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Dante Alighieri pode ter justiça, 700 anos após morte

Considerado o pai da língua italiana, festejado em universidades e enciclopédias de todo o mundo por uma das maiores obras da literatura, em sua cidade "ainda é um homem condenado"

A primeira edição impressa de "A Divina Comédia" de Dante em uma exposição em Roma em 30 de março de 2016 (AFP/AFP)

A primeira edição impressa de "A Divina Comédia" de Dante em uma exposição em Roma em 30 de março de 2016 (AFP/AFP)

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AFP

Publicado em 12 de março de 2021 às 11h04.

Obra-prima da literatura mundial, A Divina Comédia de Dante Alighieri foi escrita no exílio pelo poeta italiano após ser condenado em um julgamento injusto, que os juristas se preparam para revisar sete séculos após sua morte.

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O "Poeta Supremo", como costuma ser chamado, teve que ir para o exílio e deixar Florença em janeiro de 1302 após um confronto sangrento entre duas facções rivais: os "Brancos", que exigiam que os poderes do papa fossem limitados e do qual Dante era membro, e os "Negros", dispostos a aceitar a influência do papa nos assuntos da cidade.

"Nosso objetivo é determinar, à luz dos novos documentos descobertos, se as sentenças podem ser revistas ou, melhor ainda, anuladas", explicou à AFP o advogado criminal Alessandro Traversi.

O advogado convidou um grupo de colegas e magistrados a reconsiderar o caso de Dante Alighieri durante uma conferência marcada para 21 de maio.

Os convidados incluem o conde Sperello di Serego Alighieri, um astrônomo descendente em linha direta de Dante, assim como um descendente de Cante de Gabrielli, o juiz "Negro" que o baniu de Florença, sua cidade natal.

Ao contrário de seus ancestrais ilustres, os dois homens são amigos.

"Acho interessante rever este caso", confessa Antoine de Gabrielli, que alerta que não pretende alegar, como seu ancestral, a culpa de Dante. "Não vou lutar por isso", assegura o francês.

Para Traversi, a revisão judicial é um forte gesto simbólico, destinado a apagar a infâmia que paradoxalmente pesa sobre Dante desde o século XIV.

Considerado o pai da língua italiana, festejado em universidades e enciclopédias de todo o mundo por uma das maiores obras da literatura, em sua cidade "ainda é um homem condenado".

Condenado à fogueira
Homem de letras, Dante esteve muito envolvido na vida política de Florença. Em 1300, foi eleito prior, um dos nove membros do governo local, por um período de dois meses. Esse cargo de prestígio foi a causa de seu infortúnio.

Quando os "Negros" recuperaram o controle de Florença em 1301 com a ajuda de Charles de Valois, irmão do rei da França Filipe, o Belo, e o apoio do papa Bonifácio VIII, Dante e os outros priores "Brancos" foram julgados à revelia, já que tiveram que deixar a cidade.

Em janeiro de 1302, Cante de Gabrielli os considerou culpados de corrupção e apropriação indébita, anunciou prazo de três dias para o pagamento de uma pesada multa, proibiu-os de qualquer cargo público e ordenou o confisco de seus bens.

Em março do mesmo ano, Cante de Gabrielli condenou Dante e seus colegas à fogueira se tentassem retornar a Florença. Em 1315, depois que Dante e seus filhos rejeitaram a anistia proposta, outro juiz o sentenciou à decapitação.

O poeta sobreviveu, vagando de uma cidade para outra. Pouco se sabe de sua vida privada, mas ele teria se dedicado a escrever "A Divina Comédia" até o ano de sua morte, em 1321.

O exílio é um dos temas centrais desta obra monumental, um épico alegórico em tercetos, com o qual o autor faz um ajuste de contas: por exemplo, encontra um lugar no inferno para seus inimigos, incluindo Bonifácio VIII.

Julgamento político
Todos os especialistas reconhecem que Dante foi vítima de juízes tendenciosos, embora Alessandro Barbero, o medievalista mais famoso da Itália, tenha lançado recentemente a ideia de que o poeta possa ter sido condenado por abuso de poder.

Dante não era corrupto, mas "não é impossível" que usasse seu poder para favorecer seus aliados políticos, diz Barbero em uma biografia.

Alessandro Traversi espera esclarecer esse ponto e finalmente exonerar o gênio florentino. Margherita Cassano, magistrada do Tribunal de Cassação, a mais principal autoridade judicial da Itália, redigirá um relatório final após a conferência e a ata será publicada em livro.

Para Serego Alighieri - que não só herdou o sobrenome do antepassado, mas também o famoso nariz aquilino, traço de família - a iniciativa é louvável, mas tardia.

"Dante foi condenado, teve que ir para o exílio e passou o resto de sua vida no exílio, ele nunca mais voltou para Florença", lamentou em entrevista à AFP.

"O que quer que façamos por ele [agora], não mudará isso", acrescentou.

A conferência é um dos muitos eventos que ocorrem este ano na Itália para marcar o 700º aniversário da morte de Dante, embora muitos deles tenham sido afetados pelas restrições ligadas à pandemia do coronavírus.

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