Barbara Almeida e Mariana Penazzo, da Dress&Go e Reloved. (Daniela Toviansky/Divulgação)
Julia Storch
Publicado em 30 de maio de 2021 às 08h00.
Esqueça os brechós empoeirados com roupas de segunda mão cheirando a naftalina e em condições duvidosas. Se antes garimpar peças usadas era uma questão de estilo pessoal, falta de grana ou amor por décadas passadas, o mercado de revenda (ou resale) agora é digital, tem apelo sustentável e inclui roupas e acessórios novos, de coleções recentes, negociados por pessoas físicas ou por grandes nomes da moda.
Enquanto o varejo tradicional, que já vinha recalculando rota nos últimos anos, sofre um baque histórico por causa da pandemia de Covid-19, o resale aproveita o budget mais apertado do consumidor, a revisão de prioridades no closet e uma maior tomada de consciência ambiental da nova geração para deixar de ser uma onda de descolados e virar um tsunami com oportunidades de business monstruosas.
A revolução é global e está apenas começando. O movimento deve muito à Geração Z, que está adotando a economia circular mais rapidamente do que os Millennials e a Gen X. Mais: 70% desses consumidores dão preferência a marcas com preocupação ambiental e social. Não à toa, o resale já chama a atenção da indústria do luxo e dá seus passos também no Brasil.
Segundo estudo publicado pela plataforma americana de revenda de roupas novas e usadas Thred Up, nos próximos 12 meses, Amazon (37%), outlets (34%) e o segmento de segunda mão (44%) são os únicos que devem crescer, enquanto o varejo tradicional segue na luta contra o encolhimento. Impulsionado pelo “novo normal”, o mercado de revenda e de segunda mão deve multiplicar por cinco e bater US$ 64 bilhões até 2024. A projeção indica que ultrapassa o fast fashion até 2029. A mesma pesquisa aponta que cresceu em 50% o número de pessoas que está fazendo a limpa no closet atualmente em relação ao período pré-Covid.
Antes da pandemia, o mercado de revenda estava prestes a dobrar de tamanho. Agora, esse crescimento deve acelerar. Contrariando o status quo, sites como o próprio Thred Up ou o The Real Real, gigantes globais do setor, engatam a quarta marcha à medida em que a pandemia afunda a economia. Essas plataformas permitem o aluguel, compra e revenda de roupas usadas, com curadoria afiada e rígido controle de qualidade.
“As mudanças que já estavam ocorrendo no varejo estão se acelerando rapidamente. O isolamento social favoreceu as compras online. Como resultado, as oportunidades de negócios estão se expandindo para as empresas de comércio eletrônico e marketplaces”, analisa Anthony Marino, presidente do Thred Up, que comercializa peças de Gap a Gucci para 1,24 milhão de consumidores, dos quais 428 mil são revendedores ativos. “Clientes, em todos os lugares, querem mais valor agregado no que estão comprando. Os jovens estão mais ligados do que nunca na saúde do planeta. A indústria da moda sempre foi uma das mais poluentes do mundo e esta geração tem o desejo genuíno de fazer parte da solução a essa questão, o que é favorável para as empresas que entregam valor ao cliente de forma sustentável”, conclui Marino.
O Thred Up definiu o preço de US$ 14 por ação em seu IPO recentemente. O preço ficou no teto da faixa indicativa, que começava em US$ 12. O volume total levantado foi de US$ 168 milhões.
Já no The Real Real, líder no assunto que faturou mais de US$ 300 milhões em 2019, é possível comprar de relógios finos a móveis, passando, é claro, por roupas seminovas de grandes etiquetas como Louis Vuitton, Tom Ford ou Saint Laurent. Esta última pertence ao conglomerado de luxo Kering, que, atento ao novo panorama, investiu na maior plataforma europeia para revenda de artigos high end. O grupo adquiriu uma participação de 5% na startup francesa Vestiaire Collective. O Kering não está só. A Goldman Sachs anunciou que pretende investir US$ 750 bilhões na próxima década financiando e assessorando empresas com foco em negócios sustentáveis. A tendência é que gigantes do mercado financeiro, que miram em investimentos pautados em ESG, se voltem para as iniciativas de resale, bastante alinhadas ao conceito.
O que antes era uma ameaça ao controle de preços que as marcas de luxo gostam de ter sobre os seus produtos virou um aliado. São cada vez mais frequentes as parcerias de marcas premium com as plataformas de segunda-mão. O The Real Real já tem acordo com Alexander McQueen e Gucci (ambas do mesmo grupo Kering) para fazer circular peças paradas de clientes ao mesmo tempo em que fidelizam os mesmos com créditos para gastar na própria plataforma ou nas lojas das marcas. Espertos.
O Farfetch, e-commerce focado em artigos de luxo que faz a ponte com o estoque de lojas físicas espalhadas pelo mundo, também já entendeu que a economia circular é o futuro e tem o seu serviço de revenda de bolsas grifadas disponível para clientes da Europa e Estados Unidos. O site também opera no Brasil, mas ainda não estreou a novidade por aqui. Em terras nacionais, a primeira iniciativa de peso dentro do movimento vem da Dress & Go. Pioneira no segmento de aluguel online de vestidos de grife, a startup, que existe desde 2013 e já recebeu aportes da gestora de fundos de venture capital KPTL, acaba de lançar o Reloved, serviço que dá aos seus mais de 500 mil clientes de classe A e B a oportunidade de alugar e revender as próprias roupas para o dia a dia, combatendo o acúmulo de peças em casa.
O Reloved abre o leque de possibilidades da Dress & Go, que expande o além-festa – afinal, no atual momento do País, agitos aglomerados nem pensar! Em outras palavras, com o novo serviço é possível alugar, comprar ou revender peças variadas como uma saia, uma blusa ou calça, selecionadas com olhar apurado pela equipe dentre as milhares de roupas recebidas periodicamente. A curadoria e o cuidado com a produção e apresentação das peças diferencia a plataforma de outros sites de revenda como o Enjoei, no qual impera o do it yourself. De olho na transformação do mercado de moda no País, as sócias Barbara Diniz e Mariana Penazzo, que já foram listadas pela Forbes na categoria “30 Under 30”, já haviam lançado, em 2019, o programa Share, que permite às pessoas físicas, marcas e lojas disponibilizarem seus vestidos para locação no site – e, assim, faturarem, a cada pedido, um percentual da receita.
“Lançamos o Share com a intenção de estimular ainda mais o consumo responsável e, assim, reduzir os impactos ambientais gerados pela indústria têxtil, que é a segunda mais poluente do mundo. Para termos uma ideia, são produzidas 175 mil toneladas de resíduos têxteis ao ano só no Brasil. Entretanto, em média, as brasileiras usam apenas 30% do guarda-roupa regularmente”, explica Mariana, que contabiliza mais de 5 mil vestidos, de 50 marcas, no portfólio do site.
O Reloved estreia com 2.500 peças, das quais 20% vem da Animale, marca premium do grupo carioca Soma, parceiro do site na nova empreitada e que tem em seu guarda-chuva outros nomes badalados, como Farm e Cris Barros. “Nosso acordo com o Soma é apenas com o fornecimento de peças novas de seu estoque para o projeto Reloved”, garante Barbara. “É possível que outras marcas do grupo se juntem à Animale no futuro.” Também já entraram para o portfólio da Dress & Go a mineira Iorane e a Twenty Four Seven, expert em peças práticas e confortáveis para um cotidiano com mais estilo.
Se você quer andar na moda, ganhar dinheiro e ainda ajudar o planeta, já sabe: a solução pode estar parada no fundo do seu armário. Faça circular roupas e acessórios; acumuladores são o que há de mais démodé.
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