Casual

Da Turquia ao Brasil, a carne ganha popularidade nas redes

Açougueiro e chef turco com 10 milhões de seguidores no Instagram é o protagonista de uma revolução culinária

NUSRET GÖKÇE, OU SALT BAE: ao menos nas redes sociais, o turco foi a principal sensação da culinária mundial em 2017 (Instagram/Reprodução)

NUSRET GÖKÇE, OU SALT BAE: ao menos nas redes sociais, o turco foi a principal sensação da culinária mundial em 2017 (Instagram/Reprodução)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 23 de dezembro de 2017 às 10h18.

Última atualização em 23 de dezembro de 2017 às 13h07.

É como se Sidney Magal, no auge do sexy appeal, comandasse um programa sobre churrasco. Em um vídeo publicado no Instagram, um homem moreno, de rabo de cavalo e óculos escuros, segura com a faca um pedaço de carne jogado em sua direção. Com movimentos orquestrados e caricatos, corta a carne em rodelas e flamba com um maçarico. Depois, o cozinheiro deixa o sal escorrer pelo antebraço até cair sobre o prato. O gesto e a forma característica de preparar a comida viraram a marca registrada do chef turco Nusret Gökçe, 34, que tornou-se a principal sensação da gastronomia mundial em 2017. Ao menos nas redes sociais, onde passou a ser conhecido como Salt Bae e acumula mais de 10 milhões de seguidores, dez vezes o que tinha no início do ano. 

Com vídeos sempre mesmo estilo – fazendo coreografias enquanto acaricia, bate, dança ou corta pedaços de carne para preparar seus pratos – Gökçe viralizou nas redes sociais e atraiu atenção no mundo todo. Natural de uma pequena vila da etnia curda localizada no leste da Turquia,  o chef vem de uma família pobre, largou a escola aos 13 anos e virou aprendiz de açougueiro. Depois de morar na Argentina para aprimorar sua culinária, desde 2010 ele é coproprietário da cadeia de restaurantes Nusr-Et Steakhouse (Gökçe separou seu próprio nome para fazer um trocadilho, já que “et” significa carne em turco), que abre sua 13ª casa nas próximas semanas em Nova York – em janeiro, eram apenas seis.

A popularidade fez com que seus restaurantes passassem a ser frequentados por diversas celebridades – em fevereiro, depois de servir Leonardo DiCaprio, o chefe afirmou que comer em seu restaurante poderia ser considerado o segundo Oscar do ator. Seu jeito de salgar a carne passou a ser imitado por aí, incluindo em comemorações de gols – Gökçe é fã de futebol, e, os jogadores, seus fãs -, e nas redes sociais de outros tantos famosos. Justin Bieber, Bruno Mars e Drake são só alguns exemplos. Ben Affleck já foi visto usando uma camiseta com a foto do cozinheiro. Por revistas internacionais de celebridades, Gökçe é considerado o chef sexy das carnes. Boa parte de suas coreografias ao cozinhar – e até seu apelido – tentam ressaltar essa característica, mesmo que muitas vezes ele fique mais próximo do brega mesmo.

Gökçe virou um símbolo pop. Mas, por causa de toda essa fama, também carrega na costas um desafio: o de tornar a carne vermelha algo atraente de novo. Os carnívoros, de um tempo pra cá, passaram a ser tratados como homens das cavernas por uma crescente patrulha sustentável. O número de vegetarianos e veganos cresce sem parar. Em 2012, o Ibope estimou que 8% dos brasileiros declaravam não comer carne. O vegetarianismo passou a ser vendido como algo “cool” e, consequentemente, o mercado de produtos para essa parte da população cresce sem parar. Gökçe está aí, mesmo que sem essa intenção, para mostrar que a carne ainda é parte da dieta humana. Se for bem feita, melhora ainda.

No Brasil, a onda é a mesma

O chefe turco não está sozinho na difícil batalha de tornar a carne sexy novamente em um mundo que quer – e precisa – cada vez mais controlar sua alimentação. No Brasil, o rei dos Instagrams relacionados ao assunto é o ex-consultor do mercado financeiro e agora açougueiro Rogerio Betti, sócio do açougue DeBetti e da Churrascada, um evento que reúne apaixonados por churrasco de todo o país. Em seu Instagram pessoal, que agora serve para o açougue também, Betti tem quase 140.000 seguidores. No da Churrascada, passam dos 200.000. Mesmo que em escala menor, o açougueiro também acumula fama entre os amantes da carne. Já é reconhecido na rua e, em duas horas que ficou em frente a seu açougue conversando com a reportagem de EXAME, quase duas dezenas de clientes que entraram no local pararam para cumprimentá-lo. Alguns já o conheciam, outros queriam se apresentar e elogiar o trabalho.

Luiz Maximiano/VEJA
ROGERIO BETTI: no Brasil, açougueiro é a sensação das carnes no Instagram

Embora venha de uma família de açougueiros que começou no ramo na década de 20 e teve uma rede com quase 40 casas, Betti seguiu carreira no mercado financeiro. Voltou ao mundo dos açougues quase por acaso depois que a família já havia saído do ramo. No início de 2014, inspirado por um programa que viu na TV a cabo, passou a pesquisar mais sobre a técnica de maturação a seco, a dry aged. “Sempre fui o churrasqueiro da família e dos amigos. Achei que aquilo poderia ser interessante e resolvi começar a fazer em casa”, diz Betti.

A carne maturada dessa forma fica mais macia e com o sabor ressaltado. Para tanto, precisa ficar por dias – de 30 a 120 – entre zero e 3 graus em um refrigerador. A umidade também é controlada, fica a 70%, o que ajuda a criar uma capa de carne seca que preserva o interior do alimento.

Betti comprou uma geladeira e passou a produzir os pedaços dry aged em casa. Para mostrar aos amigos, que eram os verdadeiros interessados na produção, já que iam comer o churrasco, começou a fazer fotos das carnes e postar em seu Instagram “despretensiosamente”. No começo, e por um bom tempo, não vendia o produto, mas o boca a boca levou muita gente a começar a procurá-lo. “As pessoas chegavam e queriam um pedaço. Como eu não vendia, dei muita carne maturada para amigos de amigos antes de começar a vender”, diz. Mas ainda não achava que a procura pudesse render um negócio. No entanto, comprou mais geladeiras.

O sucesso do Instagram fez com que os seguidores passassem a pedir cursos sobre como fazer aquele tipo de maturação. Realizou o primeiro sem muita pretensão, cobrando 400 reais por participante e achando que seriam no máximo 20. Foram 50, e sobrou gente para as próximas edições. Hoje, os seminários são quase semanais. Betti, então, notou que havia uma demanda reprimida por carnes de qualidade e pensou que tinha um ótimo negócio em mãos. Só não sabia direito o que seria.

Em parceria com a agência de eventos Haute e o chef Gustavo Bottino, teve a ideia do festival Churrascada, inspirado na Meatopia, de Nova York, que chegou a reunir 3.000 pessoas e trazer chefes de vários países. Hoje, as edições são menores e sempre têm ingressos esgotados. Finalmente, com investimento de um milhão de reais, abriu o açougue DeBetti em junho deste ano.

“Há um público para açougues especiais porque as pessoas não comem mais para suprir a quantidade de proteína que precisam. Para isso, há outras alternativas. Elas comem carne em ocasiões especiais, com amigos e família, e nesses casos, preferem qualidade e não se importam em pagar um pouco a mais”, diz.

O público a que Betti se refere, é claro, é o que pode pagar essa diferença. Um quilo de Ribeye (filé de costela) dry aged sai por 140 reais, enquanto a in natura fica por 76. O açougue DeBetti tem os dois. A picanha in natura sai por 87 reais o quilo, não muito diferente de outros lugares, e mais barato que em concorrentes que também trabalham com carnes especiais. Mas também há os cortes que custam mais de 300 reais.

No Brasil, são cerca de 215 milhões de cabeças de gado – mais do que os 208 milhões de habitantes do país -, que renderam um valor de produção bruto de cerca de 75 bilhões de reais em 2016. A mania da carne de qualidade também passa pela melhoria da carne do gado aqui criado. Por muito tempo, o Brasil teve fama de ter um rebanho ruim. De fato, na opinião dos açougueiros, a média de qualidade aqui ainda é fraca. Mas as melhores carnes daqui passaram a competir de igual para igual com o que há de melhor no mundo. Betti faz toda a curadoria do alimento que vende, indo até as fazendas de onde vêm os animais, e também selecionando no frigorífico a carne que irá para o açougue e a que será encaminhada para varejo comum.

O DeBetti, que fica no bairro Cidade Jardim, não é o maior açougue de São Paulo para carnes nobres e especiais, também há o Feed e o Santa Bárbara, por exemplo, além de grandes redes, como a Tennesse e a Swift. Em média, vende 70 toneladas por mês e boa parte vai direto para restaurantes e bares, como os da Companhia Tradicional de Comércio. Em 2017, faturou 20 milhões de reais.

Entre os planos de Betti para o próximo ano está continuar abrindo quiosques de carne premium dentro de supermercados Carrefour, onde já tem duas lojas, além de abrir pelo menos mais uma unidade do DeBetti em São Paulo. Como a marca que leva o mesmo nome do açougue só é vendida nas lojas próprias, também planeja lançar outras duas para serem comercializadas em outros açougues e mercados. A Churrascada, de carnes nobres, e a Nosso Açougue, que leva o mesmo nome do açougue da família de Betti, para outros tipos de corte, que representam cerca de 60% do animal.

Planeja ainda substituir o frigorífico onde hoje seleciona a carne que vem dos produtores, que é terceirizado, por um que arrendou em Barueri e, provavelmente, pegar investimento de fundos ainda no primeiro trimestre do ano para acelerar esse crescimento. Expandir os negócios, afinal, nunca deixou de ser sexy. 

Acompanhe tudo sobre:Carnes e derivadosExame HojeGastronomiaInternet

Mais de Casual

O dia em que joguei tênis na casa do Ronaldo Fenômeno

Torra fresca: novidades para quem gosta de café

Leilão de relógios de luxo tem Rolex com lance a partir de R$ 50

O carro mais desejado do Brasil até R$ 150 mil, segundo ranking EXAME Casual