bilhões, cerca de metade do valor da General Motors e muito longe da capitalização de mercado de US$ 800 bilhões da Tesla.
Um novo executivo-chefe, Jim Farley, que assumiu em outubro, prometeu simplificar as operações – a empresa divulgou recentemente que estava fechando três fábricas no Brasil – e investir em carros elétricos e autônomos. O Mach-E será o primeiro grande teste de Farley.
A empresa está apostando que o carro terá sucesso onde outros falharam, em parte porque, embora seja chamado de Mustang, é um SUV espaçoso, que muitos americanos preferem ao sedã. A maioria das vendas da Tesla vem do seu sedã compacto Model 3. Outras montadoras, incluindo Volkswagen, Nissan, BMW, Mercedes-Benz, Volvo e Hyundai, também planejam introduzir SUVs elétricos nos próximos meses.
Vários modelos novos também têm um preço atraente em comparação com os modelos da Tesla e podem atrair compradores interessados em veículos elétricos, mas que se recusam a pagar os altos preços cobrados.
O Mustang Mach-E e o Volkswagen ID.4, que deve chegar às concessionárias em março, podem percorrer cerca de 400 quilômetros com uma carga completa – quase o mesmo que a versão mais barata do Model Y da Tesla – e começam em torno de US$ 43 mil e US$ 40 mil. O Model Y básico mais básico custa US$ 42 mil, mas os modelos Ford e Volkswagen são elegíveis para um crédito fiscal federal de US$ 7.500, o que reduzirá o custo final para bem menos de US$ 40 mil, ou perto do preço médio de carros novos vendidos nos Estados Unidos. O crédito tributário não se aplica mais às compras de veículos da Tesla.
As montadoras startups também colocarão novos veículos na estrada este ano. A Rivian, que é apoiada pela Amazon e pela Ford, planeja começar a vender um SUV e uma picape de luxo neste verão. Seu preço é de cerca de US$ 75 mil, mas são destinados ao uso off-road – modalidade na qual a Tesla não se concentrou, embora a empresa pretenda começar a produzir uma picape ainda este ano.
Os veículos elétricos compõem apenas cerca de três por cento das vendas globais de automóveis, mas estas devem aumentar rapidamente na próxima década. Eles poderão ultrapassar os movidos a gasolina globalmente até 2040, segundo alguns analistas. Como resultado, muitas montadoras estão gastando bilhões de dólares para introduzir dezenas de modelos elétricos nos próximos anos.
"É preciso estar nessa corrida. Não dá para ficar de fora", disse Mark Wakefield, diretor administrativo da AlixPartners, empresa de consultoria com grande prática automotiva.
A Tesla agora enfrenta uma concorrência mais dura na China e na Europa, mas ainda domina o mercado americano. A empresa não subdivide suas vendas por país, mas analistas acreditam que tenha vendido mais de 200 mil carros elétricos nos Estados Unidos no ano passado – mais do que todas as outras fabricantes juntas.
As montadoras que introduziram modelos elétricos este ano nos Estados Unidos afirmam que não estão tentando afastar compradores da Tesla, mas sim buscando expandir o pool de potenciais compradores desses carros. A Tesla atrai basicamente os compradores de carros de luxo de alta renda e os primeiros adotantes – consumidores que se deleitam em possuir a mais recente e mais avançada tecnologia.
Dustin Krause, diretor de mobilidade eletrônica da Volkswagen na América do Norte, declarou que o ID.4 seria voltado mais para pessoas que nunca consideraram um carro elétrico. Ele mencionou que os americanos compram vários milhões de SUVs compactos e médios todos os anos. Um carro elétrico nesse segmento a um preço acessível "de repente permite a consideração para muitos clientes que estiveram em cima do muro e para os que nunca consideraram um veículo elétrico antes".
Pat Sheridan, executivo de marketing de tecnologia e jogador de hóquei em Los Altos, na Califórnia, considera-se um desses compradores de carros. Alguns amigos possuem Teslas, mas ele não estava preparado para pagar US$ 40 mil ou mais por um pequeno sedan como o Model 3. Ele acrescentou que o sistema de assistência ao motorista do piloto automático da Tesla, grande atrativo para seus fãs, não lhe interessa.
Mas, quando seu velho Volvo foi aposentado em novembro, ele encontrou um Chevrolet Bolt 2020 cheio de opções. Sheridan gostou do fato de a General Motors ter aumentado recentemente o alcance da bateria para 416 quilômetros. Incentivos da montadora reduziram o preço para pouco menos de US$ 35 mil. A forma hatchback do carro facilita o transporte de seu equipamento de hóquei na parte de trás. "Existe um mercado para esses veículos elétricos mais práticos. A indústria está cada vez mais perto de atender a outro segmento de pessoas como eu", comentou Sheridan.
Poucos carros elétricos estão chegando com tanta expectativa quanto o Mustang Mach-E. A Ford havia feito modelos elétricos no passado, que foram construídos com os mesmos fundamentos que a empresa usava para modelos a gasolina. Alguns anos atrás, quando as vendas da Tesla decolavam e os lucros da Ford começavam a cair, esta resolveu construir um carro elétrico do zero.
Na esperança de atrair compradores, a Ford batizou seu primeiro modelo em homenagem a seu famoso carro esportivo. Alguns revisores de automóveis e aficionados criticaram a empresa por sua escolha do nome porque o Mach-E é muito diferente dos outros Mustangs.
"Queríamos que esse veículo tivesse caráter. O nome Mustang está ligado a um produto que realmente tem apelo no mercado", disse Robert Iorio, engenheiro-chefe do Mach-E.
A Ford, que está produzindo o carro no México, prometeu começar as entregas até o fim de 2020, já tendo entregado três aos clientes em dezembro. E recebeu os pedidos de todos os Mach-Es que planeja produzir este ano – cerca de 50 mil, segundo Iorio. A maioria será vendida nos Estados Unidos e alguns na Europa. As vendas na China começarão ainda este ano.
Se a empresa entregar todos os carros prometidos, o Mach-E pode se tornar um dos veículos elétricos mais vendidos nos Estados Unidos, depois do Tesla Model 3 e do Model Y, e poderia superar o Chevrolet Bolt, com cerca de 20 mil unidades vendidas no ano passado. "Acho que, com isso, vamos chegar lá, e que as pessoas verão a Ford de forma diferente", afirmou Iorio.